Um dos maiores estudiosos da história, planejamento e gestão da Universidade - J. Ben-David - nos garante que a autonomia foi a prerrogativa por excelência alcançada pelas três primeiras universidades, surgidas no século XII: Bolonha, Paris e Oxford. Este princípio de independência, no início em relação ao poder papal e depois ao civil, desde então passou a constituir o primordial direito da instituição, em qualquer país e em qualquer época, a assegurar-lhe a sobrevivência e o cumprimento de sua missão de ensino, pesquisa e prestação de serviços à comunidade. Condição necessária, embora não suficiente, para seu desempenho e qualidade de produção. Justo, porque implica a rejeição de ingerência externa, notadamente a política, na condução da universidade.
A atual Constituição Brasileira consagrou a autonomia pela própria universidade conquistada. De fato a universidade não recebe a autonomia de graça. Ela tem de ser obtida com muita luta. Infelizmente a autonomia da universidade brasileira está apenas no papel. Como o Brasil, nossa universidade é um gigante deitado eternamente em berço esplêndido, à espera do respeito e admiração dos governantes. Por ser a casa da inteligência e da produção do saber e da ciência, confia em que todos o reconheçam.
Mas a depender de seus dirigentes, sobretudo dos reitores, a universidade brasileira continuará atrelada ao poder e com medo de desagradar ministros de educação e presidentes da república. Uma das poucas e honrosas exceções que tivemos foi a do nosso reitor mineiro Men-des Pimentel no enfrentamento à ditadura de Vargas, fazendo lembrar Unamuno diante do ditador espanhol. Não fosse o Movimento Docente - o MD - sobretudo nas décadas de setenta e oitenta, a Universidade brasileira, especificamente a federal, já teria se transformado em mera agência de ensino profissionalizante dirigida pelo Conselho Federal de Educação e pelo MEC.
O MD foi o grande defensor da autonomia da Universidade, porque sempre esteve convencido de que sem ela a universidade perde sua identidade e inevitavelmente cai a qualidade de sua produção intelectual. A prova está aí aos olhos de quem quiser ver. Bastou o MD entrar em crise, esfacelar-se (paradoxalmente por dupla causa: a desorientação da esquerda face à derrocada do socialismo e a forte partidarização política na própria organização, com o objetivo em fazer do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior - o ANDES-SN - braço estendido do PT e da CUT) para assistirmos à perda paulatina da pouca autonomia que ainda tinha a universidade.
Citemos apenas dois fatos recentes. Primeiro, a decisão do MEC de praticamente não reconhecer o sistema de avaliação da formação acadêmica exercido pelas universidades e implantar o elaborado pela tecnocracia ministerial. Segundo, a cassação da autonomia financeira e administrativa feita pelo Ministro Bresser Pereira, através do SIAPE- Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos. Desde outubro centralizou-se toda a administração federal (menos a militar, é claro!) no MARE e mudaram-se todas as rubricas e códigos de receitas e descontos da folha de pagamento de pessoal, com a respectiva alteração de valores monetários. Para o MARE não existe mais professor auxiliar - assistente - adjunto e titular com os quatro níveis de carreira dos três primeiros. Todos foram transformados em simples “professores 3º grau”. Fizeram tábula rasa do regime de 20, de 40 hs e dedicação exclusiva. Os percentuais sobre o salário básico para gratificar a especialização, o mestrado e o doutorado foram eliminados e os valores respectivos incorporados ao salário em única rubrica. Alteraram inteiramente o sistema de desconto do imposto de renda na fonte. Tudo, naturalmente, com prejuízo para o professor e, suspeita-se, a fim de posteriormente anularem-se as vantagens conseguidas a duras penas com as greves dos professores nos anos 80.
E até agora não se ouviu a voz de nenhum reitor em protesto e em defesa da autonomia administrativa e financeira da Universidade. Nem, muito menos, algum gesto ou ação se fez sentir.
Triste universidade sem “status”, sem representa-tividade e sem poder. Para que, então, Universidade, se não tem autonomia?...