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Cartas-->Carta a Almir Alves da Silva Filho -- 06/03/2001 - 02:26 (Fernando Tanajura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Prezado Almir,

As notícias da Folha de São Paulo de 26/02 foram muito oportunas. Fico feliz em saber que o Cordel não foi esquecido. A primeira, sobre a mostra "100 anos de Cordel", no Sesc Pompéia, prevista para o período de 17 de abril a 27 de maio, eu acho muito importante porque, por mais de um mês, a nova geração vai ter oportunidade de entrar em contato com um segmento da literatura popular tão relegado a último plano. Temos que divulgar esse evento para que ele seja um sucesso e finque um marco visível na arte expressada pelo nosso povo. A segunda notícia, sobre o acervo das 8.000 peças do cordel brasileiro da Universidade de Poitiers, na França, nos ensina uma lição já sabida e repetida: como fazemos pouco caso das nossas riquezas culturais! Com a nossa fome de absorver o que vem de fora, não damos a mínima importância ao que já temos em nossas mãos. Seria tão bom se essa mentalidade mudasse e cuidássemos mais das nossos bens culturais!

Uma vez me perguntaram por que eu escrevia cordel e como eu perdia tempo com essa arte menor. Tenho as minhas razões e identificações. Eu gosto de escrever cordel porque a linguagem é simples, dúbia, às vezes maliciosa, desrespeitosa. Eu fui criado ouvindo os melhores cordelistas em Salvador e no Recôncavo da Bahia. Escutei muito o famoso e antológico Cuíca de Santo Amaro, ao vivo, no vapor de Cachoeira, quando minha família fazia a viagem entre Nazaré das Farinhas e Salvador. Eu era ainda pequeno e tinha medo do Cuíca porque o conhecido cordelista era cego, o que me intrigava muito, e já me indagava como ele escrevia e lia tantos versos. O medo também era pela agressividade dele em vender os livretos - vivia disso! Hoje entendo que precisava sobreviver - estava na luta. Meus pais sempre me tapavam os ouvidos quando ele começava a recitar cordéis picantes e maliciosos. O povo ria, se divertia na viagem e comprava sua poesia. A alegria era geral e eu ficava fascinado com essa forma de espetáculo improvisado e irreverente. Assim a travessia da baía de Todos os Santos ficava mais amena e esquecíamos dos perigos do balanço do mar. Com isso, meu ouvido ficou acostumado a escutar versos. Acho que essa foi a primeira influência que tive no verso, na rima, no ritmo. Esses sons primeiros ficaram armazenados na minha memória e, volta e meia, retornam como batida simples e popular de maneira fácil. Além dessa iniciação, tive a bênção de participar de um grupo de teatro amador no Rio de Janeiro nos anos 70. Montamos o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e tive o privilégio de ser dirigido por um apaixonado pelo cordel: o grande Luiz Mendonça, que ganhou um prêmio Molière com Viva o Cordão Encarnado. Na mesma época, o mesmo Luiz Mendonça dirigia profissionalmente Lampião no inferno e acompanhei os ensaios da peça deste outro grupo. Aprendi muito de tudo que ele ensinava. Do grupo de Lampião no inferno, participavam nada menos que Joel Barcelos e o famoso Madame Satã, ainda de quebra: Elba Ramalho e Tânia Alves no início de suas carreiras. Bom, com uma turma dessa, nem preciso comentar o tanto que aprendi sobre essa belíssima arte popular.

Ainda, volta e meia, quando estou batendo pernas nas estradas dos muitos brasis, busco encontrar as histórias do povo, no centro de São Paulo, nas feiras livres do Nordeste, em que a voz popular ainda está viva. Recentemente adquiri umas coisas preciosas a preço de banana. Veja só: Lampião, o rei do canganço, de Antônio Teodoro dos Santos (o poeta garimpeiro); A luta de Zé do Caixão com o Diabo - Os cabras de Lampião, de Manoel d Almeida Filho; A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco; e os picantes A mulher que queria ser égua - Buraco quente não conhece feriado - A moça que meteu o diabo no inferno - Giovanni Boccaccio. Ah, como eu me delicio com as histórias, com as rimas, com o ritmo das narrativas.

Bom, isso ia ser um bilhetinho para lhe dar notícias e me empolguei. Virou um depoimento.

Receba um grande abraço.
Fernando Tanajura


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