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Contos-->Ele campeava as estrelas -- 23/04/2002 - 22:39 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ELE CAMPEAVA AS ESTRELAS

Francisco Miguel de Moura

PARTE I

Pequena e modorrenta como qualquer cidade interiorana, São Raimundo Nonato naquela manhã saiu do ritmo, não obstante o calor e a seca permanentes. Amanhece movimentada por uma frota de dez ônibus que chegavam de Teresina repletos de turistas. A ruas em redor do hotel principal brilhavam de limpas - o prefeito caprichara - e de gente que ia e vinha, de pé, de carro, de bicicleta ou de moto, conversando, alegres, sorrisos nos lábios, para se misturarem aos que vinham.
Uma mocinha diferente das demais, cujo nome não se soube, porque não leva nenhum sorriso, apreensiva, passo sem cadência, vai disposta a assumir um novo emprego. Mas, de momento, é impelida por uma força superior: fica horas plantada diante das janelas do hotel.
Olha primeiro naqueles olhos azuis, sem ser correspondida. E depois levanta a cabeça para o céu, numa prece. De tanto, tanto olhar, quase deles não se desprega. Mas não teve coragem de entrar, de falar. Não lhe ocorreu uma só desculpa que poderia dizer. Hora do café. A voz macia e gostosa – arrepia-se toda – falava com as garçonetes. Eram duas. Pegavam nas suas mãos, nos seus braços, alisando-lhe o rosto. E ela, a espiã, sem poder fazer nada, nada, diante daquele assédio.
Que loucura! Mas loucura mesmo é vê-lo tão perto da Maria Loura, uma sirigaita que namora com meio mundo, por dinheiro, por perfume, por qualquer ninharia. E não sabe como foi parar ali, um hotel familiar. Estava escrito.
A "Poderosa", agora no papel de espiã, fecha os olhos para não continuar vendo a cena. Medo de cair no chão, num abismo, dura de raiva, ódio, ciúme.
- Seja o que Deus quiser!
Permanecera um tempão em redor dele, sem que fosse percebida. E permaneceria o dia todo, se fosse preciso.
"Era preciso, era preciso!"
Lutaria com todas as suas forças, com todos os poderes que tinha. Não foi por acaso que, em algum tempo de sua vida, chamaram-na de poderosa.
Voltaria a ser.
Na nova profissão em que pouco se pode dizer de seu, manifestar sentimentos pessoais era pecado grave – muito menos paixão – não, não era aquela primeira vez que isto acontecia no mundo. Precisava ser forte. Ser polida, sorridente com todos, e ao mesmo tempo racional, fria...
Por que aceitara a incumbência?
Cansara de viver ao lado do gringo cujo nome nem saberia pronunciar. Ao que lhe parecia, pouco amoroso. Era apenas um caso, recebia mesada por via indireta. Encontravam-se quase por acaso. Namoro. Ele tinha certos pudores, certos preconceitos. Mas no fim de cada mês o dinheirinho chegava no banco. A questão é que não iria suportá-lo por muito tempo.
Agora, se desse certo... Por isto aceitara ser guia de turismo. Fizera o curso. Aprovada. Começaria justo naquela data, naquela manhã iluminada por alguém que campeia os sentimentos através das estrelas.
Seria ela uma estrela?
E ele, quem era? Um turista ou um sábio, em busca dos tesouros arqueológicos da Serra?
E, se não fosse uma, por que estaria a escolher homem tão estranho – não lhe parecia um "pão" como dizem as adolescentes – porém que campeia o céu e as estrelas?
Conversa inteligente e viva jamais mantivera com alguém, atrapalhada apenas por seu amigo Lulu e esposa, companheiros de banco, no ônibus.
Que perdesse a oportunidade do emprego. Que amanhã a agência a chamasse para uma despedida sem glória.
"Se tiver amanhã!...", pensou, trágica.
Gosta tanto da Serra. Já veio outras vezes como curiosa e ficou encantada. Mas seu tempo agora é de ficar de olho. Mas o tempo não chega. O tempo não vai. O coração, descompassado, pula na ânsia daquela espera. Vida! Não aquela sensaboria, aquela solidão a dois, durante duas horas, duas vezes por semana, e nada mais. Sem direito a conversar com mais ninguém do sexo oposto.
- Poderá perder a mesada!
"Mesada, ah meu Deus! Por que lembra disto?"





PARTE I I

Voltou a vê-lo no almoço, por entre as vidraças do hotel, sem coragem. E antes, bem antes, seria capaz de pensar que o conhecia de muito, muito tempo, de outras encarnações. Não, não, fora no sarau literário, na entrevista com o prefeito, e quando as sirigaitas do "ginásio" lhe pediram autógrafos. Assistiu a sua subida ao palco, ouviu-lhe a voz cheia, completa, enlouquecedora, como se falasse para o mundo. Um discurso de doutor das mais altas universidades. Palavras especiais, lindas.
- "Eu campeio as estrelas" - ele disse no final.
"Se ele me amasse..."
Quando o ônibus dele se preparava, ela, a "Poderosa", a "Capivara", fosse que apelido tivesse, não importava, foi a primeira a subir, numa alegria que quase nem pisava no chão. Sentou-se dois bancos à frente de onde ele estava, era a forma melhor de ser vista, por trás, mostrando o cabelo e o corpo, a cabeça sempre mexendo para um lado e para o outro, já lhe haviam dito desse seu gesto sedutor. É que do que mais queria estava impedida. Não suportaria fitá-lo sem demonstrar fraqueza, lágrima nos olhos, desassossego, talvez desmaiasse.
Na descida, em frente do portão do Parque da Serra, espera. Procura o mesmo grupo, embora continuasse a odiar o casal, Lulu e a esposa, que dele não se despregava. Vai à frente, informa, guia, animada de uma animação mecânica tal como aprendera no curso. Não consegue soltar o sorriso que a acompanha desde criança. Será que está triste por causa da paixão súbita? Não sabia que o amor entristece. Já ouvira falar mas não experimentara. É verdade.
Depois de examinar-se por dentro, a alma sufocada, ergue-se até às alturas como merece, porque, afinal está próxima a sua libertação. Não na cidade, mas na Serra, na natureza, onde o espírito paira liberto das vilezas humanas.
Na primeira curva da trilha conseguiu ficar só com ele, de frente, olho dentro do olho. Uma loucura. Não contaria para ninguém, nem para sua melhor amiga, como sofreu e que no sofrimento também se goza. Foi então que usou dos seus poderes - a cigana já lhe havia dito que os tinha superiores a outras mulheres, a outras pessoas, era uma questão de oportunidade e confiança em si. E foi ali mesmo que todos os seus poderes foram invocados, numa reza silenciosa e comovida, em nome do céu e de sua própria felicidade.
Chegara a vez do indescritivel, seu primeiro encontro. E sem palavras. Como se fossem mudos.
De repente, como se nas asas do vento, sumiram os dois. A busca de um mundo não circunstancial. Não havia mais ônibus nem excursão, nem turistas, nem guias, nem nada. Só havia a Serra e sua convulsão no passado, a natureza silvestre e saudável, cheia de lua e sol, de caça e mel, de flores e de espinhos. Como a mulher, como a Capivara, ela mesma.
E encantaram-se na Serra.


***
Até hoje os habitantes de São Raimundo Nonato, caçadores e não caçadores, trabalhadores do Parque e da cidade, homens simples e intelectuais, todos procuram o casal. Como buscam o homem de 50 mil anos atrás.
E não encontram.
É a suprema ventura dos que se encantaram no amor.
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Extraído do livro “Rebelião das Almas”, inédito mas já na gráfica para impressão, com prefácio do escritor Moura Lima
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