Usina de Letras
Usina de Letras
145 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62220 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10363)

Erótico (13569)

Frases (50618)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140802)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->A guerrilha dos dólares no Paquistão -- 06/11/2001 - 23:49 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Da série "Briefe aus Pakistan", originalmente produzida para o DIE ZEIT online de Hamburgo, o texto de número 17, publicado nesta terça-feira, 06/11/2001. Neste mesmo site, o leitor vai encontrar três outros textos por mim traduzidos: "Islamabad-Blues (quando a noite vem)", "O amor em tempos de guerra", "A chave (ou: Para se compreender o Paquistão)", "DEUS NEON (ou: como depois de uma revolução)" e "Há esquinas das quais a gente não gosta de se lembrar"..



_______________________



Por Ulrich Ladurner

Trad.: zé pedro antunes

_______________________







Paguei 150 rúpias, hoje, por uma corrida de táxi. Do restaurante na College Road 27 ao Hotel Marriot. É muito, mas muito dinheiro! O motorista, no entanto, estava irredutível. "150 rúpias!", ele não se cansava de repetir com um sorriso nos lábios, enquanto estendia a mão como se fosse um mendigo. Reclamei, mas acabei pagando.



Ter batido a porta com força foi a minha pequena e inútil vingança. O carro inteiro balançou, de tão capenga que estava a carcaça. "Está na hora de deixar essa carroça num depósito de ferro-velho. Deveriam tirar a tua carteira de habilitação", eu ainda continuava gritando pela janela aberta. O motorista não mostrou nenhum sinal de inquietação e seguiu em frente. Uma cena ridícula.



150 rúpias são mais ou menos dois marcos e cinqüenta peniques. De qualquer modo eu me sentia melhor depois daquele meu festival de impropérios. “É preciso opor alguma resistência", eu murmurava comigo mesmo a caminho do hotel. "Resistência", eu repetia – qual um Taleban que persistisse em sua trincheira, enquanto a superfície estava sendo bombardeada pelos B52. “Resistência!”



De fato, desde que aterrissei no Paquistão, eu me vejo assediado. O motivo são os dólares. Não foram poucas as notas de dólar que eu trouxe ao país. As crises, sabe-se, têm o seu preço. A proporção de uma crise pode ser determinada pela espessura do maço de notas de dólar dos jornalistas que desembarcam. A guerra no Afeganistão atraiu vistosos maços de dinheiro a Islamabad. Qualquer paquistanês sabe disso.

A princípio, sentia-me ainda sobrecarregado com a avalanche de pessoas coladas ao meu calcanhar: motoristas, tradutores, coordenadores, relações públicas ou outra especialidade qualquer, fórmulas usadas para descrever seus respectivos préstimos. A cada passo, ouço gritar: "Sir! Sir!", ou algo mais íntimo: "My friend!", ou a variante mais informal: "Hi brother, how are you!" Não seria tão diferente disso em tempos de paz. Turistas também carregam dólares. Em tempos de guerra, no entanto, o alarido chega ao ápice. É tempo de colheita.



Nesse ínterim, não apenas habituei-me a todo esse incômodo, como consegui – com certo sucesso, acho que posso dizê-lo – invadir as cabeças desses assediadores. Melhor seria talvez chamá-los de guerrilheiros. Uma espécie de guerrilha doleira paquistanesa.



Procedentes do oeste, chegamos ao país como representantes de um poder altamente elevado. Seres fabulosos, ricos enviados do norte. A primeira coisa que um guerrilheiro deve pensar: onde posso atacar com a maior eficiência e com o mínimo dispêndio de energia? Ou: de onde se pode tirar a maior quantia com o menor esforço?



O guerrilheiro deita os olhos sobre os hóspedes mais poderosos, que são ao mesmo tempo os mais vulneráveis: emissários globais do espaço geográfico anglo-saxônico. Estes emissários representam máquinas formidáveis, possuidoras de um apetite insaciável. Máquinas que têm de ser alimentadas de hora em hora. Para tanto, distribuem somas incalculáveis. Compram os melhores tradutores, alugam os carros mais velozes, ocupam andares inteiros em hotéis de luxo, instalam as linhas telefônicas mais eficientes, as vias mais seguras de comunicação.



A primeira horda de guerrilheiros vai para cima do comando especial do exército midiático. São os mais cultos, com o melhor domínio do inglês, os melhores contatos, o acesso a fontes aparentemente inatingíveis. São os primeiros a atacar. Retornam com os melhores resultados.



Este grupo de elite dispõe sobre um séquito inteiro de menos aquinhoados. São as tropas pedestres de dólar-guerrilheiros. Saem à cata do que sobeja após a passagem dos invasores-repórteres. Em primeiro lugar, as porções mais interessantes: as estações de televisão dos grandes países da Europa; em seguida, as dos pequenos países da Europa; por fim, as emissoras não-européias e não-americanas. Para tudo recomeçar então desde o princípio, agora para cima dos meios de comunicação impressa, que, por definição, aparentam menos apetite, precisando de menos coisas e possuindo menos também. Tudo de acordo com o sistema. No final de tudo, o monstro midiático, suas muitas cabeças, jaz primorosamente jogado ao solo, esquartejado e descarnado.



A guerrilha doleira não esboça um uivo que seja de triunfo. Só atrapalharia os negócios. Não cumpre afugentar um inimigo para fora do país. Trata-se, antes, de imobilizar um agente de ocupação de tipo muito especial, para lentamente deixá-lo sangrar. Tanto melhor, se disso ele não se der conta. Por isso mesmo, a guerrilha doleira chega sempre a novas fontes, sempre com palavras e ofertas sedutoras: "Sir! Sir!" Ou: "My friend!" Ou então: "Hi brother, how are you?"



Passei ainda algum tempo xingando o motorista do táxi, enquanto permanecia parado no lobby do hotel sem saber o que fazer em seguida. Estava um tanto transtornado pelo último ataque guerrilheiro, e já me preparava para o próximo.



Tendo-o conhecido por acaso há alguns dias, um homem veio até mim com o passo apressado. "My friend, lembra-se de mim?" Eu não me lembrava.

"É claro que sim!", respondi, "como vai?"

E ele: "Maravilha, maravilha!" Ter-lhe-ia pago por algum serviço? É bem provável. Mas qual? Meu cérebro percorria célere todas as fisionomias, todos os homens sorridentes, todas as ofertas. Onde, quando, como conheci este homem? Dele eu guardava não mais que uma recordação fugidia. Não alcançava localizá-lo direito. "My friend, o que posso fazer por você?"



Por mim ele não poderia fazer nada. Havia algo de que eu necessitava com urgência, mas algo que escapava ao domínio dos dólares: um bate-papo sobre não importa qual assunto, uma conversa sobre o tempo que fosse. A temperatura havia mudado bruscamente da noite para o dia. A luminosidade havia adquirido um tom invernal esbranquiçado. Com isso, Islamabad se via ainda mais triste do que de costume. Com muito prazer eu teria conversado sobre coisas desse tipo. Tais conversas inúteis fazem parte da longa série das minhas manias inteiramente pessoais. "My friend. Estou certo de poder ajudá-lo!" "Sim, disso eu tenho certeza!" Convidei-o para um café. Sobre o que conversamos, não vejo por que inclui-lo neste espaço.



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui