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Erotico-->3. ALFREDO TRABALHA -- 04/09/2002 - 06:22 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Acomodado o pupilo no hospital, Alfredo precisava garantir-lhe o futuro ao lado de família substituta, que Raimunda quase o perdera por não atender aos mínimos reclamos de higiene e limpeza.

Orivaldo lhe viera em época tardia, quando os sonhos se haviam dispersado e a sombra da morte pairava sobre o barraco.

Raimunda não fizera esforço para identificar a criança. Nem registro de nascimento providenciara, como era de lei. A bem da verdade, Orivaldo deveria ter uns dois anos e meio, taludinho, com as roupinhas limpas e a pele sem marcas ou cicatrizes. Não parecia ter sido maltratado e comia com muito gosto.

O pessoal da redondeza não o reconheceu nem se interessou por mais uma boca para alimentar. Foi Raimunda quem lhe deu o nome, lembrança de alguém que lhe passara pela vida, a distância. Talvez o pedreiro que lhe erguera as paredes e calçara o chão.

Alfredo não avançava nas conjecturas nem se interessava realmente por decifrar o mistério. Os espíritos benfeitores de Raimunda eram tão tacanhos quanto ela e estavam enjoados da mesmice daquela vida sem inquietudes ou aspirações. Empregada doméstica, amealhara o dinheirinho da construção e o deixara todo nas mãos do fornecedor do material. Agora, tinha um carnê de miserável valor do Instituto de Aposentadoria e essa fora a causa do desleixo do tratamento de Orivaldo. Não há que se esquecer de que deixava boa parte do dinheiro nas mãos do coletor de espórtulas da missa, na igreja de São Tiago.

Nenhum patrão se atrevera a tirar as costumeiras “casquinhas”, mesmo quando era jovem. Talvez pelo excesso das banhas e pelo cheiro forte das axilas, embora os dentes se tivessem preservado até os cinqüenta anos, quando a piorréia lhe recomendou dentadura dupla, financiada pela patroa de tantos anos. Essa a razão do sorriso simpático que jamais atormentou ninguém na favela.

Aliás, se alguém teve, um dia, intenção de visitá-la em casa, deve ter sido logo espantado pelas imagens de santos e retratos dos corações de Maria e de Jesus, velas e lampadinhas vermelhas, além das espadas-de-são-jorge dos vasos da entrada.

Tivera os seus dias de procura do eleito de sua vida pelos terreiros, mas não encontrou orixá que lhe desgrudasse um bom partido. Indicaram-lhe vários exus, mas temeu pelo Inferno, principalmente porque o confessor lhe prescreveu terrível série de terços e sacrifícios, como condição para comer a hóstia dominical.

Agora, interessava-se pelas conseqüências do caso do afilhado (levara Orivaldo até a pia batismal), principalmente porque aquela gente importante lhe pedira para assinar muitos papéis, para arrancar dinheiro dos “Poderes Constituídos”. Imaginava que se tratava do Governo. Em todo caso, os traficantes não poderiam ficar bravos com ela, visto que não falara nada contra nenhum deles. Estava cônscia de que fizera tudo direitinho, segundo a lei maior: a do silêncio.

Essa ganância senil, inútil e sem objetivo, arrepiava os pruridos de sensibilidade do protetor Alfredo, que passou a temer pela sorte de Orivaldo, caso ficasse mais tempo na companhia da tutora. Ela iria absorver o que pudesse, sem consideração pela educação do jovenzinho, não tanto por maldade de espírito mas por integral ignorância de tudo o que circundava a personalidade do afilhado, marcada para feitos menos apagados.

À vista dos projetos de realizações do doentinho, Alfredo se punha de sobreaviso para a possibilidade de regresso antecipado. Sabia quem eram os pais, mas não via como reaproximá-los. Daria tempo ao tempo, como ouvira o jornalista responder ao Delegado. Estivera presente no momento da conversa telefônica, para ter a certeza de que o acontecimento não ganharia destaque nas manchetes. Bastava-lhe a notícia no corpo da reportagem, como nota sem importância, o que acabou acontecendo. Não atinou, todavia, com a manifestação de curiosidade e de interesse da organização de auxílio aos injustiçados. Por isso, foi em busca de esclarecimento superior, para que o mestre lhe explicasse com que objetivo haviam colocado essa importante instituição no encalço das arbitrariedades policiais.

José, seu iluminado orientador, lhe pediu paciência:

— Não lhe posso dizer se houve ou se não houve intercessão dos planos da angelitude, para o favorecimento de seu pupilo. Ninguém me consultou sobre isso ou eu o teria alertado. Fique calmo e procure acompanhar o desenvolvimento das doenças e o processo de cura. Se houver recaída que represente perigo, chame por mim. No período de convalescença, organizarei rodízio entre os socorristas, para que você se inteire de todas as implicações que o novo estado de vida de Orivaldo irá originar.

— Quer dizer que a programação terá curso normal? Haverá dia em que Orivaldo virá a ser importante líder comunitário?

— Se for da vontade de Deus, trabalharemos com afinco, para que tudo dê certo. Por enquanto, precisamos mantê-lo como vigilante atento. Você sabe a que estou referindo-me...

Alfredo sabia muito bem. Eram os velhos inimigos de Orivaldo, que não estavam nada satisfeitos com o desenrolar dos acontecimentos. Esperavam recebê-lo, para a tradicional pancadaria, e se viram frustrados com a possibilidade de soerguimento da saúde.

— Adeus, Irmão José. Pode contar comigo. Volto bem mais tranqüilo e confiante. Sei que obterei sucesso, com a ajuda dos irmãos e a bênção de Deus.

— Vá em paz, querido amigo!



Naquele dia, o Doutor Mário recebeu a notícia de que o sangue estava limpo e reagiria sob o efeito dos antibióticos, imunizando o corpinho debilitado, através dos corpúsculos brancos preparados para o contra-ataque aos vírus e bactérias que infestavam os pulmões. A pneumonia seria vencida. Restava a complicação dos vermes, que consumiam boa parte dos sucos alimentícios. Enfim, como adiantamos, a luta levaria dois anos para terminar. Enquanto isso, a assinatura de Raimunda surtia efeitos junto ao Tribunal de Justiça.

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