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Artigos-->DA HISTÓRIA À MEMÓRIA NAS POESIAS DE OSWALD DE ANDRADE -- 31/05/2006 - 17:31 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DA HISTÓRIA À MEMÓRIA NAS POESIAS DE “HISTÓRIA DO BRASIL” DE OSWALD DE ANDRADE

Por: Jayro Luna (Jairo Nogueira Luna)

Prof. Dr. Jairo Nogueira Luna é professor de Literatura Brasileira no curso de Letras da UNICSUL.

Apresentado no I Simpósio Internacional Autobiografia 2005 - FFLCH/USP



Resumo: Neste breve estudo buscamos comentar acerca da modificação que os textos de caráter histórico e historiográfico de cronistas e viajantes dos séculos XVI e XVII sofre ao ser aproveitado como matéria poética pelo artifício do ready made nos poemas de “História do Brasil” (Poesia Pau-Brasil) de Oswald de Andrade. Em que mais do que um efeito demolidor sobre o passado histórico, Oswald procede a um processo de construção de uma visão de Brasil fundamentada na função poética e na crítica da História acabada com uma visão única do passado.



Palavras-chave: Oswald de Andrade; História do Brasil; Memória; Épica e Ready Made.



1. Da História à Memória



Os termos “História” e “Memória” podem, dependendo da forma como os abordamos, parecer contíguos e complementares ou parecer diferentes com alguns pontos em comum, mas em outros, quase opostos. Se pensamos em “História” assim com letra maiúscula, temos por objeto uma ciência humana, organizada, documentada com princípios internos e estruturais que designam a práxis do historiador. Nessa “História” estão implícitos pensamentos como o estudo do passado, das civilizações, das culturas e dos homens que determinaram e foram determinados pelo seu tempo. Por sua vez, “Memória” designa uma capacidade humana de guardar fatos, idéias na mente. Daí que, analogamente, dizemos hoje que o computador tem memória para nos referirmos a determinado aspecto do hardware.

Mas é lógico que a coisa assim exposta é parcial e rarefeita, superficial. Para termos uma idéia da complexidade que envolve a compreensão dos dois termos podemos entre muitas referências, buscar a compreensão desses termos em Walter Benjamin.

Em “O Narrador” lemos:



“Não há nada que de forma mais duradoura recomende histórias à memória do que aquela casta concisão que as subtrai à análise psicológica. E quanto mais natural o modo pelo qual se dá, para o narrador, a renúncia ao matizamento psicológico, tanto maior se torna sua candidatura a um lugar na memória do ouvinte, tão mais plenamente as histórias se conformam à experiência pessoal dele, tanto maior é sua satisfação em, mais dia menos dia, volta à contá-las.”

(BENJAMIN, p. 62)



Ora, Benjamin está a nos falar da figura do Narrador, daquele que tem na prática oralizada a função de passar as histórias que conhece de memória. Se buscamos compreender a origem da ciência histórica, vamos acabar encontrando-a na Grécia Antiga, naquele limite entre a cultura oral e a cultura escrita. No limite que separa, por exemplo, a Ilíada de Homero da História de Heródoto. Se ambas as obras, as conhecemos escritas, convém lembrar que a obra homérica tem uma base oral, ela existia, fragmentada nas narrações dos aedos. O grande mérito de Homero foi o de compilar e dar uma forma e um estilo ao conjunto de episódios sem, no entanto, preocupar-se com o sentido real dos fatos, mas sim com seu sentido simbólico. Já Heródoto buscava nas suas narrativas a explicação mais ordenada e coerente com a lógica que determinava sua compreensão da realidade.

Como observa Jeanne Marie Gagnebin comentando acerca do texto de Benjamin:



“A historia [adap. do termo grego historiai] repousa numa prática de coleta de informações, de separação e de exposição dos elementos, prática muito mais aparentada àquela do colecionador de elementos, figura-chave da filosofia e, também, da vida de Benjamin, do que àquela do historiador no sentido moderno que tenta estabelecer uma relação causal entre os acontecimentos do passado. Os objetos dessa coleta não são anteriormente submetidos aos imperativos de um encadeamento lógico exterior, mas são apresentados na sua unicidade e na sua excentricidade como as peças de um museu.”

(GAGNEBIN, p.12)



Com efeito, seja o sentido antigo de História, apenas como um colecionador de fatos do passado, seja num sentido moderno, daquele que busca o entendimento lógico do passado, em ambos os casos, a memória tem papel apenas inicial ou até iniciático da prática histórica. Não é à toa que entendemos por “Pré-História” ao período que antecede o surgimento da escrita e a Antropologia moderna tenta buscar nas culturas ágrafas, principalmente nas contemporâneas, o entendimento das formas simbólicas que elas utilizam, como desenhos rupestres, tinturas no corpo, objetos talhados e também suas narrativas mitológicas transmitidas oralmente, para poder suprimir, ao nosso modo de entendê-las, uma falta que nos parece difícil de compreender.

Nesse sentido, o épico está mais próximo do sentido da história narrada oralmente do que da história escrita. Milman Parry já havia apontado essa relação. E os aspectos do legado oral na narrativa escrita épica podem ser entendidos, p.ex., no estudo de Kellog e Scholes . De fato, quem quiser estudar as grandes navegações, por exemplo, tem por fonte, várias narrativas de cronistas e viajantes como ponto de partida e não um poema como Os Lusíadas. Neste caso, a “Ilha dos Amores” é um episódio injustificável historicamente. Mas de grande efeito quando lido em voz alta, dando ao fim da aventura de Vasco da Gama um sentido alegórico que apenas os textos poéticos podem alcançar.

Já em Giambattista Vico , na sua concepção teórica das idades das civilizações, a idade poética precede a dos historiadores. A primeira imagem do mundo é poética e está ligada à memória, assim também é a infância. O aprendizado da escrita é o momento em que o tempo e a lógica dos acontecimentos subordina a imaginação e circunscreve o mito ao âmbito paralelo e menor do que a realidade circundante.

Porém, o passado, seja para servir de base à narrativa de memória, seja para servir como objeto da História pode ser compreendido pelo menos de duas formas distintas, e isso Benjamin tenta nos mostrar. Existe uma imagem do passado que tende ao continuum, que se liga ao conceito de presente e de futuro, que é parte do tempo. Tal imagem é a imagem histórica. Relações lógicas de causa e efeito a dominam, mesmo que sejam muitas relações e daí temos uma grande possibilidade de variáveis, veja-se, por exemplo, quando tentamos entender as razões que motivaram as Cruzadas na Idade Média e as causas de seu fracasso e por outro lado, as conseqüências do contato dos cristãos com os árabes para a cultura européia, notadamente nas normas de cavalaria, na matemática e nas ciências.

Mas existe uma outra imagem do tempo que é descontínua, que é não diacrônica, mas sincrônica. Olgária Mattos estudando o sentido de “Memória e História” em Walter Benjamin escreve:



“Se para Marx, o proletariado retira sua poesia do futuro e não do passado, para Walter Benjamin o proletariado retira a sua poesia do passado e não do futuro, porque para Benjamin trata-se de uma relação com a tradição. Existe uma relação com o passado que é a da identificação ou da repetição e existe uma relação com o passado que é a da construção. Para Benjamin o passado não permanece tal como gostaríamos que permanecesse, como dele só nos restam fragmentos que nos vêm aos pedaços, recebemos uma tradição como herança, mas uma herança sem testamento, não sabemos o que fazer dela, não existe um controle do tempo histórico segundo o qual o presente possa compreender em toda sua inteligibilidade o passado.”

(MATTOS, p. 152)



Ora, a tradição se sustenta em muitos casos, nas práticas orais: as narrativas folclóricas, os mitos, os contos populares, as piadas, as cantigas têm essa origem. Daí que a figura do imperador na cultura popular tenha um sentido diverso da figura do imperador na História do Brasil. Na primeira, tal figura associa-se à alegoria e ruma para o mítico, na segunda ela é humana, dessacralizada e convertida em um conjunto de padrões de causa social, cultural e lógica. Por isso, principalmente, é que o Sebastianismo subsiste na cultura popular do Nordeste, ao passo que ele se desmistifica no entendimento histórico.

Assim, a Memória fornece mais subsídios para a narrativa oral, para o épico e para uma visão edênica do mundo caracterizada por uma tentativa de dar univocidade ao fragmentário ao passo que a História converte tudo isso em relações lógicas, analisáveis e desmontáveis em suas partes.

Benedito Nunes buscando em Heidegger o entendimento do fenômeno poético comenta a certa altura que:



“Em geral, concebemos a ‘realidade histórica’ sob a perspectiva do tempo vulgar, à semelhança de um processo que corre do passado para o presente e do presente para o futuro e de que somos agentes e pacientes. O amanhã é o ponto de chegada, o ontem, o de partida, e o hoje, a transição alongável, aonde confluem os acontecimentos pretéritos e as causas produtoras dos fatos novos, os quais serão históricos quando ingressarem na dimensão do passado.”

(NUNES, p.145)



No entanto, Benedito Nunes recuperando o conceito de “Dasein” em Heidegger observa que a historicidade só existe na possibilidade de deixar o passado e torna-se presente e parafraseando o filósofo alemão, Nunes escreve: “O Que é somente passado, não tem ‘História’, mesmo antes de haver passado. O que não cessou de ser, ao contrário é histórico.” Assim, parece-nos que a diferença entre História e Poesia passa também pela diferença entre Memória e História, num cruzamento de conceitos em que a Memória está mais ao lado do poético, ao passo que a História se distancia da Memória na medida em que se sistematiza na compreensão lógica e filosófica do passado. Memória e Poesia são expressões da individualidade e a História tem sempre um primeiro sentido de caráter coletivo.



2. O Descobrimento do Brasil na Poesia de Oswald de Andrade.



Um dos acontecimentos históricos mais presentes na poesia Pau-Brasil e antropofágica de Oswald de Andrade é o descobrimento do Brasil. Em outro trabalho nosso, Memória do Descobrimento do Brasil no Discurso da Poesia Brasileira , buscamos demonstrar como a forma de trabalhar o tema em questão – o Descobrimento – e inclusive, em alguns, a ausência do trabalho com o tema em alguns períodos da História da Literatura Brasileira, e em outros a substituição do tema pelo Descobrimento da América indicam aspectos culturais e políticos que interferiram na visão poética do Mundo. No caso específico de Oswald de Andrade, o Descobrimento do Brasil é trabalhado com destaque no conjunto de poemas que se intitula “História do Brasil” do livro Poesia Pau-Brasil (1924). O conjunto de poemas “História do Brasil” está composto por secções menores (Pero Vaz Caminha, Gandavo, o Capuchinho Claude D’Abbeville, Frei Vicente de Salvador, Fernão Dias Paes, Frei Manoel Calado, J.M.P.S. e Príncipe Dom Pedro) que podem, cada uma, comportar de um (J.M.P.S., por exemplo) a 8 poemas (Gandavo), cada qual com seu título próprio.

A primeira coisa a se observar é que a técnica de composição poética utilizada é a do ready made. Importada do Dadaísmo e do Cubo-futurismo, essa técnica tornou-se uma das principais na poesia moderna da Oswald de Andrade, assim como a montagem eisensteniana e a metonímia de caráter cubista. Haroldo de Campos e Décio Pignatari , num trabalho de recuperação da poesia oswaldiana para a crítica, observaram a importância dessa técnica na composição oswaldiana, salientando que ela significava em Oswald mais do que apenas um processo destrutivo, demolidor de padrões – como era característico das Vanguardas Européias – mas, sim, um processo de demolição/construção e de instauração de uma nova ordem.

Vera Lúcia de Oliveira analisando os poemas de “História do Brasil” comenta que Oswald de Andrade: promove uma relação dialética e conflituosa entre os textos sobrepostos, procurando uma diversa decodificação da história.”(OLIVEIRA, p. 123). Pois bem, essa diversa decodificação da história é justamente aquela de que falávamos.

Os poemas construídos a partir da técnica do ready made relativizam a historicidade. Se atentarmos para o fato de que cada secção tem por título o nome do autor a quem pertencem os textos originais, temos diante de nós a sugestão de que quem nos fala são os próprios autores, agora presentificados numa série de fragmentos de discurso. Tais fragmentos recuperam o sentido da Memória. As partes que antes pertenciam a extensos parágrafos narrativos, em Oswald aparecem cortados em pequenos trechos como se fossem versos e, na instauração da poeticidade, não mais se faz necessário a lógica discursiva do texto referencial, mas a função poética é que se pronuncia dominante. No caso, por exemplo, de “Pero Vaz Caminha”, secção composta por quatro poemas: “a descoberta”, “os selvagens”, “primeiro chá” e “as meninas da gare”. Pequenas alterações da ordem na colocação de algumas palavras (pronomes, artigos) e inversão de número são algumas das pequenas modificações em relação ao texto original (“A Carta ao Rei D. Manuel” de Pero Vaz Caminha. No poema “a descoberta” a comparação entre os versos do poema e o trecho do parágrafo de Caminha nos revela um conjunto de operações de composição poética:



“E assim, [seguimos nosso caminho por esse mar de longo]/ [até] terça-feira de [Oitava]s [de Páscoa]/, que foram 21 dias de Abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita ilha, segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas; os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho; e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, [topamos aves]/ a que chamam fura-buchos e neste dia, a hora de véspera, [houvemos vista de terra]!, a saber; em primeiro lugar um monte grande, muito alto e redondo e outras serras mais baixas ao sul dele; e terra chã com grandes arvoredos.”



Marcamos em itálico e cercamos com colchetes os trechos que compõem o poema de Oswald e colocamos o sinal “/” para marcar os cortes dos versos no mesmo poema. Podemos perceber como o trecho não é contínuo, e ainda, como pequenas diferenças em relação ao original modificam o sentido do conjunto, como a colocação no singular da referência à semana da Páscoa e que, acrescida da ausência da data no ano (21 de Abril) dão ao verso um sabor de simplicidade coloquial. E ainda, a aproximação com os fragmentos seguintes: “Topamos aves” e “E houvemos vista de terra” cria a aliteração: Até a oitava da Páscoa / Topamos aves / E houvemos vista de terra”.

Procedimentos semelhantes podem ser encontrados em praticamente todos os outros poemas de “História do Brasil”. Em “Gandavo”, ainda, Oswald mantém aspectos da ortografia original do texto para criar um efeito estético, como no poema “hospedagem”:



Hospedagem



Porque a mesma terra he tal

E tam favorável aos que vam buscar

Que a todos agazalha e convida



A manutenção do “am” em lugar do “ão”, som este que determina uma peculiaridade da língua portuguesa no conjunto das línguas latinas, como que demonstra a visão estrangeira de Gandavo encantado com a terra que vai sendo descoberta. Outro efeito é o de dar ao poema a sonoridade de tambores ecoando pela floresta como nos versos 4 e 5 do poema “salubridade’: “Vem tam puros e coados / Que nam somente nam danam”.

O fato de Oswald preferir o recorte de fragmentos descontínuos, muitas vezes modificados em sutis aspectos sintático-morfológicos em relação aos originais, dá à técnica ready made algo mais. Não é apenas o ready made tal e qual definido no estudo das Vanguardas Européias que é utilizado. Existe um trabalho de recorte, de montagem de fragmentos para compor o todo, o que aproxima os poemas do efeito da montagem eisensteniana e da colagem.

Como observa ainda Vera Lúcia de Oliveira:



“no momento em que se apropria de excertos dos documentos da história oficial (...) para transpô-los em um contexto atual (...) [Oswald] quer fazer ouvir os testemunhos do passado, ou melhor (...)quer fazer ressoar aquelas vozes, para desmascarar suas concepções parciais e até mesmo sectárias.”

(OLIVEIRA, p. 123-124)



Um dos aspectos destacados nos poemas é o estranhamento por parte do descobridor em relação à nudez, principalmente a feminina. Em dois poemas (“meninas da gare” – da secção “Pero Vaz Caminha” e “cá e lá” da secção “O Capuchinho Claude D’Abbeville” nos mostram isso. Em “meninas da gare” ressalta-se a perda da vergonha diante da nudez natural da índia: “Que de nós as muito bem olharmos / Não tínhamos nenhuma vergonha”. Em “cá e lá”, o discurso do capuchinho francês é rearticulado por Oswald no sentido de reforçar o encantamento com essa naturalidade: “Cette costume de marcher nud / est merveilleusemente difforme et deshonneste”, subvertendo-se o sentido das palavras para criar uma relativização da moral em favor do estado edênico da índia.

Em “civilização pernambucana” da secção “Frei Manoel Calado”, recupera-se o sentido da beleza e da sensualidade da mulher, agora preconizada não apenas pela indígena mas pela mulher da colônia: “As mulheres andam tão louçãs / E tão custosas /(...)/ Tudo são delícias / Não parece esta terra senão um retrato / Do terreal paraíso”.

A beleza da mulher é um dos aspectos de um tema maior: a exuberância da natureza tropical. Isto aparece nos poemas em praticamente toda a secção “Gandavo”, nos poemas “o país” (“Capuchinho Claude D’Abbeville’) e “paisagem” (“Frei Vicente de Salvador’).

A busca do ouro e de pedras preciosas, aspecto histórico que determinou a causa das entradas e bandeiras e foi o grande fator de impulso à colonização inicial do interior, principalmente na região de Minas Gerais e Goiás aparece com destaque na secção “Fernão Dias Paes”, mas também em “Gandavo” nos poemas “país do ouro” e “riquezas naturais”. Nesse dois poemas, por meio da apropriação (ready made) e da montagem, Oswald nos mostra que o ouro e as pedras preciosas eram apenas uma das riquezas do país, que sua maior riqueza é a exuberância de recursos naturais. Em “país do ouro”, o título é dado por Oswald para o fragmento de Gandavo que se refere à fartura de alimentos na colônia: “Todos têm remédio de vida / E nenhum pobre anda pelas portas / A mendigar como nestes Reinos”. Em “riquezas naturais” a palavra “metais” se acha colocada de maneira a formar um bloco sintagmático com as frutas e vegetais: “Muitos metaes pepinos romans e figos”.

No poema “prosperidade de são Paulo”, Oswald consegue extrair de um fragmento sem importância do texto histórico de Frei Vicente de Salvador um sentido quase profético ao fenômeno social da migração de retirantes nordestinos para São Paulo no século XX:



Prosperidade de São Paulo



Ao redor desta vila

Estão quatro aldeias de gentio amigo

Que os padres da Companhia doutrinam

Fora outro muito

Que cada dia desce do sertão



Lembremos que à época da escrita do texto de Frei Vicente de Salvador, São Paulo era ainda uma tímida povoação que em nada fazia supor a importância econômica que tem hoje. A palavra “sertão” acaba tendo um significado alterado no poema de Oswald, uma vez que no texto original a palavra queria significar num sentido geral “aquele que vem do interior da floresta” e no poema oswaldiano passa a ser uma referência à migração nordestina para as grandes capitais, com destaque para São Paulo.

O texto “vício na fala” da secção “J.M.P.S.” baseado na carta de um náufrago português destaca o processo de modificação da língua portuguesa, reportando ao tema modernista de valorização da linguagem coloquial e popular na poesia.

Assim em “História do Brasil”, Oswald compõe um conjunto de poemas que modifica o sentido dos textos originais, de forma a mostrar uma visão do Brasil que de um lado pode ser entendida como fragmentária, descontínua e pó vezes, antagônica ou paradoxal, mas, por outro lado, o lado da Poesia e da Memória, o que temos é um texto poético que se apresenta como a visão antropofágica do Brasil no Modernismo de 22, um país em que a miscigenação, os recursos naturais e a exuberância tropical marcam a cultura e o modo de ver o mundo desse povo, que, no entanto, ainda não tem uma consciência histórica fincada no passado, mas na constante mudança. Dessa forma os vários autores citados nos títulos da secções de poemas acabam por se colocarem num mesmo tempo, o tempo de Oswald, sincronizados nos seus fragmentos de discurso com a causa modernista. Esse é o efeito da Memória do narrador owaldiano sobre a historicidade, algo próximo do sentido de recuperação da história dos vencidos de que tratava Walter Benjamin.

Referências Bibliográficas:



ANDRADE, Oswald de. Poesias Reunidas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971.

ARROYO, Leonardo (org.). Carta a El-Rei D. Manuel, de Pero Vaz Caminha. São Paulo, Dominus, 1963.

BENJAMIN, Walter. “O Narrador” em: Os Pensadores (Benjamin/Adorno/Horkhelmer/Habermas). São Paulo, Abril Cultural, 1980. p. 57-74.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo, Perspectiva/Fapesp, 1994.

MATTOS, Olgária. “Memória e História em Walter Benjamin” em: O Direito à Memória. São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, 1992. p. 1515-156.

NUNES, Benedito. Passagem Para o Poético: Filosofia e Poesia em Heidegger. São Paulo, Ática, 1992.

OLIVEIRA, Vera Lúcia. Poesia, Mito e História do Modernismo Brasileiro. São Paulo/Blumenau, UNESP/Edifurb, 2002.





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