10 DE OUTUBRO DE 2006 - 17h21
Em "carta aberta" a Albert Einstein, Boal dá apoio a Lula
Declarando-se sob "inspiração póstuma" de Albert Einstein, o dramaturgo
Augusto Boal divulgou a seguinte carta de apoio à reeleição de Lula.
Boal: "agir e reagir"
Rio de Janeiro, 9 de Outubro de 2006
Meu Caro Albert Einstein,
estava eu lendo um dos seus livros - sim, acontece... - quando tropecei nesta
bela frase:
"O mundo é um lugar perigoso para se viver; não porque existam pessoas más,
mas porque, aquelas que não são más, não fazem nada contra a maldade!"
Acho que você exagerou nessa divisão de bom e mau que, aqui no Brasil, soa um
pouco maniqueísta, mas compreendemos que você se expresse melhor quando fala
de Ciência do que de temas mais complexos como a política brasileira, por
exemplo - ninguém é perfeito. Muitos de nós, bons, fazemos alguma coisa;
alguns, até mais do que imaginávamos ser capazes. Isto posto, temos que
admitir que este Outubro será longo, intenso, e terá, no seu bojo, 48 meses.
Para evitar 48 meses de tristezas e desastres, temos que trabalhar duro
nestas três semanas para dizer, querido Einstein, que você pode entender
muito de Física - Quântica ou não - mas, de brasileiros, entendemos nós.
Somos, na maioria, gente boa: nossas vidas, e nossos fichários no Dops e
noutras organizações do Terrorismo de Estado, atestam e confirmam. Somos
bons, mas o que significa ser bom ou mau nestas eleições?
É sabido que muitos eleitores votam em si mesmos, isto é, votam nos
candidatos dos quais algum benefício recebem, seja uma dentadura postiça -
como suas consciências, postiças e à venda -, ou um cargo em algum órgão
oficial. Nem todos são maus, alguns são desesperados, poucos são
recuperáveis.
Muitos há que votam mal porque acreditam que a mídia seja imparcial e justa,
não percebem as manipulações feitas pelos entrevistadores nos programas de
debates e nas manchetes dos jornais. São bons... e votam mal. Eu sei, tudo é
relativo, meu caro, mas pode-se votar mal sendo-se bom?
Ser bom é votar a favor da população como um todo, incluindo carentes: em
uma Sociedade, somos todos Sócios! Não devemos buscar apenas o próprio
ganho, dentadura ou cargo, mas o bem coletivo.
Ser bom é votar em brasileiros e não nas corporações multinacionais e seus
coadjuvantes nativos; votar na Independência e Vida!, e não entregar seu voto
aos países hegemônicos que governam o mundo pela violência militar, econômica
e mediática!
Ser bom é votar naquele que criou a Bolsa Família que tirou 11 milhões de
famílias brasileiras da miséria absoluta e da fome; não se trata de dar
esmola, mas de exigir crianças na escola, vacinação e trabalho.
Ser bom é votar naquele que recusou a tutela estrangeira da Alca, e
desenvolveu laços comerciais e culturais com os países irmãos do Mercosul,
África e Ásia, sem deixar de consolidar os que já existiam com outros países
do mundo;
Ser bom é votar naquele que teve altos e baixos nesta primeira Presidência:
baixou a inflação de 14 para menos de 3%, alteou o salário mínimo de 50 para
o equivalente a 150 dólares;
Ser bom é votar naquele que criou mais de 500 Pontos de Cultura no Brasil
inteiro, apoiando democraticamente embriões culturais que já existiam, jamais
impondo um modelo único.
Ser bom é votar no governo que, através da Polícia Federal, prendeu, em três
anos e meio, mais quadrilhas de colarinho branco do que todos os governantes
anteriores, desde Pedro Álvares Cabral, cortando inclusive na própria carne
do partido que fundou. Fala-se pouco disso, mas devemos lembrar que os
escândalos que estão vindo à tona foram descobertos pela PF, que é parte do
Estado administrado por este governo - o governo que revelou o crime não pode
ser acusado de criminoso;
Ser mau, muito mau - horrendo! -, é votar em quem aplaudiu a privatização das
nossas galinhas dos ovos de ouro, prata e bronze, Usiminas, Vale do Rio Doce,
Embratel, Telebrás...
Ser mau é votar em quem ameaça privatizar a Petrobrás, Banco do Brasil,
Correios, a terra e o ar, o céu e o mar...
Isto não é "ouvi dizer": é entrevista que o candidato adversário deu ao Globo
no dia 15 de Janeiro. Este insalubre, malsão e malvado desígnio foi
obliquamente reiterado na pg. 9 do Globo de 8 de Outubro, pela manhã, e
negado à noite na TV. Como acreditar que um candidato pretenda fazer algo
contrário ao que fizeram seus partidos quando no poder?
Ser mau é votar em quem bloqueou mais de 60 CPIs na Assembléia Estadual,
permitiu o florescimento de PCCs, e ameaça uma reforma da Previdência (Globo,
idem, ibidem). Alguém que vive usando palavras vazias como "choques de
gestão", como se fosse programa de governo: palavras polissêmicas que
permitem qualquer interpretação, a torto e a direito.
Temos três semanas para convencer os bons que votaram mal, a votarem certo e
bem - Lula, 13! - e não outro número, como alguns safados andaram espalhando
em santinhos pelo Nordeste. Este é o conselho que você nos dá, meu caro
Einstein: agir e reagir. Sim, somos capazes! Estamos em campo!
O combate político não se faz apenas mostrando o certo e execrando o torto:
faz-se pela pressão na rua e em casa, no trabalho e no lazer, em toda parte,
inclusive na Internet que, no seu tempo, caríssimo Albert, não existia. Nem
sei como você conseguiu descobrir que a luz faz curvas, sem o auxílio de PC
ou MacIntosh.
Temos que pressionar o governo para continuar fazendo o bem que está fazendo,
e a Reforma Agrária, ainda esquecida.
Lembrando a História recente: o mal da nossa esquerda sempre foi a sua
suicida fragmentação. Claro que temos que nos juntar ou separar segundo
nossas opções ideológicas, e defender, sem renúncias, nossas idéias! Nos
momentos decisivos, porém, temos que nos unir diante do adversário compacto.
Por maiores que sejam as diferenças, temos em comum o mais importante:
queremos um país que pense e aja por si mesmo, sem cabresto.
A partir de 64, formaram-se tantas siglas combatentes, tantas divisões e
dissidências, dissidências das divisões e divisões das dissidências, tantas
estratégias corretas que, por serem tantas, estavam todas erradas. Eu não
quero cometer o mesmo erro porque me lembro das suas nefastas conseqüências,
físicas e morais.
Votar nulo é votar no pior - isto não é opinião, é matemática! Albert, meu
amigo, você tinha razão: sempre haverá gente ruim. Mas ninguém pode dizer que
ser "bom" é ficar quieto, calado, enquanto o Brasil decide se continuará
soberano ou se vamos ter, outra vez, que pedir a benção ao Enxofre.
Caro Albert, obrigado pela inspiração póstuma que você nos deu - sempre é
tempo. Você é um gênio mesmo: eu já sabia disso, mas agora ficou provado!
Bom descanso, enquanto eu acabo de ler o seu livro. Está bastante bom, sabe?
Tem uma coisinha aqui, outra ali que talvez não seja bem assim como você
pensa, mas, globalmente... Desculpe: a gente conversa depois das eleições.
Vamos trabalhar!
Parabéns, sinceros e eloqüentes.
Augusto Boal
|