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Erotico-->19. PRIMEIROS ENSINAMENTOS -- 20/09/2002 - 06:35 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não se poderia dizer que Isabel fosse totalmente ignorante dos serviços espirituais que se prestam nos terreiros da Umbanda. Sabia que eram oferecidas proteções em troca de oferendas, como os católicos fazem promessas aos santos, no interesse de alcançarem ao que chamam graça. Isso é do conhecimento de todos. Onde Isabel ia mais longe era em acreditar piamente nas forças do outro mundo, supersticiosamente. Não se apresentara ainda a nenhuma religião, porque tinha medo de ser criticada, uma vez que a profissão mais antiga do mundo também é a mais desprezada e vilipendiada. Ouvira falar em pecado mortal e julgava que, se não se convertesse para nenhuma religião, estaria isenta da prestação de contas, como se as divindades regessem a vida e a morte apenas dos fiéis.

Sendo assim, vestiu-se de branco, para não provocar as iras dos espíritos ou dos orixás e exus, nomes esses que Baltazar lhe vinha ensinando há algum tempo. No carro, conversaram sobre os trabalhos que ela veria. Especialmente, o namorado estava interessado em preveni-la para não falar nada, a menos que lhe fosse perguntado. Como o “Centro Espírita” não era longe, pouco tempo tiveram para as explicações.

O prédio era modestíssimo. Um verdadeiro casebre, de pintura descorada e descamada, em amarelinho pálido, sujo das goteiras e das marcas dos pés nas paredes. Ao lado, um portãozinho dava para terreno plantado, onde as espadas-de-são-jorge se destacavam. Foi por ali que entraram.

Para o quintal, o prédio abria várias portas, na primeira das quais se situavam duas pessoas.

— Boa noite.

— Boa noite, Baltazar.

— Quero apresentar minha noiva Isabel.

Ela não sabia do compromisso, mas não quis desmenti-lo:

— Prazer.

— Prazer. Prado.

— Prazer. Ofélia.

— Eles são casados. Conheceram-se aqui mesmo.

— Vão entrando. Tem mais gente chegando.

O salão estava muito limpo e os bancos arrumados em fileiras, como se fossem presenciar um espetáculo. A luz não era forte mas dava para notar que as pessoas se trajavam normalmente. Havia crianças mas não nenês. O mais novinho devia ter uns seis anos. Isabel se lembrou do filho. “Se os espíritos têm força, irão curar o meu pequeno” — ousou pedir, sem prece.

Por detrás de cortinado de parede a parede, três degraus mais acima, dava para vislumbrar diversos vultos movimentando-se em ambiente mais escuro, iluminado por velas, cujas chamas distinguia nitidamente. Via também, bem no fundo, estrado ou altar, sobre o qual mal enxergava algumas imagens. Ia perguntar a Baltazar, mas este lhe indicou que iria sair. Ficasse onde estava.

Sentadinha no banco, foi observando que outras pessoas se acomodavam, silenciosas, como em um santuário. Ninguém estava de branco. Achou que o local era reservado para o público leigo, não iniciado nos mistérios do culto.

Baltazar deu a volta por fora, cumprimentando alegremente contido aos irmãos e irmãs que ia encontrando, devidamente trocados, envergando roupas brancas.; os homens, calças e camisas simples.; as mulheres, vestidos de renda, com muitas saias. Todos com faixas azuis na cintura.

Em cinco minutos, Baltazar fazia companhia aos demais, com os mesmos trajes. Quando contaram cinco homens e cinco mulheres, fizeram roda, cabeças baixas, e um puxou singela prece a meia voz, solicitando dos guias permissão para adentrarem o recinto sagrado, onde se encontravam os pertences do orixá padroeiro do “Centro Espírita Irmão Barnabé de Rezende”, conforme se lia na placa lá de fora, onde constava a data de fundação e a expressão “Terreiro de Cura Espiritual da Nação Nagô”.

Quando se abriram as cortinas, Isabel já se interessara por diversas atividades ocultas ao público. Ouviu cantos e os atabaques começaram a ressoar vibrantes, quase ensurdecedores. Sentiu forte cheiro de incenso. Ficou um pouco zonza, como se o barulho e o odor a perturbassem. Notou que o altar se conservava atrás de um segundo cortinado, mais leve mas ainda impenetrável, porque a luminosidade interna era tênue.

Depois de canto bastante rústico, onde as palavras lhe pareceram confusas, tendo reconhecido que pediam amparo e conforto para as pessoas presentes, fez-se silêncio absoluto.

Um senhor de mais idade, vestido como os demais, dirigiu-se ao público, enfatizando a necessidade de concentração no ato religioso que iriam observar. Os que tivessem pedidos para fazer deveriam aguardar o momento certo, pois seriam chamados. Se ficassem em fila do lado direito, na hora certa, facilitariam o atendimento.

— Não peçam nada que possa prejudicar a alguém. As divindades não gostam de quem deseje o mal. Elas são boas e caridosas. Trazem saúde, amor e, muitas vezes, a fortuna, mas também colocam os maus em situação ainda pior. Pensem muito os que têm inimigos, os que têm chefes ou patroas incompreensíveis, as que têm o marido infiel e os que têm a mulher preguiçosa. Se pedirem para que sofram, mesmo que não alcancem o que pretendem, vocês mesmos vão sofrer mais ainda. Peçam para que Deus ajude a todo mundo, porque vocês serão incluídos. Muito respeito pelas entidades que vão baixar nos médiuns. Quem nunca viu uma sessão de ajuda deve rezar as orações que souber, principalmente o pai-nosso. Mas não pensem que vão ver sair claridade das imagens nem foguinhos voando pela sala. Se alguém tiver a visão do terceiro olho, ou melhor, se alguém for capaz de ver o plano da espiritualidade, vai poder enxergar os espíritos. Mas são poucas as pessoas que vêem. Portanto, não esperem nada. Se alguém entrar em transe, os que estiverem do lado devem chamar o guarda que vai ficar na passagem. Isso acontece muitas vezes. Não vão ficar apavorados. São os guias que querem ajudar o desenvolvimento dessas pessoas. Se alguém perceber que vai perder os sentidos, ajoelhe-se, para não cair e machucar a cabeça.

O povo ouvia muito atento. Isabel achava tudo muito estranho mas não sentia medo de nada. “O que for para acontecer, vai acontecer, uma hora ou outra. Tudo na vida tem a sua primeira vez.” Estaria querendo incorporar alguma entidade? Com certeza, para provar que era alguém a si mesma. Que o papel de barregã da vida inteira estava sendo questionado pela vida reta da patroa e, mais ainda, pelas observações severas de Joana. “Quem sabe estará aqui a fé que deverei seguir até a velhice...”

Quando os atabaques voltaram a soar, os médiuns começaram a evoluir em círculo, cantando pontos cujas letras misturavam certas palavras conhecidas com outras de outra língua. Não estava entendendo nada. Os volteios dos dançarinos iam tornando-se mais velozes. De repente, uma negra gorda se pôs a balançar os ombros, como se não pudesse controlar os movimentos. Isabel achou que estava tomada por algum espírito. Outros médiuns, Baltazar entre eles, também foram incorporando entidades, de forma que dentro de pouco tempo o local reservado a eles estava em verdadeiro frenesi de corpos em desgraciosa agitação. Foi só aí que Isabel percebeu que o senhor mais velho estava sentado em uma cadeira no fundo. Fumava cachimbo, cuja fumaça começava a invadir o ambiente. Vários médiuns também acenderam charutos.

Sem saber o motivo, Isabel se sentiu transportada para o meio da algazarra. Agarrou firmemente a beirada do banco e rezou um pai-nosso, que era a prece que melhor sabia. Daí por diante, perdeu a noção do que se passava na sessão. Viu quando as pessoas subiram e foram recebidas pela divindade incorporada pelo principal pai de santo. Viu também que desceram. Os atabaques bateram bem mais forte e os cantos começaram a fazer zumbir o seu ouvido. De repente, Baltazar estava estendendo a mão para que viesse com ele. Automaticamente, atendeu. Antes de adentrar o círculo dos médiuns, teve de tirar os sapatos e as diversas quinquilharias com que se enfeitara. O odor ali era mais intenso. O perfume das pessoas se acrescentava ao acre cheiro do suor, tudo de mistura com o incenso e a fumaça dos charutos. A última coisa que Isabel identificou foi o aroma tépido da aguardente.

— Nhã Zunfia deve ficar calma.

Isabel não estava com medo mas tremia. Não sabia o que falar. Ainda bem que Baltazar avisara para que não dissesse nada.

— Nhã Zunfia tem mediunidade mas tem pensamento muito ruim. Precisa purificação. Futuro de Zunfia cheio de trabalheira. Zunfia tem de cumprir obrigação. Protetor quer ver Zunfia bem. Mas Zunfia deve voltar outras vezes. Namorado de Zunfia, muito apaixonado. Zunfia deve esquecer o outro. Vai esquecer a maldade “tumbein”. Muitas entidades cercam Zunfia, puxando para tudo que é lado. Zunfia, aqui no Centro, livre de encosto.

Isabel estava a ponto de desmaiar. Baltazar a levou de volta para o banco, onde ficou em estado de êxtase até que se fez silêncio. Não pensara em nada e se lembrava de tudo. A vida correra pela mente, em pedaços que se uniam e se desfaziam, para ligar-se com outros acontecimentos mais adiante. Havia lacunas de tempo incompreensíveis. Era como se se prendesse a uma corrente de fatos principais, onde as coisas adquiriam maior ou menor importância, quanto mais perto se encontravam dessa cadeia. Em seu pensamento, estava perfeitamente lúcida, como se compreendesse a verdade de tudo. Adquirira o poder de esquadrinhar a consciência e avaliara a palavra do orientador espiritual que mais a afetara, a da “maldade”, a do “pensamento ruim”. E assimilara para sempre a verdade da presença do ser da espiritualidade assistindo os encarnados, por meio de um trabalhador humano.



No caminho de volta, Baltazar não lhe perguntou nada.

— Conversaremos amanhã. Deves estar espantada, sem saber o que pensar.

— Ao contrário. Estou bem. Sinto como se me tivessem tirado um peso das costas. Ou melhor. Sinto como se carregasse um fardo que posso deixar cair no chão a hora que quiser.

Baltazar, que não lograra ouvir a conversa com o babalaô, ficou sem entender. Mas Isabel achou que era melhor deixar para depois a revelação das idéias.

Despediram-se com simples beijo e Isabel entrou, sem notar que olhos na escuridão a observavam.

Naquela noite, dormiu muito bem e sonhou com seres estranhos, que lhe diziam coisas, como “melhorar, felicidade, sacrifício”. Via-se correndo e sendo alcançada. Quando pensava que ia ser esbofeteada, era acarinhada no rosto e as lágrimas eram enxutas por lenços de linho muito alvos, bordados com motivos de flores, estrelas e corações. Tinha a impressão de ter conversado com pessoas conhecidas, mas eram palavras duras, acusações terríveis. Sentia-se transportada para a zona, mas os homens não a queriam. Via-se rejeitada. Impunha a vontade e a mente induzia que eram apenas sonhos. Fazia promessas de relembrar as peripécias. Quando acordou, tinha esquecido quase tudo. Ficaram-lhe as impressões mais gerais.

Quando quis contar o sonho a Joana, teve de ouvir:

— Quem procura acha. Quem mandou ir ao terreiro? Os espíritos nunca estão satisfeitos. Querem sempre mais, até que tornam a pessoa louca. É muito mais garantido ir rezar na igreja, onde os padres nos ouvem e nos perdoam, em nome de Deus. E onde Jesus nos ampara e a Virgem nos consola.

Como percebera Marlene, Isabel era “ladina”. Notou que Joana admitia a existência das forças espirituais, tais quais as sentira na cerimônia religiosa, e que lhes devotava muito medo. E calou-se, a ver aonde iam as revelações. Baltazar bem que a avisara. Agora, era ficar de sobreaviso quanto à reação de Marlene. Durante o dia todo, contudo, ninguém mais fez referência sobre a visita aos guias. Teria Joana esquecido de fazer o relatório habitual? Ou estariam os patrões aceitando, pacificamente, a conversão ao espiritismo?



Dráusio e Alfredo se regozijavam com a linha de preocupações da mocinha. Parecia que regredira ao tempo da adolescência, idade mais compatível com o que se poderia esperar dela em ambiente de confraternização entre os planos terreno e etéreo. De qualquer maneira, os objetivos pareciam começar a concretizar-se. Mas inquietavam-se, porque se surpreenderam com Leandro a espreitar a antiga amante, na companhia de diversos comparsas encarnados e de tremenda leva de espíritos obsessores. Tivesse o rufião manifestado interesse em levar a desgraça de imediato à coitada e teria havido entrevero desproporcional para o lado dos dois. Precisavam antecipar essas espias, para a preparação da defesa. Para isso, teriam de consultar José.

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