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Erotico-->21. CONVITE BEM APROVEITADO -- 22/09/2002 - 06:21 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Naquele sábado, Leandro, na qualidade de dono de bem conceituado restaurante, recebeu solene convite para participar de reunião festiva dos comerciantes do bairro, onde se discutiriam as promoções natalinas da Associação Comercial a que se filiava. Não era dado a esse tipo de evento, pois não se importava muito se havia ou não lucro nos negócios oficiais, uma vez que o capital de giro era contabilizado pelo patamar superior, com as entradas clandestinas do gerenciamento do tráfico.

Mas, seja por desfastio, seja por não querer voltar a vigiar a casa do médico, aprontou-se para a conferência. Dentre os associados, era insignificante e assim pretendia permanecer. Reconheceu os que atuavam no setor e mais os que eram vizinhos dos tempos da fundação da casa, e se viu cercado de atenção. Não atinou com a causa até o momento do discurso.

Assumiu a palavra o presidente da instituição, Armando, dono de loja de roupas feitas, que examinou a péssima situação financeira da Associação e dos associados como reflexo do que se passava na cidade, porque o turismo estava estragado devido à sobrecarga da criminalidade:

— Depois que as Forças Armadas se recolheram aos quartéis, parece que os criminosos estão mais ávidos por restaurar o livro-caixa, onde o haver e o dever já não se equilibravam. Eu sei que existem olheiros por toda a parte e aqui mesmo alguns dos amigos mais chegados poderão ser os alcagüetes dos facínoras. A verdade, porém, é que estou cansado de pagar por uma segurança que não existe, já que não consigo vender sequer o suficiente para dar conta das cobranças.

Houve apartes de extrema concordância.

Armando prosseguiu:

— Quando precisávamos afastar os pivetes, trombadinhas e trombadões de nossas portas, até que havia interesse em manter a guarda das organizações de segurança particular bem como a clandestina, para o efeito salutar do livre trânsito da clientela. É certo que exageramos algumas vezes, ou melhor, alguns de nós, porque nem todos podem ser responsabilizados pelas diversas chacinas...

Onda de protestos ressoou pelo salão. Os mais exaltados pediam moderação nas declarações.

— Não se preocupem, — prosseguiu o orador. — Recebi pessoalmente todos os convidados e sei que não há ninguém aqui com interesse em divulgações jornalísticas ou em acusações junto ao ministério público. Só faltava a gente ser achacado pelos poderes oficiais, além das propinas que precisamos dar aos fiscais e caterva, para podermos manter o “caixa-dois”, que é o que nos garante ainda na ativa.

Houve alguns aplausos, mas a linha do discurso não estava agradando a maioria. Sentia-se nos presentes que desejavam ouvir a respeito da ordem do dia, tanto que um dos mais velhos, com muita dignidade, fez um sinal que desejava apartear.

Armando concedeu.

— Meu caríssimo presidente, faço minhas todas as suas palavras. Escreva-as, para que eu possa assinar embaixo. Entretanto (e puxou todas as sílabas, descrevendo um gesto de desconsolo com as mãos), a ordem social está invertida e não seremos nós que iremos sanar os malefícios do poder paralelo dos narcotraficantes, cada vez mais ousados e prepotentes. Sei que é o desespero que nos leva a repudiar a situação, mas vamos tentar fazer valer a época natalina, com a finalidade de atrair o público do carnaval. Não é esse o objetivo da reunião?

Calou-se, dando oportunidade a que o outro prosseguisse daí:

— Perdoem-me o desabafo. Espero não estar falando apenas por mim, quando digo...

Foi interrompido por longos e quentes aplausos. Dir-se-ia que o povo não queria vê-lo continuar na mesma linha de pensamento.

Leandro, que era noviço naquele tipo de reunião, espantava-se com o desabrido linguajar. “Será que seriam capazes de se revoltar contra os patrões do pó? Duvido. Estão fazendo cortina de fumaça, para abocanharem fatia mais grossa do bolo.”

Armando terminava:

— Em suma, vamos dar prêmios para a melhor decoração de vitrina, de fachada e de rua. Vocês se virem com os gastos, que não temos como ajudar, a não ser com a iluminação colorida dos últimos cinco anos. Se quiserem coisa melhor, decidam-se por pagar à Associação, conforme estimativa que vocês são bem capazes de estabelecer. Por mim, não estou pedindo nada. Só estou avisando que o Natal não pode deixar de ser uma atração, para que o povo volte a freqüentar as nossas calçadas. Tenho dito.

Não se designara nenhuma comissão nem se fixara o que deveria ser feito. Nunca as coisas foram tão vagas. Era o mal-estar com que contava Armando para movimentar a assembléia.

Gouveia, o do aparte, retomou a palavra:

— Os que desejarem participar da comissão organizadora tomem assento na mesa dos “fundos”. — E apontava para a parede de trás. O trocadilho provocou risos. — Eu irei para lá daqui a pouco. Preciso dar um puxão de orelhas no Armando.

Leandro estava muitíssimo intrigado. Desde a primeira fala do velho comerciante, jurava ter ouvido aquela voz em algum lugar. Quando falou mais alto para chamar a atenção de todos, descobriu que era um dos três chefes da organização a que ele servia na qualidade de valete ou ajudante de ordens, terceiro na escala do poder, porque, depois dos chefes supremos, havia os lugar-tenentes que executavam os planos ainda dentro do setor logístico das operações.

Passou, então, Leandro a observar a conversa entre Gouveia e Armando. Falavam baixo. Sem chamar a atenção, dada a movimentação dos que discutiam quem ficaria na comissão de ornamentação, aproximou-se dos dois com a desculpa de beber um copo de água da jarra sobre a mesa. Ficou de costas e começou longa bebericação, enquanto punha ouvido na conversa:

Dizia o mais velho:

— Garanto que pagar por fora será muito mais garantido. A turma do Leblon desejou se apoiar apenas nas empresas de segurança e na presença ostensiva dos policiais militares e logo se arrependeu. Não ouviste que três membros da diretoria de sua associação tiveram mortes ou seqüestros na família? Vai lá ver onde estão os revoltados. Faliram ou mudaram para outro lugar, com modéstia e sem ostentação.

— Mas, Gouveia, a situação está insustentável. Eu sei que conheces algum chefão, porque com você ninguém mexe. Não podes levar a eles a terrível situação em que nos encontramos? Será que eu disse alguma inverdade?

— Disseste bobagens. Onde se viu bandido ter consideração pela clientela? Eles querem o deles. E está acabado. Quantas casas fecharam nos últimos tempos?

— Três concordatas e cinco falências, fora dois golpes na praça...

— Pois, para eles, tudo é igual. Pensam que os que perderam tudo têm economias no banco, porque julgam as pessoas por si mesmos. Se alguém se matar por causa das dívidas, riem a bom rir, porque, para eles, isso não é nada. Hoje, não têm dinheiro. Amanhã, se compõem com os chefes, assaltam um carro-forte, e pronto! Quando vêm pedir o deles para nós, sabem que estamos sonegando do Governo. É preciso entrar na psicologia dos vigaristas. É preciso aprender a pensar como um deles.

Elevando um pouco mais a voz, chamou Leandro para participar da conversa:

— Ó dono de restaurante, vem dar tua opinião!

Pego de surpresa, o “dono de restaurante” nem assim perdeu a presença de espírito:

— Olá, Seu Gouveia, em que posso servir?

— Falávamos das quadrilhas que nos estão empobrecendo. Estás de acordo comigo?

Jogava o verde mas Leandro não se fez de achado:

— Pelo que posso deduzir, o “puxão de orelhas” parece ser sério. Eu acho que, neste mundo, ou melhor, no Brasil, já que eu não sei o que se passa fora, os espertos são os que mandam, os que exploram. Aqui, nesta brilhante reunião de homens de negócios, só vejo exploradores. Quando se sentem acuados, como estamos sendo pelas tais “quadrilhas” que o Seu Gouveia mencionou, ficam assim como o Armando, cheios de ouriços, atirando dardos para todos os lados, fira a quem não tiver capacidade de se proteger. Eu acho que a comissão vai acabar decidindo por deixar um bom dinheiro na Associação, porque o interesse de todos é ver o seu comércio progredir. Se eu estiver errado, me digam, mas não acredito que o Governo de Brasília tenha o poder de mudar nada por estas bandas. Nem com toda a tropa armada.

Admirou-se Gouveia com a facilidade de o jovem expressar-se. Tarimbado, percebeu que havia nuanças de sutil puxa-saquismo no discurso, mas se agradou da intenção de mostrar serviço, uma vez que deveria tê-lo reconhecido. A organização utilizava capuzes mas não ia à sofisticação de dissimular as vozes. Lembrou-se de ter tido, no seu tempo, a atenção despertada pela maneira de andar de um dos antigos chefes. Mas, naquela época, não se lhes dava de serem conhecidos, pois não se misturavam com a gente bem da sociedade. Muitos começaram a administrar até de dentro dos presídios...

Tirou-o da divagação o próprio Leandro:

— Como vos disse, estou às ordens para servir à melhor causa. Tenho tido idéias de mudar para o ramo da hotelaria ou da construção civil, mas, pelos levantamentos que fiz, preciso vender o meu lucrativo restaurante, um dos melhor freqüentados da cidade. A menos que arrume quem me empreste...

Até antes da reunião, não sabia quem seria esse Gouveia, além de dono de rede de hipermercados nos bairros nobres. Dava-lhe carradas de motivos para emprestar-lhe oficialmente o dinheiro. Gouveia mordeu a isca:

— Traz os teus planos segunda-feira, porque, se tiver fundamento, eu te dou o dinheiro de que precisas.

Não adiantava continuar o assunto. Leandro se inteirou do local aonde deveria ir e sumiu da presença do chefe, presença, aliás, requisitada lá no fundo.

A maior parte dos associados se deslocava para o saguão em que se serviam canapés e bebidas. Alguns companheiros, impressionados com a liberdade que demonstrara com o velho Gouveia, comentando à boca pequena o empréstimo prometido, acercaram-se do “dono do restaurante” e entabularam animada conversação. A primeira observação revelava a surpreendente popularidade que desfrutava:

— Com que, então, o restaurante está virando casa noturna... Estamos vendo a construção de imenso salão no fundo do terreno. Dizem que o amigo pagou à vista. Terá assaltado o trem pagador?

Leandro ria a bom rir, porque se sentia muito bem sendo paparicado pelos confrades. Era vaidoso e uma das principais causas do defeito era desejar ser incensado pelo tirocínio nos negócios. Falavam do restaurante e ele se lembrava da cocaína. Para si, dava no mesmo.

No recinto, estavam as famílias. Muitos fizeram questão de apresentar as mulheres e as filhas, pois era muito difícil de se lograr a companhia do dono, uma vez que quem dirigia, realmente, a casa era o gerente.

Um dos apertos de mão, enluvada e rendada mãozinha, catita e perfumada, atraiu para um sorriso faceiro de menina-moça casadoira. Maria do Carmo, neta do Gouveia, filha do Lourenço, administrador da rede de lojas do pai, que não estava presente por razões superiores à sua vontade. Leandro absorveu as informações, o sorriso e o aperto da mão, tudo de cambulhada. Flutuou no perfume e foi cair no leito, com a cabeça girando, que se dissera amante da prancha e do “windsurf”, que prometera estar presente nas eliminatórias do campeonato nacional.



Quando acordou no domingo, recebeu o relatório do vigia da casa do médico. Baltazar entrara e lá permanecera até a meia-noite. Sem pensar muito no que fazia, ligou e conversou com Marlene:

— Parece que vou ter de tomar providências, pois as minhas ordens não estão sendo respeitadas. Que tal uma orelha de cada um dos pimpolhos, para que os pais ouçam melhor?...

Falou e desligou. Era só para manter o clima de terror. Interessava-se pelo passo que dera na direção do poder e do dinheiro. Quem sabe, até do amor...

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