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Artigos-->O CEARENSE BRUNO PEDROSA -- 15/02/2007 - 13:26 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O CEARENSE BRUNO PEDROSA



 



L. C. Vinholes





Nota: 15.02.2007 - Este artigo foi escrito em 1997, durante minha estada em Milão, atendendo ao pedido de Bruno Pedrosa para ser publicado em catálogo trilíngue de suas obras. Que eu saiba, até hoje não foi aproveitado. Tratando-se de uma figura singular e de um artista de mão cheia, achei por bem disponibilizá-lo aos pesquisadores e leitores da Usina de Letras.





ARTIGO



Escrever sobre a exposição de um artista plástico é uma coisa. Escrever um texto para ser publicado em um livro que documente a criação de um pintor, desde as suas primeira pinceladas, é uma tarefa bastante diferente. O cotidiano metódico me dá segurança mas o imprevisto na vida me fascina.*





No primeiro caso, aquele que redige e, crítico ou reportador, é guiado pelos parâmetros que possui, resultantes de anos de estudo, de leituras, de prática e, por mais que não se queira, de subjetividade, para registrar aquilo que, de mais recente, é posto à sua frente e que deve ser apreciado e julgado, inclusive levando em consideração o meio no qual as obras surgiram e para o qual se destinam. No segundo caso, muito mais do que a apreciação e o julgamento pessoais, o que se espera do redator é que garimpe o que de mais importante e significativo puder encontrar na trilha do artista e anote tudo, de maneira clara e objetiva, para que o texto resultante seja como um registro e possa servir de guia e orientação àqueles que se interessarem por melhor conhecer a produção do documentado. Importante, neste caso, é tudo aquilo que ficou marcado por opiniões, fatos e eventos que não dependam do mesmo redator. E neste caso, também é importante ouvir o próprio artista para valer-se do que ele tem a dizer e do que ele pensa. Esta é a tarefa a que me propus, que, desde o início, reconheci como não sendo fácil mas fascinante, ainda mais tratando-se de alguém considerado por tantos tão singular. Venha comigo leitor, sejamos companheiros na trilha deixada por Raimundo Pinheiro Pedrosa, na intimidade, o Bruno Pedrosa de todos nós, aquele nascido aos 11 de janeiro de 1950, “em noite de céu azul e estrelas que brilhavam, presidida por uma lua que faltava uma banda”*, lá no Nordeste do Brasil, no Estado do Ceará, às margens do Riacho do Machado, na Catingueira, Município de Cedro, filho de Manuel de Raimundo André Pinheiro Pedrosa e Raimunda José Ribeiro Campos Pinheiro Pedrosa que, justamente por nunca esquecer ou abandonar as suas tradições, virou mundo, cresceu e, agora, pelo menos por algum tempo, pode ser encontrado em Romano d’Ezzellino, no Nordeste da Itália, nordeste diferente daquele que o viu nascer, mas onde ao lado de Elionor, a Lila do Pedrosa, Andréia e Thereza “alegram hoje, nestas ribeiras distantes da Europa”*, a vida do pintor.

 







A partir das cores, ele é um organizador de acidentes, um aproveitador alerta do fortuito...”

Roberto Bright (1)

 



Inicialmente, gostaria de registrar que conheci os cearenses, primeiro no papel, quando estudei a história do meu Estado natal, o Rio Grande do Sul, onde eles haviam chegado nas andanças que sempre foram dados a fazer, depois, quando li “O Gaúcho”, de José de Alencar, e, finalmente, nas minhas andanças. Recordo que foi no “O Sertanejo”, do mesmo Alencar, que vi falar, pela primeira vez, do Cariri e dos Inhamuns, terras dos índios, dos vaqueiros e dos antepassados de Pedrosa, região as vezes perfumada pelo “aroma do alecrim”*, outras enfeitada com a beleza das “oiticicas ribeirinhas”*. Para fazer algumas referências, lembro que, em São Paulo, conheci Aldemir Martins, um outro do lápis e dos pincéis, e nos fizemos amigos. Troquei idéias com João Adolfo Moura, Luzinete Moreira da Cunha, Eusélio Oliveira e Antônio Girão Barroso, a quem promovi em mostras de poesia concreta no Japão. Em tantas ocasiões, horas a fio, me deixei levar e fui embalado por idéias e feitos de outros cearenses, tais como Raquel de Queiroz, com sua magistral página semanal na revista “O Cruzeiro”, Rosemberg Cariry, o cineasta, e uma plêiade quase anônima de cordelistas. Longe do Brasil, nos meus primeiros 10 anos de Japão, conheci cearenses que rodaram o mundo e entre eles destaco aquele que teria enorme influência na minha vida. Chamava-se Mário Pedrosa, um dos idealizadores da Universidade de Brasília, crítico de arte conhecido não só pelos artigos e livros que escreveu, pelas conferências e idéias estéticas e políticas que defendeu mas também, por ter chegado a ser presidente da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) sediada em Paris. O nosso Bruno Pedrosa é primo jovem de Mário Pedrosa.

 







Cresceu vivendo entre o povo rústico. A comer de sua comida. A beber de sua bebida. A provar de suas dores.

Gilberto Freire (2)



 





Antes de pensar em escrever este texto, foi ótimo ter lido, numa cópia recém-saída do computador, “O Neto do meu avô”, memórias de Bruno Pedrosa relativas principalmente ao tempo e ao espaço de quando ele era apenas Raimundo Pinheiro Pedrosa. Descobri que Bruno e Raimundo são duas figuras numa só, nunca duas personalidades, mas alguém polivalente. Qual desses dois Pedrosas vale mais do que o outro? E’ difícil, senão impossível, determinar, pois ambos se complementam, ambos dão um ao outro o que no outro falta. Melhor mesmo é seguir o ditado chinês que ensina que cada lado do papel ou do tecido tem sempre cinqüenta por cento do que ele é. Por isso, no caso deste artista, nem Raimundo vale mais do que Bruno e nem Bruno é melhor do que Raimundo. Um é o espelho do outro. Os dois são o mesmo. Então qual a necessidade de lembrar estes dois nomes de uma só pessoa? E’ que neste caso não se trata de um pseudônimo, mas de uma troca, inicialmente, imposta e, posteriormente, aceita, aceita até mesmo pelos seus e, em conseqüência disto, por ele mesmo e por todos aqueles que o reencontraram ou o conheceram depois de sua temporada de recolhimento no Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro. Até lá, era Raimundo que, depois, virou Bruno. E Bruno é seu nome de guerra.

 







Intorno al pittore Bruno Pedrosa, como uno splendore, c’è un profumo di nordest brasiliano.

Jorge Amado (3)

 





Raimundo moldou Bruno dos nossos dias como quem molda a argila, mas este disciplinou aquele da forma a mais pragmática e exemplar. Nada foi difícil pois este artista, antes mesmo de ser o que é, sabia ouvir e sabia respeitar as boas opiniões e os bons conselhos. Ouviu e ouve a seu pai que, conforme diz, “foi sempre uma figura excepcional”* que “ vive ainda hoje, irradiando tranqüilidade e segurança, na sua casa de Catinguera”*; seguiu os conselhos do seu avô, dados antes de ele deixar o Cariri e embarcar para o Rio de Janeiro; teve em seu tio José Pinheiro Pedrosa o amigo que lhe foi confidente e companheiro e que, embora “discutissem feito cão e gato, todo o dia o dia todo”*, foi um “relógio de sol”* que “só marcou”* as suas “horas luminosas....”*; estudou sério e não esqueceu um só momento a recomendação do seu mestre Irineu Limaverde, talvez o primeiro, depois de Maria de Claudino que o ensinou o bê-á-bá, a merecer este nome, ele que nele plantou “a semente do prazer de ler e decorar, sem grande esforço mnemônico, os feitos da história antiga e moderna”*, a sua história, a história dos seus e do Ceará. Lapidar é o conselho de Limaverde, que “vendo uma figura de vaqueiro”* que Pedrosa havia desenhado, assim o norteia: “Menino, se você quer ser artista não procure exprimir aquilo que vê, mas aquilo que sente a propósito do que está vendo”. Quando deu este conselho a Pedrosa, Limaverde virou aquela página da história onde a pintura é mais pelo o que ela representa do que pelo o que ela mesma é e, assim, mostrou um novo caminho ao jovem artista.

 







Ele parece que reza trabalhando, ou trabalha rezando.

Rachel de Queiroz (4)

 



Quem tiver o privilégio de entrar na casa de Pedrosa, vai encontrar na parede da sala, não só seus quadros e mementos, não só a valiosa biblioteca que inclui manuscritos de família caprichosamente encadernados mas, também, um mandacaru de cabeça para baixo, habilidosamente por ele criado na parede da sala: a árvore genealógica de todos os seus familiares. De cabeça para baixo a fez talvez por, natural e inconscientemente, ter tido o desejo de dar o alto, o lugar de destaque mais próximo do céu, às suas raíses, àqueles a quem sempre viu e amou com o maior respeito. Entre os mementos de suas recordações está o badalo que recebeu do seu avô Raimundo André dos Torrões, quando comemorava seus 25 anos de idade e o término do curso na Belas-Artes, e que guarda como uma jóia preciosa e sobre a qual confessa: “Em obediência à recomendação que me foi dada, faço-o sonar de quando em vez e escutando as notas do seu badalo revejo a figura do vaqueiro que me criou nos campos do Ceará”*.

 







Em seus quadros, não há círculos, mas sim formas ovóides de incerto contorno. Os “triângulos” têm os lados curvos e assimétricos. As retas dançam.

Mario Margutti (5)

 



Moderno, abstrato, não figurativo como hoje Pedrosa é visto, ele teve um tempo que foi dedicado ao desenho, aquela coisa simples que é difícil de fazer e que lhe valeu até medalhas de ouro. Era o bico de pena, a ponta de lápis, os traços economicamente usados, o essencial que era tudo, o preto no branco, a perspectiva, a dualidade do real e do representado. E não é por acaso que esta fase ficou marcada pela produção dos álbuns que mostraram seu encantamento com o barroco de Ouro Preto (1972 e 1975), do Mosteiro de São Bento (1979 e 1989), ambos com edições dentro e fora do Brasil, dos “Retratos do Rio” (1986) e dos desenhos avulsos das suas andanças pelas outras terras do oeste americano.

 







Egli ha scelto di dire non il contorno delle cose, ma la loro consistenza corporea, prima che questa particella infinita sia immersa nel giro vorticoso del’ essere.

Marco Goldin (6)

 







Há muito Pedrosa deixou de usar uma linguagem linear, discursiva, de significativos disciplinados pelos compromissos da gramática perspectívica. O que se vê nos seus quadros, em termos de superfície, planos, linhas, cores e formas de geometrias arredias, se assemelha mais a uma linguagem ideogramática, de uma semântica de justaposições do que de sintaxes tradicionais, de ordenamentos pré-estabelecidos. E’ difícil acreditar em pura abstração na obra de Pedrosa. Sutilmente está o verbo, só que nada familiar aos olhos acostumados a ver apenas as coisas representadas ou os arabescos neutros que enfeitam. Pedrosa cria uma linguagem que não precisa ser lida e nem se deixa ler na forma tradicional, que basta apenas ser vivida pois é só assim que nos aproximamos melhor das suas obras. No fundo, ele sabe o que está fazendo, trabalha com consciência e disciplina e nos dá a liberdade de participar do resultado final da obra, o que só ocorre quando ela está frente a frente com aquele para quem foi criada. E no confronto entre a obra e nós, seus apreciadores, ocorre o plural, o aleatório, razão talvez das coincidências e divergências de nossas opiniões. Mas o importante não é discutir a obra de Pedrosa mas, sim, sintonizar com o que ela tem de singular, sem usar os parâmetros conscientes mas a sensibilidade do inconsciente coletivo latente em todos nós. Assim o Ceará não fica tão longe.





Restam as cores. Só estas sugerem ou até contornam tudo que se distingue visualmente dentro de suas telas.

Enrico Cavazzinho (7)





Olhando atentamente as obras de Pedrosa, chamam a atenção, no seu contexto de entrelaçamentos e pluralidades, certos elementos icônicos que povoam o mundo do abstracionismo à moda Pedrosa. Que são eles? De onde vieram tão avulsos e tão discretos? Parecem saudades de alguém que ele diz não ter conhecido e que era artesã hábil nos seus bordados monogramáticos, dos quais restam apenas uma vaga lembrança.





...com sua sensibilidade e capacidade criadora, converte em formas, cores e texturas, plenas de ecos e ressonâncias a sua agressiva luminosidade, voltando sempre a um princípio sem princípio para chegar de um modo inevitável a este fim sem final que se constitui sua obra.

Luigi de Micheli (8)







E’ de se registrar a dicotomia marcante entre o que são seus quadros e o que dizem os títulos que Pedrosa escolhe para cada um deles. Algo intrigante, pertencendo a mundos distintos: o das coisas a serem individualmente percebidas e o daquelas ditas pelo discursivo. Nisto está presente aquela dualidade entre o Raimundo e o Bruno, pois só assim realiza-se a plenitude de quem olha para o futuro, para construí-lo, sem nunca esquecer os valores que deixou para trás, de alguma forma incorporados em si mesmo.





Pedrosa non fa una pittura gestuale di puro astrattismo informale. Nelle sue opere il gesto è costruito e serà sospeso se non riflette l’immagine interna del pittore.

Lincoln Edelman (9)





A sua arte é a mais econômica e precisa possível, nela nada é supérfluo e a superfície por ele pintada é a mais limpa que já tenho visto. Não é por acaso que ele mesmo confessa ter obsessão pela limpeza: “... sou até meio maníaco com essa história de limpeza do corpo, da casa.”* Sua limpeza não é só esta mas, também, aquela que resulta do seu saber criar.





A’nche se continua ad esprimirso con i suoi colori caldi ed aggressivi, caratteristici della regione dove è nato, niente è ancora regionale nella sua arte d’oggi

Rainer Michael Bouchet (10)





Nos últimos anos, dando continuidade a sua senda de criação, Pedrosa está deixando sua marca e suas cores, nas formas que a elas sempre tem dado, no que de melhor está sendo produzido nas fornalhas de Murano. Vi os recortes das colagens, feitas com carinho e habilidade impar, predecessoras de suas novas obras. Fui testemunho do fazer artesanal do produto acabado.





Os seus abstratos estão impregnados de uma gramática conceitual de efeitos extraordinários.

Emmanuel Bove (11)





Mais do que o prazer de produzir este registro, prazer tive eu em ter encontrado alguém para oferecer o poema que escrevi há tantos anos**, alguém que tem sintonia com ele e que, por isso, o merece. Poema que fica neste texto a guisa de ponto final:





sertãoser

tãosertão







* Extraído do livro inédito “O Neto do meu avô”, de Bruno Pedrosa.

** Escrito em 15.12.1961 e publicado, pela primeira vez, na revista do Grupo “Sabí”, n° 29, de 29.08.1962, de Kobe, Japão, dirigida pelos poetas Toyokiyo Uchida e Ken Yamaguchi.

1) Cahiers d’Art Contemporain, junho, 1989.

2) Catálogo da mostra individual na Galeria Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, novembro, 1979.

3) Catálogo da mostra individual da Galleria Flaviostocco, Castelfranco (TV) novembro/dezembro 1992.

4) Álbum de desenhos sobre o Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro, Editora Lumen Cristi, 1979. Comemorando os 1500 anos da fundação da Ordem de São Bento.

5) Março, 1993, catálogo da mostra individual da Galeria Bonino, Rio de Janeiro, abril/maio, 1993.

6) Catálogo da mostra itinerante individual, de outubro 1994 a janeiro de 1995, em Monta, Bassano del Grappa, Venezia Mestre e Milão.

7) “Art News”, janeiro, 1991.

8) Catálogo da mostra individual no Museu do Ingá, em Niterói, RJ, março, 1991.

9) New York, 3 de agosto 1992. Catálogo da mostra individual da Galleria Flaviostocco, Castelfranco (TV) novembro/dezembro 1992.

10) Catálogo da mostra individual nas galerias “Galliani Arte Contemporanea” e “Etruria”, de Lugano e Cuneo, fevereiro-março 1993.

11) Revista BATIK, Barcelona, 1990.


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