Usina de Letras
Usina de Letras
150 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62270 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10381)

Erótico (13573)

Frases (50661)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4778)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6204)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->HÁ 50 ANOS -- 04/09/2006 - 18:55 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
HÁ 50 ANOS MORRIA O POETA DA SAUDADE



Délcio Vieira Salomon





No dia 25 de junho deste ano 2000 aconteceu o cinqüentenário da morte do poeta Da Costa e Silva, ou o Da Costa, como era chamado comumente ou simplesmente o Da como várias vezes ouvi de minha mãe e de meus tios, em casa, durante minha infância na década de 30.



Da Costa e Silva foi casado com minha tia Alice de Salles Salomon, irmã de meu pai. Não a conheci, pois morreu no dia 02 de outubro de 1919, 12 anos antes de eu ter nascido. Mas o que ela significou para o poeta e sua obra era um assunto recorrente nas conversas familiares. Certamente este o motivo que me levou a escrever este texto, sobretudo porque nada vi em nossa imprensa mineira comemorando a data ou fazendo referência ao poeta e sua obra em todo o decorrer deste ano.



E dizer que Da Costa e Silva viveu aqui em Belo Horizonte parte de sua vida, participando da roda de intelectuais, escritores e poetas como Pedro Nava, Francisco Campos, Abgar Renault, Aníbal Machado, Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Mário Casassanta. sobretudo José Oswaldo de Araújo (que lhe abriu as portas do Diário de Minas e com ele disputava jocosamente a condição do homem mais feio de BH).



Antônio Francisco da Costa e Silva nasceu em 23 de novembro de 1885 em Amarante no Piauí. Drummond, em 1954, no programa “Quase memórias” da Rádio Ministério da Educação lembrou dito irônico, por ele ouvido do próprio Da Costa: “preferia ter nascido no Piauí e não no Maranhão (terra de seus pais e onde passou grande parte de sua vida), porque o Maranhão não comportava outro poeta que não fosse Gonçalves Dias”.



Também poetas foram seus dois tios, irmãos de seu avô, imigrante português, e que ficaram em Lisboa: Antônio Francisco e José Maria da Costa e Silva, este último autor dos 10 volumes do “Ensaio Biográfico Crítico sobre os Melhores Poetas Portugueses”. Era primo do poeta Juvenal Galeno da Costa e Silva.



Sua infância foi vivida entre a fazenda de seus pais e a cidade de Amarante, onde o pai era negociante, exerceu cargos eletivos e acabou sendo capitão da Guarda Nacional. Tinha 8 irmãos. Todos na cidade e na família o conheciam pelo apelido Lôla. Desde cedo revelou inteligência incomum e pendores artísticos para o desenho, a pintura e a escultura na madeira. Chegou a ser santeiro de fama, apesar da idade.



Aos 14 anos ensinava as primeiras letras aos meninos da vizinhança. Aos 16 publica na revista do Grêmio Literário Amarantino seus primeiros poemas. Em 1900 vai para Teresina a fim de cursar os preparatórios no Liceu Piauiense.



Em 1906 chega a Recife e ingressa no curso de Direito. Levava em sua bagagem vários poemas que iriam integrar seu primeiro livro “Sangue”. Durante o curso escreveu para vários jornais e se incorporou à vida literária da cidade. Foi colega de Assis Chateaubriand e Christino Castello Branco.

Nesta época ficou patenteado o seu dom do improviso. Mostrava-o com a maior facilidade, numa conversa de bar, diante de uma situação pitoresca ou de um pedido. No terceiro ano de Direito respondeu em versos, com metro e rima, aos quesitos de uma prova de Direito Penal aplicada por seu professor Gervásio Fioravanti. Ficou célebre aqui em Belo Horizonte, o poemeto que certa vez ditou ao Diário de Minas:



Até com os deuses o Destino

Se mostra irônico e brejeiro,

Tenta brincar com a própria Fé:

Não teve berço o Deus Menino

E era um bom mestre carpinteiro

O patriarca São José.



Várias de suas cartas à noiva Alice saiam-lhe em versos. Alberto da Costa e Silva, seu quinto filho (escritor, poeta e atualmente diplomata) reproduz uma de 22 de janeiro de 1913 que assim começa:



Minha adorada Alice:

Pedes-me que te escreva,

Por que dizer-te deva

Tudo que eu já te disse,

Por que falar-te ainda

Do que já sabes tanto,

Se o teu amor é santo,

Se o meu amor não finda?

.......................................

E assim termina :

Escreve-me, que eu ando

Sem ter o teu conforto,

Como uma nau sem porto,

Sem leme e sem comando...

Ando, sem ter caminho,

À toa pelo espaço,

Órfão do teu abraço

Viúvo do teu carinho.

Minh’alma é uma caçoula,

Sempre que em ti eu penso,

A te ofertar o incenso

Do afeto do teu

Lôla



Numa noite de 1907, enquanto andava de um lado para o outro na pequena sala de jantar da “república” estudantil em que morava, ditou de improviso o soneto Saudade, talvez o mais conhecido de seus poemas, a ponto de já ter sido consagrado como “o poeta da saudade”



Saudade



Saudade! Olhar de minha mãe rezando,

E o pranto lento deslizando em fio...

Saudade! Amor de minha terra... O rio

Cantigas de águas claras soluçando



Noites de junho ... O caburé com frio,

Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando...

E, ao vento, as folhas lívidas cantando

A saudade imortal de um sol de estio.



Saudade! Asa de dor do Pensamento!

Gemidos vãos de canaviais ao vento...

As mortalhas de névoa sobre a serra...



Saudade! O Parnaíba – velho monge

As barbas brancas alongando... E, ao longe,

O mugido dos bois da minha terra...





Segundo ele mesmo revelou mais tarde, seus poemas eram montados em sua mente e se fixavam em sua memória, antes de os passar para o papel. Gostava de compô-los em voz alta, atento à sonoridade e à musicalidade dos versos. Era, todavia, superexigente com a forma. Fazia lembrar Flaubert. Corrigia muito. Como disse seu filho Alberto “seus poemas acabados eram sempre uma vitória do artista exigente sobre o improvisador”.



Em Recife foi fortemente marcado, tanto quanto seu contemporâneo de escola, Augusto dos Anjos, pelo pensamento evolucionista e fenomenista do professor Laurindo Leão. Também o influenciaram os poetas de sua predileção, desde os tempos do Piauí: Verlaine, Baudelaire, Francis Jammes, Mallarmé, Poe, Antero de Quental, Antonio Nobre, Cesário Verde e, sobretudo, Cruz e Sousa.



Em 1910 teve de abandonar, no 3º ano, o curso de Direito, para atender à nomeação como Escriturário da Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional em Minas Gerais, cujo concurso fizera em 1906.



Apesar de ter feito carreira no Ministério da Fazenda, sua grande aspiração era ser diplomata. Foi várias vezes indicado, mas sempre preterido por Rio Branco. Como narra Pedro Nava em Balão Cativo e confirma o embaixador Antônio Camilo de Oliveira, amigo do poeta dos tempos de BH, certa vez Rio Branco o chamara para um daqueles almoços, em que selecionava os candidatos. À sobremesa teria dito: - “Da Costa, você é um homem de talento, com o dom das línguas e presença pessoal. Mas não serve para diplomata, porque é muito feio. Da Costa você parece um macaco”.



Chega a Belo Horizonte em 1910 já com parte do livro de poemas Zodíaco, quase pronto e vários sonetos que integrariam seu terceiro livro: Pandora. Em 1911 conhece Alice, filha de meus avós Sebastião Maggi Salomon (hoje nome de avenida em BH) e Eulália Geraldina de Salles Salomon. Começa a namorá-la. Mas em 1912 é removido para São Paulo e segue insatisfeito por separar-se de Alice. No fim do ano regressa a B. Horizonte e pede Alice em casamento.



Em 1913 se licencia para tratamento de saúde e vai para o Rio. Preterido nas promoções do ministério decide ir para Recife. Conclui o curso de Direito. Após os exames pensa em ir para São Luiz e Amarante com objetivo de “reorientar seu destino” (conforme carta a Alice em 18.02.1913). Sonhava ser professor em São Luiz. A cabeça está cheia de versos, mas sem ânimo para escrever. Até que um dia envia carta a Alice dizendo ter um livro completo.



Detestava voltar para São Paulo. Junto com um irmão, em vez de ir para São Luiz, vai para o Rio. Mas acaba cedendo à pressão do Ministério da Fazenda e retorna a São Paulo para reassumir o posto na Delegacia Fiscal.



Depois de muitas tentativas frustradas, vem para Minas. Chega em setembro de 1913. E em 24 de junho de 1914 casa-se com Alice.



Realiza um grande sonho: ir a Mariana conhecer pessoalmente Alphonsus de Guimaraens. Já era seu maior admirador. Consta que foi ele que revelou Alphonsus para a maioria dos poetas brasileiros. Teria dito certa vez, indignado com a indiferença dos poetas e da crítica literária a respeito do poeta de Mariana: “Se este Alphonsus vivesse na França, seria um dos maiores poetas universais”.



Na capital mineira nasceu em 27.03.1915 seu primeiro filho - Márcio e na mesma data em 1917 no Rio, para onde fora transferido, o segundo filho: Mário. Publica Pandora. No dia em que con-seguiu colocar Zodíaco no prelo, dirige-se ao Cor-reio da Manhã levando um artigo. Lá na redação lê telegrama anunciando a morte de Emile Verha-eren, poeta belga, que tanto admirava. Não su-portando a dor, senta-se à mesa mais próxima e de um jato escreveu o célebre poema que saiu na revista Apolo naquele mesmo ano. Um poema de 84 versos, onde transmite a grandiloqüência de estilo hugoano, tentando identificação com o poeta naquele momento celebrado. Assim termi-na o poema:



Mestre, tu que exaltaste a vertigem da vida

Nas forças tumultuosas do progresso,

Ampliando o mundo à ação da humanidade forte,

Morres, sentindo-a sob as rodas de um expresso

Com seus cavalos de vapor a toda a brida

Na fogosa pressão da máquina, seguida

De longa procissão dos vagões de transporte

Na indiferente e célere corrida,

Ao ruidoso rumor dos seus carros de morte!



Em fins de agosto de 1919 já está Belo Horizonte novamente. Alice, grávida do terceiro filho, ficara no Rio para assistir ao embarque dos pais para Portugal. Maggi Salomon fora nomeado por seu conterrâneo e amigo, o presidente Wenceslau Braz, cônsul geral em Portugal.



No dia seguinte em que desembarca em BH, 19 de setembro, nasce o terceiro filho, Benedicto. Duas semanas depois, no dia 2 de outubro, morre Alice com doença devido a complicações do parto. “O choque para uma sensibilidade como a de Da Costa e Silva foi terrível. Desarvorado, isola-se do convívio de todos” - dirá seu filho Alberto (o.c.1977, p.36).



Os três filhos são confiados a parentes para cuidarem de sua educação. A minha mãe foi entregue o recém nascido – Benedicto. O único que conheci. Residiu um bom tempo em Belo Horizonte. E depois que se instalou no Rio, vinha freqüentemente a Belo Horizonte visitar mamãe. Considerava-a sua segunda mãe. Foi premiado várias vezes em concursos literários promovidos pela Prefeitura. Seu nome, inclusive, consta dos escritores consultados por Aurélio Buarque de Holanda para compor seu dicionário.



Ainda fortemente abalado, o poeta é transferido para São Luiz e lá fica até setembro de 1926, quando é chamado para o Rio. Ainda sob o impacto da morte de Alice publica Verônica, considerada por vários críticos como sua melhor obra. Oswaldino Marques em recente trabalho “Espelho do mundo: refrações” sobre Da Costa e Silva publicado no volume comemorativo do cinqüentenário de sua morte (Poesias completas – Editora Nova Fronteira) diz: “Na eleição do melhor livro de Da Costa e Silva, oscilo entre Pandora e o subseqüente Verônica” (p. 29). Mas acaba por mostrar predileção pelo segundo. Merece serem transcritas suas palavras:



A propensão pelo segundo é ditada pela qualidade lírica inaudita que transparece na expressão de Da Costa e Silva , agora mais interiorizada e convergente para o núcleo afetivo do Eu, bem ao abrigo das explosões dos sentidos. Seu estilo assinala-se, então, pelo sereno e luminoso fluxo das ideações, pela filtragem da experiência transmutada em meditação residual, pela diafanidade das intuições, tudo nimbado de um halo elegíaco que, pela vez primeira, possibilita gizar sua poesia como de atmosfera. Quando ele depura, apura e ultrapassa o texturalismo plástico do parnasianismo, ou o tilintar de guizos da bravura simbolista, se converte no poeta da subjetividade e aí alcança seus maiores triunfos, trabalhando com a essência fluida e aclasta das emoções sublimadas pela reflexão. Tal se verifica, por exemplo, em todo o grupo de poemas que constituem a seção de Verônica intitulada “Imagens da Vida e do Sonho. (o. c. p.30)



A predileção confirma-se ao fim, quando revela o motivo da escolha do título de seu texto, ou seja, sua extração do poema de Verônica, pois ao comentá-lo escreve:



Um sumaríssimo poema, uma simples quadra heptassilábica remata de maneira estupenda as ‘ imagens da Vida e do Sonho’ , primeira parte de Verônica. Refiro-me a “Síntese”, em seguida transcrito.







SÍNTESE (II)



Tornei-me espelho do mundo,

Desde que o meu pensamento

Ficou límpido e profundo

Como o azul do firmamento.



(...) ele alcança a soberania poética final quando seu pensamento se depura de todos os resíduos de escola e logra a condição de ‘... límpido e profundo/ Como o azul do firmamento.’ Vê-se que essa vocação especular o visita como uma epifania. É a chave da abóbada. Positivamente nenhuma insígnia lhe assentaria melhor do que ESPELHO DO MUNDO! (Idem, ibidem, p. 33)



Com a morte de Alice, sua musa agora não é outra senão a dor e a morte. Antes que musa, desafio. O sofrimento da perda irreparável, mais do que a autoria do soneto Saudade, torna-o merecedor do epíteto de “poeta da saudade”. Este estado de espírito conduz o poeta à atitude interrogativa. Se esta atitude existencialista realmente marcou sua obra, é em Verônica que ela atinge o momento mais alto, mais sublime. Logo no primeiro soneto de Verônica deparamos:



MEMENTO HOMO



Que somos nós? – Pulvis et umbra sumus.

Horácio, o teu pentâmetro latino,

No mais sábio e conciso dos resumos,

Diz o que é a vida em face do destino.



O homem, vindo do pó, da lama, do húmus

Que se transforma ao hálito divino,

É sombra errante por incertos rumos,

À mercê do seu próprio desatino.



Por mais que à lei da morte se submeta,

Lute e sofra, nem sempre se persuade

De que a sua existência no planeta



Não passa de uma sombra de vaidade,

De um simples grão de areia na ampulheta

Em que o tempo derrama a Eternidade.

.

O que não deixa nenhuma dúvida, pois logo no poema seguinte Diálogo interior declara:



Ante o infinito

Cismo e medito

Mas vou pensando

E interrogando.

Dialogo a esmo

Comigo mesmo.

- Tudo convida

A amar a vida.

- E amar se deve

A um bem tão breve?

- A vida é bela

No que revela...

- Mas como existe

o homem tão triste?



Alice, porém, é mais do que lembrança. É imagem constante em sua mente e em sua vida. Tanto assim que escreve:



NESSUN MAGGIOR DOLORE...



Tenho-te sempre a imagem na memória,

Nestes dias de dúvida em que vivo

Com a minha grande dor sem lenitivo,

Meu amor, minha vida, minha glória.



É uma visão nostálgica e ilusória,

Que me ficou, talvez, como exclusivo

E vão conforto ao curso fugitivo

Desta existência incerta e transitória.



Seja, embora, uma sombra imaginaria,

A mêmore ilusão que é o meu enlevo,

Já se me vai tornando necessária,



Pois que te pondo em místico relevo,

Evoca, em minha vida solitária,

A efêmera ventura que te devo.



Aparentemente o destino lhe deu a força necessária para superar a suprema dor da vida. Mal conseguiu publicar Verônica, parece ter recuperado suas energias. Tanto assim que vai transferido para Manaus como Delegado Fiscal do Tesouro Nacional do Amazonas. Estamos em 1927. Publica alguns poemas modernistas e em 1928 casa pela segunda vez.



No ano seguinte nasce a primeira filha à qual dá o nome de Alice, obviamente em homenagem à primeira mulher.



Em 1929 é designado como Delegado Fiscal do Tesouro Nacional no Rio Grande do Sul. A vida em Porto Alegre, em contato com poetas como Mansueto Bernardi, Alberto A. de Queiroz, Augusto Meyer, Athos Damasceno, Theodomiro Tostes, Vargas Netto e Vianna Moog o fortalece.



Mas explode a revolução de 30 e ele acaba sendo transferido para São Paulo novamente, no mesmo cargo de Delegado Fiscal. Em 1931 nasce seu quinto filho Alberto. Tentando sanear a Delegacia Fiscal paulistana sofre sórdida campanha pela imprensa. Desgostoso e abatido isola-se mais ainda do mundo.



A angústia existencial provocada pela morte de Alice e que parecia superada, eclode com toda força e abate o gênio e a inspiração do poeta. Desde 1931 até 1950 praticamente nada escreveu. Entrou num processo de degeneração e demência que apesar de durar quase vinte anos o levou à morte. Já estava morando na Tijuca no Rio, quando no dia 25 de junho, embora atendido por seu filho médico, Mario, morre de enfarte do miocárdio nos braços do filho Alberto.



Apesar de o estado de saúde nos últimos anos ter deteriorado e praticamente nada de significativo ter escrito naqueles últimos vinte anos, depois de sua morte, Alberto, ao remexer em seus livros e guardados, encontrou dentro de um dos livros de seus autores preferidos, folha de papel em que estava escrito à lápis o que é considerado hoje seu último poema:



Velha interrogação



Passa a vida? Continua...

Porque o tempo é que flutua,



Como um rio de veludo,

sobre todos, sobre tudo...



A sua margem sonhamos:

de onde vimos aonde vamos?



E o destino indiferente

vai impelindo a torrente...



Passa a vida? Continua...

Com o tempo quem passa é a gente.



Mas, vida, se nós passamos

de onde vimos? Aonde vamos?



Ao relê-lo dentro deste contexto de descoberta póstuma, sou levado a pensar que o poeta foi marcado a vida inteira pela atitude interrogativa, tão característica do ser humano, mas que tomou nova feição filosófica existencialista e veio caracterizar indelevelmente nosso mundo contemporâneo, conforme tive ocasião de o mostrar em A maravilhosa incerteza.



Curiosamente dois extremos se encontram. Quando lança seu primeiro livro Sangue, o primeiro poema que revela o poeta em sua postura perante o mundo e a existência, apesar de ser o segundo na ordem da publicação, mostra que a atitude interrogativa foi realmente a que mais o marcou:



Cruzada Negra



MORS – em letras de luz gravo no meu escudo

A divisa imortal de cavaleiro traço

Em campo negro. E, após, visto a armadura de aço.

Preme a cota, a luzir, o meu peito desnudo.



O elmo à cabeça, a espada à cinta, a lança ao braço,

Desço ao pátio e cavalgo o meu corcel sanhudo,

E ele, a resfolegar, indiferente a tudo,

Rasga, como um fuzil, a escuridão do espaço



Levo a lira no arção. Impassível e forte,

No solar do Não Ser, ante o perfil da Morte,

Cantarei a balada augusta e soberana.



O cavaleiro errante e menestrel transeunte...

E aonde vou? Aonde vou? Ainda há alguém que o

pergunte?

- Busco a Jerusalém remota no Nirvana...



Pela perfeição de seus versos, a musicalidade, a temática, a preocupação por transmitir através da obra, sua própria contemporaneidade, é possível dizer que Da Costa e Silva foi poeta maior, a ombrear com os principais vates de nossa história literária. Assim se há de posicionar em qualquer corrente em que tenha se situado no decorrer da vida, notadamente o parnasianismo, o simbolismo, o modernismo.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui