EXPUSÃO SINTOMÁTICA
Délcio Vieira Salomon
A expulsão da senadora Heloisa Helena do PT juntamente com outros deputados foi sintomática. Por vários motivos, notadamente um. Marcou de forma indelével que Lula e seu partido, ao contrário do que sempre apregoaram, continuam a mesma tradição político - partidária brasileira. Ou seja: a política do camaleão. Para ganhar as eleições veste-se uma camisa, depois de eleito adota-se o uniforme que a todos identifica no mesmo e único objetivo: usufruir as benesses do poder.
Quem acredita que, dos grandes partidos, o PT é o único realmente ideológico, hoje há de perceber que está profundamente enganado. Era, mas não é mais. De público, os autodenominados representantes dos trabalhadores, deram incontestável demonstração de que nem como “partido sindicalista” consegue se caracterizar. Do sindicalismo herdou apenas o assembleismo. Haja vista a retórica lulática.
Quando da expulsão, só os ingênuos e os fanáticos seguidores do PT aceitaram as explica-ções “genoinas” de seu presidente, a resposta ridícula do deputado Paulo Delgado ao manifesto liderado por Chomsky, os sofismas de Mercadante. No fundo só pretextos, nenhuma justificativa convincente. Todos os argumentos escorregaram para a mesma vala comum: manter a unidade do partido em torno da vontade soberana de Lula. Na verdade, vontade soberana dos que governam Lula (o FMI, a cúpula palaciana e aquela entidade sinistra denominada por Jânio Quadros de “forças ocultas”).
Colhendo frases daqui e dali, guardei uma que me deixou tanto quanto perplexo: “temos que preservar a unidade do PT e manter a coerência, pois cabe aos autênticos militantes dar o exemplo. Afinal lutamos para a construção do consenso, que é a essência da construção da democracia”
Tivesse Marx ouvido isso, teria se revirado na sepultura. Ainda mais vinda de um partido, dito de esquerda. Segundo o velho Mestre, justamente a construção do consenso é a morte da democracia. Ele era coerente com a visão dialéti-ca do mundo.
Lamentavelmente foi na construção do consenso que o stalinismo destroçou o comunismo. Do consenso ao partido único a via é também única. A mesma pregação do chamado “consenso democrático” é que fundamentou o “pensamento único” (cuja expressão maior foi o “consenso de Washington” que vem caracterizando o neolibera-lismo).
Mas o ato solene de punição coroou a política adotada por Lula e o PT neste primeiro ano de governo, pois emblematizou o que já cantava Camões em Os Lusíadas: “Uniforme, perfeito, em si sostido,/ Qual, enfim, o arquétipo que o criou” (L: 10, LXXXIX, 625- 626)
A execração pública, a que submeteram a senadora e seus colegas, há de servir de lição para futuros simpatizantes do PT. Torço para que o bom senso (que, ao contrário do projeto da di-reção do PT, não é construído, mas inato e constitui “a coisa mais bem repartida no mundo”, conforme dizia Descartes) prevaleça, antes que o governo Lula se engesse na mesma fôrma que engessou o governo FHC.
E a quem pensa entrar para a política, via inscrição partidária, que reflita sobre o conselho do velho Sartre: “entrar para um partido político é decretar a morte da liberdade”. Pode a frase não refletir verdade universal, mas retrata muito de sabedoria, sobretudo quando o referencial é o mesmo: para Sartre o PC stalinista francês e no Brasil, o partido que não admite o dissenso.
Enquanto isso, Lula está devendo não uma, mas a resposta, a todos que o elegemos e não somos do PT: - o que aconteceu entre a eleição e este primeiro ano de governo que levou Lula a mudar tanto, a ponto de nos obrigar a dizer que quem veio com a bandeira da mudança nada mudou? Será que realmente a atriz Regina Duarte tinha razão?
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Este artigo foi publicado no Estado de Minas em 26.12.2003. No dia 13.01.2004, meu amigo Tarcísio Ferreira publicou o artigo defendendo Lula e o PT, o que me obrigou a fazer a tréplica, também publicada no Estado de Minas. Esta resposta constitui o artigo "Desconfiança e divergência", aqui publicada logo a seguir.
|