Usina de Letras
Usina de Letras
13 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->13. A REUNIÃO -- 14/09/2002 - 09:18 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

No etéreo, travava-se interessante contenda.

Enquanto Isabel tinha ficado isolada, as forças antagônicas dos protetores e obsessores não se mediram. Quando, porém, a moça se dirigiu ao prédio principal, Dráusio e Alfredo não acharam justo que fossem impedidos de adentrar com ela o recinto familiar.

Apelaram para o mentor José mas receberam a notícia telepática de que deveriam resolver por si o impasse. Questionassem os opositores. Contatassem os protetores dos residentes na casa. O amparo ao médico não deveria ser feito apenas pelos obsessores dos traficantes.

— Vamos forçar a entrada, para ver qual será a reação.

— Oremos um pai-nosso pelos guardas.

Nem tinham iniciado a prece e se viram perante os dois do turno da noite.

— Que querem aqui?

— Viemos em paz, dar recursos energético-fluídicos à nossa amiga.

— Vão ficar do lado de fora.

— Por quê? Vocês estão planejando obstar que ela conte a verdade?

— Que verdade?

— Sem nossa interferência, ela poderá calar-se e o Doutor Mário se verá, possivelmente, em dificuldades.

Dráusio não mentia, mas escondia que o perigo viria exatamente de quem enviara os dois para a proteção.

— Se prometerem impedi-la de cometer algum ato que perturbe o médico, iremos deixá-los passar.

As expressões do espírito atrasado não se traduziram literalmente pelo entendimento de Alfredo e de Dráusio. Interpretavam eles, segundo sua própria expressão lingüística.

— Se vocês nos conhecessem melhor, saberiam que não precisamos prometer nada para exercer o socorrismo a quem sofre, a quem está mergulhado na maldade, a quem...

— Não vão querer ser espertinhos. Fiquem nas suas e nos deixem nas nossas.

Quando tiveram acesso ao interior da casa, viram que havia diversos elementos do corpo de proteção familiar dos moradores. Foram recebidos com alegria e desafogo. Também estavam sofrendo restrições quanto à locomoção para o hospital, no acompanhamento de Mário.

— Graças a Deus! Vamos poder unir as forças para enfrentar os malvados. Sejam bem-vindos!

— Que a paz do Senhor esteja conosco!

— Amém, Jesus!

— Como estão o Doutor e esposa?

— Estão ótimos. Um pouco apreensivos, naturalmente, por conhecerem o risco de enfrentarem o pai de Orivaldo.

— Vamos formar cadeia de força para impedir que os amigos curiosos ouçam a palestra elucidativa, porque a jovem está decidida a falar a verdade.

Tomados de surpresa, os representantes do Umbral não puderam fazer nada para impedir que se formasse espessa muralha magnética, através da qual não conseguiriam passar. Ao intentarem chamar outros companheiros, viram-se envolvidos por forte cordame vibratório, ao mesmo tempo em que eram sedados, para que não acrescentassem mais um malfeito ao rol dos que deveriam resgatar.



Mário estava no consultório, sentado atrás da larga mesa, onde atendia às reclamações dos pacientes. Marlene entrou com Isabel e indicou-lhe uma poltrona, tendo ocupado outra ao seu lado, arrastando um pouco para poder ver-lhe as reações fisionômicas.

Mário praticamente interpelou os sentimentos da jovem:

— Para uma mãe que deseja reaver o filho, Isabel, te interessas pouco pela saúde do menino.

— Não quis aborrecer. Sei que está em boas mãos. Se quiseres dizer como tem passado, ficarei satisfeita.

— Ele não está nada bem. Aposto que nem sabes como era tratado no morro.

— Infelizmente, não sei mesmo.

— Pois o quadro geral é muito ruim. Doenças no pulmão, na pele, no sangue, nos intestinos, além do tiro que perfurou uma veia na perna. Se viver, será puro milagre.

— Mas o senhor tem feito o possível...

— Faço o que posso... — lembrava-se do auxílio externo e sentia cócegas na língua para revelar o segredo.

— Eu pensava que era só livrar do perigo do tiro que estaria salvo.

Marlene impacientava-se porque Mário não ia direto ao ponto:

— Podes acreditar que Mário irá fazer tudo para salvá-lo. Está em muito boas mãos. Se acreditas em Deus, reza muito por ele...

— Eu vou à missa de vez em quando.

Mentia. Dráusio sabia que só acompanhava uma ou outra vez alguma amiga, para cerimônias de batismo ou encomendação de corpos. Rezar não rezava, a não ser com a intenção de pedir pelo filho ausente, misturando rogos de desgraça para Leandro. Era inconsciente e inconseqüente, em matéria de religião. Para os engazopadores do etéreo, um prato cheio.

— Pois, terás de ir todo domingo, para acompanhar as crianças. Joana está cansada e eu não dou conta dos três.

Omitia que Mário também não rezava, por fé materialista dos tempos universitários.

— Irei com satisfação.

Marlene queria adiantar-se ao marido. Insistiu:

— Você viu a tua patroa, ontem?

— Não. Eu não fui lá.

— E como conseguiste pegar as roupas?

— Eu não dormia no emprego. Ia e voltava para o morro a pé. Não ficava longe.

Aí foi a vez de Mário impacientar-se:

— Vamos parar com a farsa. Ninguém acredita aqui que você era doméstica. Temos provas de que o que estou falando é a pura verdade. Se você não sabe, realmente, quem é o teu amante, eu sei muito bem. Mas só vou dizer, se você contar tintim por tintim o que fazes na vida.

Isabel escondeu o rosto nas mãos. Não estava alterada nem o coração batia mais apressado. Só ganhava tempo.

Marlene quis amenizar o choque:

— Se nos provares que é a mãe do menino baleado, iremos ver que estás com boa intenção. O que não podemos é correr o risco de trazer uma ladra para dentro de casa.

Mário acrescentou:

— E você não tem nem idéia do motivo disso.

Isabel procurou no bolso a certidão de nascimento do filho.

— O nome não é Orivaldo. É Leandro, como o do pai.

— Mas aqui não consta o nome do pai.

— É que ele não quis declarar.

Mário pensou que fazia sentido.

— A idade é a da criança, aproximadamente. A cor corresponde. O pai é branco?

— É moreno claro.

Marlene não perdia de vista o objetivo da reunião:

— Que fazias para viver?

Isabel falou firme:

— Era garota de programa.

O casal se entreolhou significativamente. Mário sabia que a confissão exigia sacrifício, uma vez que os preconceitos sociais recomendariam que a despedissem. Condoeu-se da jovem. Marlene regozijava-se por haver desconfiado certo, que ela não poderia estar tão bem tratada com o salário de doméstica. Precisaria adquirir muita confiança para manter a meretriz cuidando das crianças. É certo que o dinheiro do marido não dava para governanta alemã, mas daí a trabalhar com pessoa experiente com os homens... Havia o perigo de sedução... Perdia-se em divagações sensuais. Mário não poderia deixar-se envolver pela juventude dissipada da prostituta. Estava decidido. Iria pedir que fosse embora.

Foi Mário quem reabriu a conversação:

— Você há de entender que mentiu para nós.

— Mas eu não podia dizer a verdade. Eu queria o emprego no hospital. Eu não pedi para vir trabalhar aqui. Vocês é que acharam...

Marlene não quis que a outra prevalecesse:

— Estás muito certa. Foste convidada. Mas não disseste a verdade. Foi com base em tuas informações que te consideramos como da casa, tanto que ocupaste um lugar na mesa...

— Para ajudar o Joãozinho...

— De qualquer modo, mentiste. Será que vais querer continuar com a gente, sabendo que não tens condições... para cuidar dos meninos?!...

— Eu pretendia ficar e mostrar que tenho condições, sim. Mas isso não depende de mim. Se me informarem quem é o Leandro, eu saio daqui hoje mesmo.

Tremia um pouco. Nem as brigas com Leandro lhe causaram tanto mal-estar moral. Com ele, ficara raivosa. Agora, estava com pena de perder a situação de sossego que antevia para depois da borrasca. Queria rojar-se ao chão para pedir desculpas, mas seu caráter estava cristalizado na defesa dos interesses pessoais, contra toda espécie de ataque. Enrijecera-se com o abandono do filho. Insensibilizara-se no meretrício.

Mário já não tinha certeza se deveria dizer que conhecia tão bem a profissão de Leandro. Quis sondar em que pé andava o relacionamento do casal:

— Você me disse que abandonou a criança há cinco anos.

— Mais ou menos.

— O pai deixou?

— Eu fugi dele.

— Por quê?

— Ele me maltratava.

— Quando foi a última vez que vocês se encontraram?

— Nunca mais, desde aquele dia.

— Por que você diz que não sabe o que ele faz?

— Porque não sei mesmo. Nunca soube.

— Ficaste com ele, sem saber quem era?

— Ele me tirou da zona e me deu uma casa. E eu gostei dele. Era bem vestido. Falava bem. Tinha dinheiro. Dizia que eu era a mulher da vida dele. Mentiroso...

— Por que me disseste que o pai não podia cuidar da criança?

— Porque ele não tem nenhum princípio...

— Você acha que darias melhor futuro ao menino?

— Eu não sei. Se arrumar emprego... Se mudar de vida....

— Do jeito que falas, pareces decidida.

— Estou mesmo. Tenho economias. — Tirou do bolso o comprovante do depósito e mostrou ao médico. Este passou o recibo a Marlene. Era uma soma considerável, suficiente para um ano folgado de vida a dois.

— Isso tudo é o resultado de teu ofício?

— Se não me roubassem, teria muito mais.

Marlene ponderou:

— Nós nem poderíamos pagar o que você vale. Com esse dinheiro, dá pra se instalar fácil em São Paulo. Quem sabe até abrir um pequeno negócio. O ramo de roupas feitas dá muito resultado. Com a ajuda de uma boa administradora de imóveis, num bom ponto, tudo se ajeita.

— Já pensei em alguma coisa assim. Mas, sem meu filho, prefiro continuar na vida. Tenho uns anos bons pela frente. Se cuidar da saúde e se usar camisinha, fico livre da AIDS. O mal é que a freguesia se perde. Preta com camisinha, são poucos os que...

Percebeu que estava ampliando a conversa para além dos limites permitidos pelas mulheres honestas. Entretanto, Marlene absorveu as informações com ganância do proibido. Mário era médico. Deveria entender do riscado. Mesmo assim, considerou a moça muito desabrida:

— Já basta de intimidades. Vou contar o que sei a respeito do pai do... — hesitou quanto ao nome. — ... Leandro?...

— Isso mesmo.

— Pois você está correndo um risco que nem imagina. Acredito que não saibas a verdade sobre aquele homem. Se te disser que é um dos chefes do tráfico de drogas do Rio, ficarias espantada?

Isabel se tornou lívida. A palavra droga exercia o forte poder mágico de calar as pessoas. Traficante era sinônimo de morte, assassinato, domínio, riqueza, mistério. Sentiu-se muito pequenina. Aos poucos, foi restabelecendo o domínio sobre os pensamentos. Como teria o médico tanta certeza?

— Eu sei, porque ele mesmo me contou. Só não vou te dizer como foi isso. Mas a verdade é que estou sendo vigiado o tempo todo. Se não curar a criança, provavelmente precisarei abandonar a cidade.

Foi a vez de Marlene se intimidar. E se Isabel estivesse jurada de morte por ter levado o filho do traficante embora? Passou-lhe pela cabeça que seria uma troca justa, pelo filho morto. Corou pela maliciosa suposição. Sabia que era imoral o que havia pensado. Era mais fácil descobrirem que acoitaram a mãe do menino, se a moça mesma contasse. As idéias embaralharam-se em sua cabeça. Não sabia como agir para superar as dificuldades da situação.

Mário estava preocupando-se com o horário. A conversa ultrapassara os limites do tempo disponível. Tinha de correr para o hospital.

— Fiquemos assim. Nada da conversa sai desta sala. Isabel volta para suas funções, normalmente. Amanhã, nós conversaremos para decidir o que vai ser melhor para todo mundo. Eu não quero que ninguém recaia na prostituição por minha culpa, porque eu não tive consideração pela pessoa. Só peço a você, Isabel, que não induzas as crianças a nenhuma prática sexual.

Falou com o coração na mão. Sabia que caberia a Marlene ter uma conversa daquele estilo. Mas desejou demonstrar que estaria atento.

— Pelo amor de Deus, Doutor, nem penses numa coisa dessas.

Marlene se recuperou diante da ameaça aos filhos:

— Deixa comigo. Nós vamos ter um entendimento sobre todas essas coisas. O que eu também não quero é esse peso na consciência de abandonar uma mãe que deseja reaver o filho. Precisamos pensar nos aspectos legais. Se você não tiver dó desse dinheiro, um bom advogado...

Mário não deixou que prosseguisse:

— Com licença, querida. Acho que está ficando tarde até para as crianças.

O adiantado da hora rebuliçou a casa e as decisões se procrastinaram. No etéreo, os protetores agradeciam ao Pai em comovente oração.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui