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Poesias-->CUNHAPORÃ, UMA HISTÓRIA DE AMOR - VII - A LUTA -- 29/06/2002 - 21:50 (J. B. Xavier)
CUNHA PORÃ compõe-se de onze capítulos. Aconselho aos leitores que efetuem a leitura a partir do primeiro, seguindo seqüencialmente a ordem crescente, para que o entendimento do enredo não fique prejudicado. * * * CUNHAPORÃ - PARTE VII - A LUTA J.B.Xavier O dia surgiu bonito, refrescante, ensolarado Com pássaros coloridos e pinheiros perfumados. Adiante, na clareira, beirando o lago de Yara, As tribos se encontravam. Vários povos e nações. Na luta todos falavam, disfarçando as emoções. E veio o prisioneiro, em passos lentos, pausados. Guardas à sua frente. Guardas atrás e nos lados. No centro do aro humano, formado por tanta gente Nhuamã parou, olhando com serena majestade Aqueles que se espremiam para ver tal crueldade. E trovejou sua voz num discurso comovente: “Guerreiros da tabas Distantes, remotas, Ouví minha voz E o lamento em meu canto! Cruzastes a selva, Perigos e grotas P’rá ver no suplício Da morte o encanto. Mais sangue quereis! Que louco desejo! Que sede de morte É essa em seu povo? Se olho ao sul e ao norte Que vejo? Batalhas de porte, E nada de novo! Por fado da vida Caí prisioneiro Do povo que em dias De fama passados Gozou do bom nome De hospitaleiros! E hoje declina, Antigo e cansado... Entrai o valente Que a morte me lança, E que a vida em meu seio Deseja tomar. Entrai, ó guerreiro! Aproxima-te! Avança! Que um de nos dois Hoje aqui vai tombar!” Silêncio mortal apossou-se da mata. Ao longe se ouvia o troar da cascata E os gritos dos monos em louca algazarra, Que aos poucos também foram silenciando, Enquanto o tupi, na arena entrando Gritou aos guerreiros: “Soltai as amarras!” Partiu-se em tom seco o linho torcido Deixando então livre o punho ferido. E os braços penderam do grande guerreiro. Dormentes que estavam, já não os sentia. O sangue nas veias já pouco corria De luas e luas de vil cativeiro. “Que tens, ó valente, Que vinde dos prados Mostrar cá na selva Teus doces agrados Àquela que um dia Ao Grande Oyakã Ainda menina Jurou pertencer? Erguei vossos braços Charrua maldito! Pois antes que possas Sequer dar um grito Por minha borduna Havereis de morrer!” Desceu o tacape, certeiro, assassino, Tão rápido quanto o fora um felino, Levando a morte ao incauto inimigo. Rasgando o ar o tacape voou Zunindo macabro, mas nada encontrou. Nhuamã , bem a tempo, evitou o perigo. Zangou-se o tupi com a falha tão rara, Surpreso ao ver que o charrua escapara, E ao lado contrário postava-se atento. Apenas instantes durou a surpresa. Saltou o charrua com grande destreza Causando ao contrário sutil ferimento. O oyakã sentiu que o sangue escorria Ao longo da face, mas dor não havia. O ódio tomou-lhe o ser por inteiro. Brandindo o tacape assassino no ar Os golpes desceram buscando matar O ousado, veloz e valente guerreiro. Em todas as guerras por onde esteve Jamais algum braço seus golpes susteve. Mas neste combate cruel e sangrento, O braço que a tantos brindara com a morte Agora sentia mudar sua sorte Golpeando e acertando apenas o vento. O som surdo e oco dos pés sobre a terra Ecoaram lá longe, nos picos das serras Levando da morte a nefanda mensagem. E a selva tremia a cada investida Dos golpes que um fim buscavam p’rá vida, Levando o estertor à linda paisagem. Recônditos verdes! No vale o lamento Dos golpes perdidos levados ao vento Fremiam pulsantes na insana batalha. No céu ecoava o incessante bramido E o azul festejava, qual teto incendido Por sobre a disputa, qual grande mortalha. O Oyakã pressentiu que seu grande inimigo Buscava sua morte, e sentiu o perigo Daquela batalha terrível e crua. Jamais algum dia alguém tão valente Após desafiá-lo ficou à sua frente Assim tanto tempo como esse charrua. Os velhos, as moças, e todos que viam - Guerreiros, crianças - também pressentiam A grande tragédia que estava por vir. Dobraram de força os golpes insanos, E a louca junção do esforço inumano Previa o que então viria a seguir. "Tupã assim quis Maldito guerreiro Das tribos do sul, Por sorte infeliz Morresses ligeiro Sob Ygarussú . A morte te leve No abraço gelado Aos campos distantes. Teu corpo em breve Inerte ao meu lado Terei num instante." E um último esforço, titânico, louco Tentou o Oyakã . Errou por bem pouco. Saltando de lado enviou o revés O índio charrua. O punho fechado Desceu martelando. Um crânio rachado! E o cacique tupi tombou a seus pés. Silêncio mortal. Que foi que ocorreu? Acaso o charrua o tupi, pois, venceu? Acaso os olhos erraram ao ver? Mas não! Lá estava o tupi destroçado. Do crânio seu sangue se havia escoado Em grandes torrentes. Estava a morrer. "Pajé! Os ungüentos!" - Gritou Nhuamã "Impeça que a vida abandone o Oyakã ! Guerreiros ilustres não morrem assim! Queria-me a morte, por certo, porém, Até este dia não houve ninguém Que assim a pusesse diante de mim." E enfim recobrada do susto cruel A selva acordou num tremendo escarcel, Erguendo nos ombros o novo Oyakã . O corpo cansado aos céus elevaram, E os olhos atentos em vão procuraram Os olhos sonhados de Cunhaporã . Por dias e noites reinou o festim. Das bilhas, nas sombras, saía o cauim Que a todos felizes e alegres tornava. Só luas mais tardem já embriagados, Voltaram às tabas, já fracos, cansados, Contando a peleja que ainda encantava. Enfim o silêncio voltou à floresta. Partiram as tribos. Findara-se a festa. O pajé ao tupi reentrega a vida. E a beira do lago, Nhuamã , o charrua, Sentava-se às vezes, nas noites de lua Nos quentes abraços da doce querida. FIM DA PARTE VII * * *