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Contos-->ERA DEVER DE MÃE -- 08/05/2002 - 21:15 (Paulo de Goes Andrade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era dever de mãe

Paulo de Góes Andrade

Certo dia chegou-se à mãe e disse, cheio de sorrisos, que não era mais virgem, que dali pra frente era homem, igual ao pai. A coleguinha lhe deu conhecimento disso depois de usá-lo, como procedia com outros garotos da vizinhança, atraídos ao seu apartamento, onde vivia só com a avó. Depois, Célia soube de tudo, da conduta libidinosa da amiguinha de Mateus. Uma vizinha lhe detalhou.
De Felipe e Eduardo, os filhos mais velhos, talvez virgens, supunha, revelação semelhante não escutara. O caçula fê-la surpresa.
Conduzia com liberalidade, com demasiada franqueza até, a educação que lhes dava, principalmente com respeito a sexo. O próprio Mateus, naquela idade, doze anos, já recebia noções claras sobre homossexualismo e doenças transmissíveis, inclusive Aids, e como se transmitiam. As drogas ficavam a cargo do esposo que, hábil também, mostrava-lhes as causas e os efeitos do uso da cocaína, da maconha e outros alucinógenos. “As conseqüências são funestas! “ Advertia.
- Os tempos estão mudados, comentava com Danilo, o marido.
Não podia ler mais na ultrapassada cartilha em que a mãe aprendeu e lhe transmitiu as lições. E lembrava um exemplo: o rigor da sua genitora, que, com muita reserva, preveniu-a, de maneira elementar, como devia proceder quando sentiu as primeiras cólicas menstruais e como se cuidar, quando do fluxo sanguíneo que seria expulso, naqueles dias desagradáveis por que passa a mulher. Cumpria os mandamentos. Evitava banhos quentes, ingestão de gelados, frutas cítricas, como certos esportes que exigissem esforço físico. A sua bicicleta era guardada, no quarto de despejo, até que nada mais restasse em seus absorventes.
A virgindade, por outro lado, tinha caráter quase sagrado. Era intocável até o dia do casamento. Se antes violada, decepcionado que fosse o homem na noite de núpcias, o enlace matrimonial era desfeito de imediato, anulava-se o contrato civil. A sociedade aprovava. Pedras eram atiradas à mulher. Célia, como a sua mãe, ainda comungava nesse conceito de pureza, que não teria nenhuma receptividade na geração dos seus filhos. Estava certa. A munificência, que envolveu o espírito dos jovens de hoje, suplantou o sectarismo dos nossos avós e dos nossos pais. Quebraram-se as barreiras. Os tabus foram enterrados. O relacionamento desta geração é outro. Nada é amoral, ou imoral até. Tinha que caminhar com eles. Era dever de mãe. Considerava.
Reputava ridícula a intitulação de mães solteiras àquelas que concebem fora do matrimônio, perdendo, por isso, o seu vínculo social. As relações habituais com as pessoas, naquele tempo, ficavam estremecidas. E, involuntárias, viravam ovelhas negras, desgarradas do rebanho branco e puro da “cristã” civilização ocidental, ironizava Célia.
O diálogo franco, que mantinha com os filhos, devia ser a razão do amor e da admiração que tinham por ela.
Célia foi daquele tempo. Não era frustrada. Confessava. Preservou-se, pois, para a pessoa especial, para o homem que deveria amar de verdade. Era a lei. As recomendações da mãe ultrapassavam as raias do absurdo, reconhecia. Mas, evitava andar a cavalo, ou de bicicleta, por muito tempo. Era aconselhada. O esforço desprendido, nesse tipo de lazer, contribuiria para a flacidez da musculatura perineal, comprometendo a sua integridade virginal.
- Pode, dr. Freud ? Indagava ao esposo.
Ela não teria uma filha (que não teve) para dar as orientações que recebeu da mãe. Com os três filhos homens, procedeu diferente, como agiria com uma filha, dentro dos padrões atuais, sem cerimônia, mostrando a realidade, o que aprovava o marido, vítima que fora também de preconceitos paternais. Danilo tirava dúvidas sobre sexo com colegas e amigos. Operou-se de fimose sem o conhecimento dos pais.
Quando os filhos perguntavam a Célia, ainda crianças, como se formaram dentro dela e como tinham saído da sua barriga, nunca usou de subterfúgios, de rodeios e historinhas tolas, enganando-os, assim, dizendo que nasceram de um repolho, que chegaram no bico de uma cegonha e outras bobagens. Sempre foi autêntica nos diálogos com os filhos. Nada de mentiras. Era bem melhor, julgava, que as dúvidas fossem esclarecidas por ela e não por colegas ou amiguinhos do bairro, que, sem conhecimento, deturpariam aquele assunto, levando até para o terreno da maldade, ou mesmo da obscenidade.
- Você se formou na minha barriga, sabe por quê? Porque seu pai e eu nos unimos pelos nossos sexos. O sexo dele, igual ao que você tem, entrou em mim, no meu sexo, que é diferente do seu. O meu, como de toda mulher, detalhava, possui uma entrada, justamente para essa finalidade. Por isso é que a natureza fez o homem, que é o macho e a mulher, a fêmea. Um casal com dois aparelhos genitais (os sexos) distintos. O do homem tem o nome de pênis, p-e-n-i-s, soletrou, e o da mulher: v-a-g-i-n-a. Disse letra por letra também. Ou você já sabia? Isso tanto nos racionais, que somos nós, como nos irracionais, nos cachorros, nos gatos, nos macacos e noutros tantos bichos. Ta?
- Calma aí, mãe! Interrompeu Mateus, saltando da poltrona. Você já falou pra burro e eu não entendi nada, nada... Me explique, então, onde é que eu estava na hora que o sexo do meu pai entrou no seu?
- Vou te explicar, filho! Calminha! Eu chego onde você está querendo. Senta aí! Ordenou Célia.
- Olha aqui! Quando eu me casei com seu pai, provando o amor que tínhamos um pelo outro, entre muitos abraços e beijos, à noite, em nosso quarto, em nossa cama, milhares de minúsculas criaturinhas, que só se vê no microscópio, e que têm o nome de espermatozóides, saíram do sexo dele e correram, numa disparada louca, para dentro de mim, para o meu útero. O espermatozóide que chegou primeiro, o mais esperto, o vencedor da corrida, uniu-se a um pontinho vermelho que tem o nome de óvulo, que aguardava aquele campeão lá dentro de mim. E daquela união começou a se criar uma vida. Foi assim que você se formou na minha barriga.
- Depois de nove meses, aquela vida, que era você, ficou pronta para deixar a minha barriga, onde você viveu, no maior conforto, o tempo necessário que a natureza determina para que o ser humano fique completo no útero da mãe.
- Você quer saber como você saiu de dentro de mim, não é? Vou esclarecer. A maneira normal dos bebês saírem da barriga das mães é passando pela abertura que existe no sexo da mulher, como expliquei antes. É um sacrifício grande o momento do nascimento do filho. A mulher, geralmente, sofre na hora da expulsão do feto, que é o nome que se dá àquele ser que está dentro da gente. E é por isso, pelas dores que nós, mães, sentimos e que logo se transformam em alegria, que um poeta, bem inspirado, disse que ser mãe é padecer no paraíso...
Esclareceu, por fim, que existe outra maneira de a criança nascer.
- Quando ocorrem certas dificuldades, que impedem a saída normal do feto, a mulher é obrigada a se submeter a uma cirurgia, que se chama cesariana, enfatizou. Tem este nome porque, segundo a história, Júlio César, imperador romano, veio ao mundo através de um corte que os médicos daquela época fizeram na barriga da sua mãe, retirando-o, assim, do seu útero. Ficou, então, conhecido, até hoje, como cesariana aquele procedimento, que aconteceu muitos anos antes de Jesus Cristo nascer.
A revelação de Mateus propiciou este diálogo mais profundo. Contudo, duvidoso, pulou da poltrona e, assustado, quis saber da mãe se a sua amiguinha ia ter um filho.


Brasília (DF) – 23 / 01 / 2001



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