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Erotico-->20. TRANQÜILIDADE E PAVOR -- 21/09/2002 - 06:46 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O Irmão José foi amabilíssimo em receber os assustados pupilos.

Alfredo quis ser o primeiro:

— Querido Mestre, estou sentindo-me derrotado perante os estudos socorristas. Se coubesse a mim avaliar o meu desempenho, seria reprovado, com as notas mais baixas. Cabe-me vigiar o pequenino Orivaldo e nem me é permitido estar ao lado dele. Agora, quando estamos tentando minorar os efeitos do ódio no coração de Isabel, o velhaco (perdão!), o antigo amante vem postar-se ele mesmo diante da casa, para espionar. E não vem só. Antes, está muitíssimo mal acompanhado.

— Meu caro Dráusio deseja externar alguma opinião própria?

— Não, Mestre. Apenas acho que, se deflagrar uma arruaça, estaremos em bem menor número e precisaremos de ajuda imediata.

— Venham até aqui, ao meu escritório de trabalho.

Nunca haviam penetrado na sagrada oficina. Pensavam que contivesse pequena biblioteca de discos compactos, aparelho conjugado de vídeo, computador e monitor, mesa e cadeiras. Possuía, sim, aparelho de televisão acoplado a computador, mas de última geração. Quando cursaram as aulas de Desintoxicação Mental, trabalharam com essa espécie de instrumentos, que lhes possibilitavam recontar as lembranças arquivadas no Centro da Memória, pertencente ao Ministério do Auxílio. Quando precisaram ler as obras, recorreram também aos monitores de televisão, onde, como num vídeo comum, puderam contemplar muitas das cenas imaginadas pelos próprios autores. Mas aquele aparato era muito mais complexo, com tantas luzes pisca-piscando e tantas legendas incompreensíveis.

— Não pensem que minha sabedoria seja condizente com os recursos de que disponho. Se fosse mais adiantado, faria todas as viagens astrais em segundos e consultaria diretamente os centros de informação do Ministério da Luz Divina. Estes aparelhos servem apenas para observação a distância. São alimentados pela energia comum da colônia, a mesma que nos dá a luz artificial e nos purifica a água. O mais importante é que se consegue, através deles, situar mais de duzentas mil criaturas com um mesmo programa, segundo os códigos pessoais de vibração mental. Vamos ver onde se encontra Orivaldo.

Dito isso, digitou, em teclado simples, o nome da criança e, ato contínuo, apareceu na tela o quarto do hospital. José explicou:

— Temos a possibilidade de recriar o ambiente, conforme a visão das pessoas, de modo que tudo se ajusta na memória do computador, para nos dar o sentido panorâmico. A mente da criança está captando, através dos sentidos, a presença de outras pessoas. Essas pessoas são descritas facilmente por nomes, por imagens, por odores e assim por diante. Sendo pessoas conhecidas, o computador projeta na tela suas figuras, movimentando-as segundo as impressões conscientes do observador designado por mim. Nós temos a exata idéia de todos os movimentos, porque a máquina dá continuidade aos sinais que recebe. Sendo assim, o que estamos vendo é uma cena atrasada de dois milésimos de segundo da realidade. Vejam como o quarto está desaparecendo de foco. É que o nosso amiguinho está começando a adormecer.

A Alfredo parecia invasão de privacidade e disse-o claramente:

— Se todas as pessoas puderem ser analisadas a contar dos elementos que os cérebros emitem, ninguém poderá vangloriar-se de fazer algo sozinho.

— Não se esqueça de que as pessoas podem esconder-se, se procuradas. Para isso, existem cavernas, tocas, valhacoutos, cativeiros... Ficarem totalmente invisíveis é que é impossível. No etéreo, existem seres cujas presenças nenhum dos nossos serviços de revelação cósmica localiza. São indivíduos que ultrapassaram os limites destas rústicas esferas e se situam em campos vibratórios cuja existência apenas intuímos. Os que se encontram em débito para com a divina criação, endividados quanto à sociedade, grosseiros nas manifestações existenciais, não poderão argüir-nos de ferir-lhes os direitos, principalmente porque a utilização das informações obtidas propende unicamente a lhes oferecer recursos para melhorarem o desempenho cármico. Se estes instrumentos caíssem em mãos malignas e se não contivessem códigos de segurança quanto ao nível moral de quem vai empregá-los, por certo ofereceriam perigo imenso para as criaturas visadas pelos obsessores. Há alguém dentre nós que almeje prejudicar Orivaldo e Raimunda, ou qualquer outra pessoa, encarnada ou não?

A pergunta era capciosa pois José tinha conhecimento íntimo das necessidades e vicissitudes de todos os discípulos. Ademais, diariamente, se fazia a medição dos batimentos do coração de cada um, antes de partirem para o serviço socorrista. A máquina estava regulada para captar o mínimo desvio do temperamento habitual e avisava quando o trabalhador deveria reciclar as emoções. Era a garantia dos mestres e orientadores, os quais não podiam confiar em critérios subjetivos de observação. Desde que se inventara o processo mecânico, nunca mais houve a necessidade de substituição do socorrista em plena atividade.

Essas noções foram transmitidas telepaticamente aos dois discípulos, como reforço ao que anteriormente lhes dissera.

Dráusio queria vigiar Isabel e pediu para que José a localizasse.

Dormia a sono solto.

E Mário?

Encontrava-se dormindo, mas estava em conferência, no etéreo, com os protetores familiares.

— Querem ouvir a conversa?

Era evidente a curiosidade de ambos, mas Dráusio quis demonstrar prudência:

— Sei que foi chamada a atenção desses benfeitores afetivos, já que o padrão de conhecimentos oferecia percalços na área da proteção moral. Se estiverem dando notícia de que se afastarão, por exemplo, para freqüentarem algum curso...

José interrompeu:

— Vamos ouvir logo o que estão combinando.

Falava Mário:

— Não estou de acordo com que alguns chefes do tráfico de drogas determinem o que os pobres mortais desarmados devam ou não fazer. São tiranos perversos, piores que tudo o que já conheci. Acho que nem os escravos, em todos os tempos, sofreram tanto, sem liberdade para nada. De que adianta viverem, se devem respeitar o toque de recolher, se não podem convidar pessoas de fora para suas festas ou reuniões, nem escrever cartas sigilosas, nem telefonar livres de escuta, se necessitam pagar altas taxas para poderem mudar, se têm de deixar o dízimo nas cancelas, em troca de fictícia proteção...

Iria bem mais longe, se não fosse interrompido. Conversava com ele um avoengo que desejava manter a família unida em torno dos ideais espiritualistas, sem discernir, contudo, a melhor maneira de resolver o impasse criado pela vontade de Leandro.



— Que terá acontecido, para pôr o médico tão arreliado? — Quis saber Alfredo.

José estava bem a par do que acontecera. Ligou o aparelho na freqüência de Leandro mas não quis localizar a posição atual. Voltou para ações anteriores, como quem rebobinasse a fita, até que localizou o telefonema esclarecedor.



— Quero falar com o Doutor Mário.

Joana argumentou que estava dormindo. Deixasse recado.

— Acorda o homem e fala pra ele atender já.

Na tela, a fisionomia de Leandro aparecia totalmente transtornada. Não vestia máscara alguma.

— Pronto!

— É o médico em pessoa?

— Ele mesmo.

— Fizeste muito mal em permitir que Isabel saísse esta noite.

— Ninguém me recomendou...

— Pois estou te dizendo agora. Para onde ela for, irás junto. E fim. Sabes onde ela esteve a noite toda?

— Saiu com o namorado.

— Foi à macumba.

— Talvez...

— Não tem talvez. O responsável por ela é o Doutor. Quer ela namorar? Tudo bem. No portão. Nem dentro de casa não pode mais.

— Está bem. Mais alguma coisa?

— Não te atrevas a me desafiar que eu te mostro quem manda no pedaço.

— Não me atrevo a nada. Estou até agradecido...

— Agradecido “porra” nenhuma! Estás todo borrado.

E bateu o fone.



Alfredo estava simplesmente embasbacado. Nunca ouvira falar em tamanha prepotência. Como livrar o pobre médico das garras...

Não chegou a concluir o pensamento. José interveio:

— Vamos orar para que a Divina Providência nos ilumine e envie mensageiros com poderes para interromper a série de vibrações negativas que o médico e demais habitantes adultos da casa estão lançando contra o desafeto. Dessa maneira, os irmãos que nos assistem de mais alto poderão inspirar-nos.

Enquanto oravam em favor dos mortais, reviviam cenas de suas existências em que exerceram o domínio sobre outras entidades, seja encarnados, seja como espíritos no Umbral e nas Trevas.

“... livrai-nos do mal, porque vosso é o reino, o poder e a glória para sempre. Assim seja.”

Acordaram do enlevo plenamente cônscios de que haviam superado tais dificuldades. Leandro também mereceria do Pai a mesma misericórdia.

— Não querem apresentar-se ao espírito do Doutor, para lhe dar um pouco mais de tranqüilidade, neste momento de tão grande excitação e revolta?



Enquanto os dois volitavam até a casa do médico, José entrava em contato mediúnico de inspiração com seus orientadores. Queriam passar-lhe os próximos passos relativos às atividades junto aos encarnados. E não eram poucos os alunos em trabalho de assistência na crosta. Serenamente, o mentor ouviu os planos e a recomendação de não interferir nas atividades dos discípulos, mesmo que impacientes e desesperançados. Como sempre, velavam, em nome de Jesus.



De manhã, Mário acordaria furioso. Relatara a conversa telefônica a Marlene, mas não foram capazes de retransmitir o recado a Isabel.

— Vou conversar com meu confessor. Sei que você não acredita, mas Nossa Senhora poderá nos ajudar.

— Nesta altura dos acontecimentos, não acredito nem desacredito. Até sonhei que estava num local muito bem iluminado, conversando com anjos de muita paz, que me recomendavam paciência, discernimento, coragem, prudência. Eis como reage a consciência perante o medo. Sabendo que estamos correndo grandes perigos, inventa uma história para refrear o meu desejo de delatar tudo o que sei diretamente à Justiça. Não é possível que estejamos cercados por esses bandidos, sem capacidade de reação.

— Não adianta revoltar-se. Se eles quiserem, fazem desaparecer para sempre as crianças. Você sabe demais, tantas vezes subiste o morro para operar e extrair...

— Fica quieta. Isso ninguém pode ouvir. Joana faz tempo que anda desconfiada dos chamados noturnos. Ainda bem que cuido do pronto-socorro.

— Se o Padre Damião não me disser o que devemos fazer, aí vamos pensar em algo definitivo. Esta vida que estamos vivendo, eu não desejo nem pra cachorro. O Joãozinho voltou a fazer xixi na cama e os outros dois só vão à escola se eu fico lá o tempo todo. Ainda bem que temos a Isabel, que é paciente e que brinca com eles como verdadeira criança.

— Como será que vai reagir às ordens do...

— Vou perguntar se pretende sair. Se for ficar em casa, vou pedir que deixe o Baltazar no portão. Se for preciso, me entendo com ela. Você pode ficar em paz no hospital. Quando voltares amanhã à noite, eu conto o que o padre aconselhou.



De fato, o trabalho do médico impediu-o de pensar em outra coisa, tantas foram as suturas, extrações de projéteis e demais remendos que precisou fazer durante o fim de semana.

Quando chegou a casa, vinha exausto.

Marlene, com os olhos vermelhos e as pálpebras inchadas, queria falar com ele a sós.

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