Nos anos 60, as grandes e as pequenas autoridades brasileiras, então no poder, é óbvio, tanto aprontavam que o genial escritor Sérgio Porto (ou Stanislaw Ponte Preta) criou, no jornal Última Hora, o Festival de Besteira que Assola o País (o famoso Febeapá).
Agora, 30 anos depois, o Lula, falando sobre a expulsão do PT do meu colega de faculdade e amigo Paulo de Tarso, disse a pérola: "Democracia é bom, mas tem hora."
Adoro este país. Com a palavra do Sérgio Porto:
- É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da redentora, cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem "otoridades", sentindo a oportunidade de aparecer, já que a redentora, entre outras coisas, incentivou a prática do dedo-durismo, iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar.
- Uma inspetora de ensino no interior de São Paulo, ao saber que seu filho tirara zero numa prova de Matemática, embora sabendo que o garoto era um debilóide, não vacilou em apontar à s autoridades o professor da criança como perigoso agente comunista.
- O delegado de Oswaldo Cruz (SP) proibiu homens com cabelo comprido de dirigirem carros, alegando que, vistos de trás, não se sabia se eram homens ou mulheres.
- Ibrahim Sued ao estrear programa de televisão disse: "Estarei aqui diariamente à s terças e quintas."
- Um time da Alemanha Oriental vinha jogar no Brasil e o Itamarati distribuiu uma nota avisando que os alemães só jogariam se a partida não tivesse cunho político.
"Cunho político", explicaria depois o próprio Itamarati, era tocar o hino nacional dos dois países.
- Em Mariana (MG), o delegado baixou uma portaria dizendo que moça só poderia ir ao cinema com atestado dos pais.
- Em Belo Horizonte outro delegado distribuiu espiões pelo estádio de futebol porque "daqui para a frente quem disser mais de três palavrões, torcendo pelo seu clube, vai preso".
- O secretário de Segurança de Minas proibiu pernas de fora em bailes carnavalescos para "impedir que apareçam fantasias que ofendam as Forças Armadas".
- Em Brasília, o diretor de Suprimento proibiu a venda de vodca "para combater o comunismo".
- Em Petrópolis, cidade serrana do Rio de Janeiro, o prefeito baixou uma portaria ditando normas para banhos de mar à fantasia.
- Em Niterói, numa feira de livros, a polícia apreendeu vários exemplares da encíclica papal Mater et Magistra.
- Quando se desenhou a perspectiva de uma seca no interior cearense, as autoridades dirigiam uma circular aos prefeitos, solicitando informações sobre a situação local depois da passagem do equinócio. Um prefeito enviou a seguinte resposta à circular: "Doutor Equinócio ainda não passou por aqui. Se chegar, será recebido como amigo, com foguetes, passeata e festas."
- O governo explica como calcular o seu novo aluguel: "Deve-se subtrair do aluguel vigente o aluguel que teria de pagar por lei e multiplicar a diferença encontrada por 1,079, que dará X. Depois, multiplica o aluguel que seria corrigido pela lei por 1,17235 conforme manda a tabela, obtendo o resultado Y da terceira operação. A soma de X e Y é igual ao novo aluguel a pagar."
- Chovia muito em maio e os sonegadores do leite estavam em plena atividade sem a menor punição. Houve um cavalheiro, presidente da CCPL, que veio a público para explicar que, "com a chuva, as vacas dão menos leite".
- No Recife, quem tocasse buzina na zona considerada de silêncio pagava uma multa de 200 cruzeiros. O deputado Alcides Teixeira sabia disso, mas distraiu-se e tocou. Um guarda o multou. Alcides deu uma nota de mil para pagar os 200 e o guarda não tinha troco. O deputado então deu mais quatro buzinadas.
O novo chefe do Serviço de Censura, senhor Romero Lago, impediu que cineastas estrangeiros filmassem no Brasil "a fim de evitar que distorcessem a realidade nacional".