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Erotico-->16. LEANDRO SE AGITA -- 17/09/2002 - 07:46 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Por que Raimunda não fora, desde logo, colocada fora de circulação? Haveria, no coração do bandido, requintes de perversidade, de molde a dar à pobre velha fim de sofrimentos e dores? Ao invés disso, instalou-a em casa mais confortável, transferindo para lá todos os badulaques aproveitáveis, quadros e imagens de santos, pondo-lhe à disposição, inclusive, duas mulheres, para todo o serviço.

Quando lá esteve, durante a noite, determinou que todas as luzes se apagassem e, escondido pelo capuz de motoqueiro, pôs muito medo no coração da mulher.

— Você sabe que quase mataste a criança?

— Eu não atirei nele.

— Não se faça de ingênua. Quantas vezes levaste o menino ao médico?

— Umas três ou quatro.

— Mentira!

— É verdade. Levei no posto de saúde.

— Onde está a ficha dele?

— Guardada na cômoda.

— Vai buscar.

Raimunda foi atrás da papelada que punha numa bolsa velha. Retirou um papel amarelecido. Era, realmente, documento do posto de saúde do bairro.

— Aqui está dizendo que a consulta era para quase cinco anos atrás.

Raimunda não se dava por vencida:

— Eu levei o Orivaldo. Eles é que não marcaram nada.

— Escuta aqui, Dona Raimunda. Vai engrupir a mãe. Não me custa nada dar uma porrada nessa cabeça oca. Não levaste o menino nenhuma vez e está dito tudo. Não preciso de tuas mentiras. Ele está internado e não por causa da bala dos meganhas. Está muito doente. Vou te deixar presa aqui, com tudo do bom e do melhor. Mas se pensares em sair, morres na esquina. Estou sendo claro?

As ameaças puseram tremores nos joelhos da coitada. Não tinha voz para responder.

— Estou sendo claro?

— Está — balbuciou, num sumiço de voz, amaldiçoando a hora em que cismou de criar o menino.



Depois desse dia, nunca mais se encontraram. Quando Mário mostrou a foto de Isabel, Raimunda se sentiu no dever de revelar o que sabia. Mas como fazer, se estava no hospital, em companhia do fedelho?

Por essa época, o médico parou de circular por lá, o que despertou Raimunda para a possibilidade de sair, de volta para casa. A energúmena (como diria Leandro) pensava que era o Doutor quem a vigiava. Queria avisar as carcereiras de que estava precisando conversar com o do capuz.

Nem deu três passos fora do hospital, foi abordada por um homem bem vestido:

— Onde pensas que vais?

Desconfiou da personagem. Sabia que não podia dar bandeira. Disfarçou:

— Queria buscar umas coisas em casa.

— É só falar do que se trata, mando pegar.

— É assunto com as moças...

— Podes falar comigo, criatura. Não vês que é tudo igual?

Raimunda criou coragem:

— Tenho uma coisa muito importante para falar com o teu chefe.

— O que pode ser tão importante que te arriscas a levar chumbo aqui mesmo?

Raimunda avaliou que não poderia ser evasiva:

— É sobre a mãe de Orivaldo.

— Podes falar comigo mesmo.

— Eu acho que sei onde pode ser encontrada.

— Diz logo!

Aí, Raimunda contou sem floreios que o Doutor Mário lhe havia mostrado uma fotografia de Isabel.

— Isso é tudo?

— Me pareceu importante.

— Nós é que decidimos. Volta pra dentro.



O resultado da conversa causou muito mal-estar ao traficante. Pelo telefone, prometer assassinar Isabel era uma coisa. Deixar o filho órfão de vez era outra. É verdade que a criança não se lembraria da mãe. Mas os apelos do doentinho em alucinação da febre lhe haviam calado n’alma. Por que não chamara pelo pai? Tantos brinquedos lhe dera. Tantas horas de gostoso esquecimento haviam passado juntos.

Intrigou o desassossegado traficante o fato de Mário, que tanta confiança lhe transmitira nos desvelados cuidados para com o filho, estar sendo envolvido. Pareceu-lhe claro que Isabel estava aproximando-se dele para seqüestrar a criança. Torcia as mãos, como a demonstrar que o ódio reacendia e a raiva mal se controlava.

Mandou chamar o médico. Informaram que havia viajado com a família.

— Quem acompanhou o Doutor?

Levantou a mão um dos subalternos.

— Para onde foi?

— Rio Grande do Norte.

— Quando?

— Faz três semanas.

— Quem foi com ele?

— A mulher, os filhos e as duas empregadas.

— Quero o “dossier” desse médico.

Um outro indivíduo, espécie de guarda-livros, acionou o computador e, em dois minutos, tinha os dados na tela. Mais um minuto e estava impresso o extrato das informações a respeito das atividades do facultativo. Era longa a descrição de todos os serviços prestados à organização criminosa, desde a primeira vez que subira ao morro. Não se perdia data, cifra ou paciente, inclusive os do hospital, que se contavam aos milhares, muitos assinalados com cruzes, outros com estrelas, outros com pequenos círculos, conforme as legendas que se imprimiram junto.

— Consta aqui o falecimento de um tal de Pedro, zelador e faxineiro, marido de Joana, serviços gerais. Não se encontra a segunda empregada.

— Foi contratada uns dois meses atrás.

— E por que não está atualizado o fichário?

— Foi na época em que tivemos de acompanhar o médico o tempo todo. Código vermelho.

— E isso não foi visto como fato importante, digno de registro?

— Eu assumo a responsabilidade. A mocinha não me pareceu interessada...

— Como se chama?

— Isabel.

Leandro uniu as pontas do mistério. Mário tinha fugido com ela para o Nordeste. Mas não quis precipitar conclusões. A foto mostrada a Raimunda confirmava que ele tinha conhecimento de quem se tratava.

— Assinale na ficha: Isabel, meretriz, mãe de Leandro, vive na casa, passa por empregada. Coloque a data. Anote: Código vermelho. Observe: A família sabe de quem se trata. Quero as anotações também na folha da sem-vergonha.

E, para o ajudante faltoso:

— Se isto aqui fosse colégio de padres, irias perder todos os méritos. Era a pessoa mais perigosa para a segurança do meu filho.

Os três subalternos mediram o risco de perderem o emprego e a vida. Sabiam que as falhas não se perdoavam. Ficariam atentos, pois sabiam demais. Entretanto, Leandro os tranqüilizou:

— O que salvou vocês foi que o pequeno está bem guardado no hospital, onde suas doenças o mantêm. Silvano!

Era o lugar-tenente que ficara calado até aquele momento.

— Pronto!

— Vais viajar. Localiza a família e vigia. Quero fotografias. Avisa quando forem voltar. Leva mais dois. Se desconfiares de que estão sendo notados, contrata uma agência de detetives. Todo dia, eu quero um relatório. Estou sendo claro?

— Perfeitamente.



As fotos confirmaram que se tratava mesmo de Isabel.

A primeira informação de que havia saído com um homem, deixou Leandro pensativo. Tinha sido completamente esquecido pela negrinha. Não tinha idéia de onde estivera depois que o largara. Imaginava que tinha voltado para a anterior profissão. Quis saber se o sujeito havia pago a transa. O informante assegurou que sim. Viu quando lhe passou o dinheiro, na volta, em frente do hotel. Era, com certeza, alguém de posses, com carro importado e tudo. Leandro cismava. Não tinha certeza de que o desaparecimento da mãe pudesse repercutir no menino. Se lhe perguntasse por ela, diria que morreu no parto. Nada mais simples. Aí lhe ocorreu que Raimunda pudesse ter contado a verdade. E o Doutor também. O seu plano poderia...

Eis o teor das preocupações do traficante. Isso quando ia dormir e fazia de propósito estimular o rancor contra a infeliz. Dormia insatisfeito consigo mesmo. Era tão minucioso nos negócios. Adquirira a confiança dos maiores. Nunca “dera xabu”. As rendas iam muito bem. A fachada do restaurante dava livre curso às aquisições das moradias. Imaginava que precisava estabelecer-se na indústria, para justificar a mansão e o iate que tinha em mira. Às vezes, se recordava do apartamento do subúrbio em que mantivera Isabel. Quanta pobreza! E dizer que a queria no morro. Agora daria a ela o apartamento e mais um carro e outras coisas. E ela estaria com Leandro, sadio...

Pensava nos homens que freqüentavam os relatórios dos informantes. Cheirava pequena quantidade de cocaína, ligava para uma das amiguinhas e desafogava as impressões subjetivas através das fantasias sexuais, em noites de luxúria. De manhã, acordava zonzo, como se tivesse perseguido fantasmas, em pesadelos de horror. Mentia para si mesmo, prometendo deixar o vício que iria estragar a boa vida que construíra. Ao meio-dia, refeito e lúcido, reiniciava os contatos com a organização. O seu pequeno departamento estava entregue a mãos bastante hábeis e prestimosas. Nesse aspecto, era só deixar correr o barco da fortuna. Os tolos que se drogassem até a morte. Ele iria parar...

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