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Erotico-->42. CARREIRA TARDIA -- 29/08/2002 - 07:27 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Jesualdo, após nove meses de casamento, teve a ventura de receber da esposa o primeiro filho realmente legítimo. Deu-lhe o nome de Marcos Ângelo e paparicou o pequenino ser com meiguice e pureza. Avançado em idade, parecia ter remoçado com o conhecimento de relacionamento estável e confiável. Carlos Alexandre foi como se chamou o segundo pequerrucho. Em dois anos de casamento, seis criaturas enchiam-lhe a vida de imensas alegrias íntimas.

Durante esses últimos dois anos, dedicou-se intensamente à caridade, transformando, uma a uma, as propriedades que adquirira com intuitos comerciais em centros de atendimento espiritual. Destinava, ainda, boa parte do que ganhava para as obras de várias instituições, o que desde há tempos vinha fazendo, agora com o apuro de ter produzido honestamente o fruto para as doações.

Nesse tempo, sério problema foi crescendo-lhe na mente: o que fazer com o resultado das atividades criminosas. O dinheiro começava a queimar-lhe os dedos e as quantias eram tão vultosas que, se distribuísse pela cidade, não teria como explicar-lhe a origem. Deixar nas mãos dos criminosos seria incentivo à marginalidade, ao contrabando, ao furto, ao narcotráfico. Por outro lado, temia deixar para o governo, pois, com certeza, haveria investigações que revelariam a procedência da fortuna, isto caso não se desviasse para o crime organizado, mediante as infiltrações que se ramificavam por inúmeros setores.

Além desse sério percalço à realização de seu retorno à vida familiar plenamente moral, outro havia que Jesualdo não sabia como contornar: o fato de as posses terem provindo das atividades de fora-da-lei. Começava a doer-lhe a consciência por não poder doar-se inteiramente à esposa, já que, provavelmente, o seu passado a arrastaria para a infelicidade de ter de pajear a recuperação de ser tão maligno. Jesualdo ainda não acreditava na força do amor e não confiava na misericórdia divina.

Nesse meio tempo, teve grave problema com o capataz. O homem era rigorosamente sério mas aliado político do prefeito, de modo que as rusgas partidárias interferiam em seu reto raciocinar. Se o prefeito se via ameaçado, lá ia chamar o Gerôncio para a defesa de seu patrimônio moral ou físico. Foi assim que, certa feita, por quireras eleitorais, se viu o administrador envolvido em crime de morte. Defendera o amigo prefeito além do que se poderia exigir em sã razão. Na fuga, aproveitando-se da ausência do patrão, encheu caminhão com seus pertences e desapareceu rumo à capital.

Alfredo, pela primeira vez, viu-se atacado de rijo em seu amor-próprio. Sentiu-se lesado pela prefeitura muito mais do que pelo estafermo, que tudo perdia por uma paixão idiota. Dirigiu-se à sede da administração pública e exigiu ser recebido pelo prefeito. Este não estava disposto a ouvir censuras, mas não podia deixar de atender a quem tanto apoio lhe vinha dando e à sua campanha. Percebia, tardiamente, que o forasteiro conseguira sorrateiramente ficar a cavaleiro da situação, mercê das contribuições.

Atendido, Jesualdo impôs à municipalidade, na figura do prefeito, que lhe ressarcisse dos prejuízos. Para isso, fez longa lista dos objetos roubados, dentre os quais se contavam inclusive os filtros da piscina e a antena parabólica. A cifra subia a vários milhões. Mesmo que o prefeito mobilizasse os amigos, dificilmente conseguiria recompor o patrimônio do fazendeiro. Aguardasse as investigações policiais.

Jesualdo conhecia bem os trâmites da corrupção e os caminhos dos despojos produzidos pelos assaltos. Nessa hora, nos bons tempos, bastava simples telefonema para obter de volta carregamento e carregador, em vinte e quatro horas.; carregamento acrescido de desculpas pelo engano.; carregador encarcerado em féretro lacrado.

Interessado em participar dos eventos sociais mais sadios, Jesualdo esquecera-se de que os homens se deixam contaminar pelo poder, pela glória e pela riqueza, onde quer que estejam. Não queria, contudo, pactuar com as anomalias de comportamento dos criminosos, agora que se via em condições ótimas de sobrevivência, sem sobressaltos, sem ameaças, sem medos e sem riscos. O roubo foi banho de água fria na fervura de suas idealizações.

Antes que pudesse revelar o quanto sabia a respeito das atividades do submundo, calou-se e recolheu-se ao lar, para examinar a fundo a sua participação nos acontecimentos. Nos bons tempos do morro, podia deixar a residência aberta que ninguém se atreveria sequer a olhar para dentro. Imaginar que algum dos guarda-costas pudesse subtrair algo de seu, nem em sonhos. Agora ficara ao alcance da pessoa em quem deveria mais depositar fé e confiança. Que estranha maneira de aprender a moralidade espírita! Que diria a mãe a respeito dessa investida em sua estabilidade emocional? Será que teria alguma explicação, como prova a que se submetia, teste, expiação, carma?

Sopesou as reações psíquicas e concluiu que fora intempestivo em ir ao encontro do prefeito, embora julgasse que, bem pensando, seria o mínimo que qualquer pessoa faria. A imposição da devolução dos bens, entretanto, pareceu-lhe muito forte, de modo que resolveu aguardar o desfecho do caso. Preocupava-o o fato de que, pela atual disposição, não teria coragem de restabelecer as condições materiais da fazenda através do dinheiro guardado, ao mesmo tempo que os lucros de suas empresas não eram tão substanciais para devolver-lhe os bens. Certamente, deveria privar a família do conforto da fazenda por algum tempo, mesmo porque a restauração de tudo poderia levantar suspeitas.

Contudo, a substituição da pessoa do administrador se fez com facilidade: havia, no centro espírita, diversos indivíduos de boa formação moral, aptos ao exercício da função. Foi assim que levou para lá um dos mais assíduos e preclaros conhecedores da doutrina. Finalmente conseguira alguém com quem conversar a respeito dos temas que via controversos e de difícil intelecção para quem não estava compenetrado da necessidade do evangelho. Quem sabe o mal poderia transformar-se em bem?...

Mas o ladrão foi preso, apesar da proteção do prefeito. O sangue derramado despertou a curiosidade da imprensa, de modo que não houve meios de subtrair o criminoso à ação dos adversários políticos. Nesse meio tempo, Jesualdo desapareceu do local, tendo viajado para lugar incerto, com toda a família, deixando o novel capataz com a responsabilidade de atender às insistências dos repórteres e à constância do prefeito, por ter recomposto os bens nos devidos lugares.

Jesualdo só retornou à cidade após ter o caso esfriado, mas cônscio de que havia perigos a enfrentar, mesmo estando seguro na nova identidade. Se aparecesse nas telas da televisão, provavelmente correria o risco de ser reconhecido. Estava bem diferente, mas não gostaria de perder o que vinha conquistando com o sacrifício da antiga personalidade.

Em sua reflexão íntima, julgava que sua carreira no campo da honestidade começara tarde demais, não vendo perspectivas para superação de todos os percalços conscienciais. Lembrava-se dos que deixara estendidos nas sarjetas.; imaginava o desespero de quantos se iludiram pelas drogas.; revia a angústia dos que perdiam os veículos, roubados na via pública para serem revendidos por ínfimas quantias, nos desmanches ou no comércio espúrio dos receptadores.; banhava os olhos nas lágrimas da mocinhas que perdiam os sonhos de realização familiar, arrastadas para o meretrício, muitas vezes a poder da dissipação moral da mãe e do pai.; tremia na pele das crianças que sentiram a rajada da metralhadora a estilhaçar o vidro que protegia a fotografia da família do irmão.; ardia na vergonha de sentir sobre si o olhar reprovador da jovem amante, perdida para a vida pela sua cupidez e superior imbecilidade. Deprimia-se diante da extensão dos crimes e sentia os do plano espiritual plenos de compaixão pela sua ignóbil voracidade de poder. Via a família de Carlos reunida para orar em prol de sua integração ao campo vibratório de seu amor e consideração. Era já capaz de raciocinar em termos espíritas, mas não via solução para o seu caso.

Iniciava tardiamente a carreira, como o pai, como o irmão. Lembrou-se de Marcos, que não tivera tempo sequer de se recompor moralmente e fora colhido pela morte. Ele, ao menos, estava dando-se uma oportunidade. Tardiamente, embora, iria dar continuidade ao que iniciara. Não estava ali junto dele a sua Renata, a apoiar-lhe as iniciativas no âmbito da caridade? Não fora ela quem o aplaudira por deixar nas mãos de Deus o destino de seus pertences? Não fora ela quem dissera que os guias estavam contentes com o progresso no estudo do espiritismo? Não esmoreceria. Resolvera alterar o rumo da vida. Fá-lo-ia integralmente.

Pegou da caneta e escreveu ao irmão. Precisava restabelecer os elos rompidos da cadeia da vida.

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