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Erotico-->39. NAS HORAS DE SONO -- 26/08/2002 - 05:47 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O espírito de Jesualdo se dispunha, toda noite, ao encontro com o etéreo, cumprindo rigorosamente a programação estabelecida. Vinha ávido por informações e as horas de repouso foram tornando-se a angústia irreprimível e contundente de quem deseja ultrapassar os próprios limites da compreensão.

Desejava conhecer a verdade. Desde que perdera a noção da personalidade criminosa, tudo a que aspirava era tornar-se igual àquelas criaturas que lhe vinham falar do amor de Deus e da missão de Jesus. Tudo inquiria, até mesmo a respeito de temas que os próprios orientadores não se sentiam seguros para explicar. Promovia curso de extensão superior e facultava aos monitores oportunidades valiosíssimas para a pesquisa e o conhecimento.

O interesse inicial se deu em função do reencarne. Alfredo queria saber por que o homem necessitava internar-se na carne para progredir. Em sua obtusa visão das coisas, julgava que Deus tudo poderia ter realizado à luz de sua perfeição, de modo a não obrigar as criaturas ao sofrimento e à desdita do esforço nem sempre concentrado na direção correta do reino do Pai.

Nepomuceno era o porta-voz do grupo. Quase sempre era quem buscava elucidar os pontos em questão, principalmente no que se referisse ao conhecimento técnico dos temas. Foi trabalhoso mas, após diversas sessões, acabou por convencer o filho de que não haveria mérito algum em a criatura se sentir desde logo apta a usufruir a regalia do bem maior. Se Deus criasse seres perfeitos, concluiu, seriam outros deuses de mesma potencialidade, de sorte que se integrariam em uma só entidade suprema, sem a possibilidade de se compenetrarem da própria grandiosidade de existir. Para a compreensão da beleza, do amor, da verdade, haveria todo ser de lutar para a aquisição de cada pedacinho da perfeição. Essa luta é a verdade maior da existência, desde que cada criatura se compenetre de sua potencialidade. Queria aventura mais bela do que o crescimento espiritual, na expectativa dos ganhos definitivos das virtudes?!

Nepomuceno se desculpava diante do filho por não saber exprimir-se com maior rigor evangélico. Mas enaltecia o fato de poder alegrar-se por estar a treinar socorrismo e por considerar-se apaniguado por ter a oportunidade de responder, quando se achava na humilde posição de perguntar. Que Alfredo sentisse o quanto de verdade se colocava em suas expressões de carinhoso afeto e que visse nas informações prestadas o próprio coração do orientador.

Alfredo julgava-se na presença de ser de superior quilate, nem sequer desconfiando de que se tratava do espírito do pai. O esquecimento do passado era completo.

Desperto, Jesualdo não se recordava de nada que ouvia, de modo que o curso noturno não lhe adiantava um passo para as ânsias conscienciais. Era como se fossem duas criaturas. Se quisesse romper com esse dualismo, bastava não aceitar a condição do esquecimento, mas voltaria a ficar à mercê das forças espirituais com que se defrontara antes. Era, pois, de muito bom grado que se dava a esse esquisito acordo.

Mas havia penetração possível no que se referia às dúvidas a serem propostas ao esclarecimento noturno. Quando o mistério da vigília se punha de modo problemático, era transformado em questão e debatido durante o sono, a ponto de favorecer, dando-se a compreensão do tema, a que, desperto, se sentisse confiante e apto para deslindar o problema. Muitas vezes, portanto, o aprendizado da noite o encaminhava para encontrar a solução durante o dia, não raras vezes por indicação expressa da fonte mais plausível à mão.

Nesta fase do andamento dos estudos, Jesualdo já de velho estava vivendo na fazenda, com todas as obras possíveis, o que, ao contrário de ser benéfico, até oferecia alguns tropeços, dado que as leituras, muitas vezes aleatórias, punham temas à discussão sem roteiro didático. Se Jesualdo se dignasse a comparecer às aulas e palestras do centro, receberia, por certo, orientação melhor dirigida, principalmente porque lhe era muito difícil receber influxo intuitivo.

Outro ponto que causou longa polêmica entre os instrutores e o discípulo foi sua renitência em admitir a possibilidade de o mundo espiritual relacionar-se com o material. Via-se desprendido do corpo, sem memória, de sorte que, não conhecendo os episódios das vidas pregressas, não havia como correlacionar as atitudes de antanho com a maneira atual de ser. Trazia da carne a sensação do desperdício, como se tudo o que fosse gozado se tornasse vazio, de modo que a noção de existência ficava presa à inutilidade das ações. Aliava a esse princípio o fato de julgar que as pessoas necessitam de lutar para se imporem ao mundo, como, de resto, via ocorrer na vida dos animais, onde a defesa individual se sobrepunha a tudo. Reconhecia o espírito gregário de muitas espécies, mas atribuía o fato à precisão que sentiam de se defender dos predadores. O próprio homem, de acordo com seu modo de ver, passava noventa e nove por cento da vida buscando superar a condição de inferioridade em relação ao meio ambiente e à sociedade devoradora dos fracos. Se houvesse razão superior de ser para a vida na matéria, certamente se refletiria nas conquistas claras dos ganhos morais, o que se evidenciaria em sociedade mais equilibrada, onde todas as criaturas teriam ensejo de aprender e progredir. Do jeito que estava, os encarnados só se devoravam, sem proveito algum. Ou seria o sofrimento a meta principal do encarne? Se fosse, só serviria para fomentar a revolta e a desconfiança de que os seres estão abandonados de Deus.

As lucubrações eram sérias e não podiam ser contraditadas sem longa explanação dos fundamentos morais que devem embasar o princípio evolutivo. Para facilitar a exposição das razões cármicas para o encarne em dor e sofrimento, foi necessário demonstrar que o homem é dono do destino. Se, às vezes, se vê às voltas com a prepotência de outros seres, somente na condição física se vê presa dos algozes. O espírito é livre e exerce sua liberdade. Se a dor, o sofrimento, a subjugação se realizam, é porque há necessidade de se reverterem as tendências ao egoísmo, ao orgulho, à vaidade. Imaginasse Jesualdo a situação do algoz, do déspota, do tirano, na presente encarnação. Não lhe parecia justo que todo o sofrimento causado às demais pessoas se voltasse contra o agressor, em encarne subseqüente? Não estaria acontecendo justamente o mesmo processo, em relação às pessoas que sofriam? Será que não teriam sido elas quem procedeu com orgulho, com ódio, com intenção maligna, em vida anterior?

Explicava-se, assim, pela exemplificação, que novas provas aguardariam por Jesualdo em encarne expiatório dos crimes que cometera.

Lúcido, angustiava-se pela extensão dos males e dos horrores que patrocinara. Temia pelo sofrimento que adviria.; não pensava ainda na realidade crua de suas vítimas. Desvinculava-se do sofrimento alheio e principiava a antever o seu.

Nesse ponto dos debates, volveu o interesse para a tese do perdão. Teria o Pai meios de permitir ao indivíduo redimir-se, sem que sofresse as mesmas dores que provocara? Por outra: seria possível pagar os débitos, através de serviços prestados, sem perpassar pelas mesmas agonias provocadas nos companheiros de existência?

Nepomuceno gostaria de dizer que sim, mas lembrou-se de que ele mesmo estava a passar pelo crivo da responsabilidade de levar ao antigo desafeto as luzes de seu saber. Referiu-se a Jesus, à sua prece de amor, o pai-nosso, e à sua exortação ao Pai, no momento culminante do calvário. "Perdoa, Pai, porque não sabem o que fazem" e "à medida que perdoamos os nossos inimigos" deviam formar conjunto de expressão apostólica superior. Jesus perdoava os que o punham pregado à cruz, mas sabia que só seriam perdoados se, por sua vez, perdoassem os seus inimigos.

Proibido de relembrar o seu caso particular, Nepomuceno conduziu Alfredo à presença de alguém que orava profundamente comovido, na ânsia de conseguir o perdão de Deus, no instante em que se compenetrava de que deveria perdoar os devedores. Nesse momento de enlevo e êxtase, permitiu que os sentimentos do penitente se revelassem ao discípulo. Deu-se, então, a demonstração de que todo o sofrimento dos inimigos se transformava em vibrações dolorosíssimas que perpassavam o perispírito de quem orava, de modo que o amor em vias de realização passava por momento de profunda agonia. Não havia resgate sem dor. Essa é a lei.

Convencia-se, assim, o pupilo de que não havia como fugir do sofrimento.

Ultimamente, o seu interesse foi despertado pela vida futura. Já que o passado lhe estava interdito, queria saber qual era o seu destino.

Por força vibratória conjunta, foi criado quadro de profunda harmonia e beleza. Na tela imensa, configurou-se abertura pela qual penetravam seres alvíssimos, dulcíssimos, puros e perfeitos. Era como que a materialização do portal do paraíso. De repente, Alfredo reconheceu-se em um dos espíritos de luz que, em esplendor de felicidade, adentravam o reino de Deus. Era a glória final da existência.

Desde aquela noite, não mais interrogou os mestres no intuito de embaraçá-los ou desdizer dos ensinamentos. O discípulo, finalmente, compenetrava-se da necessidade de aprender.

Era o tempo em que se completava o primeiro aniversário de sua "morte".

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