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Artigos-->QUANDO O CONHECI -- 19/03/2006 - 22:57 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
QUANDO O CONHECI





Francisco Miguel de Moura*





Quando o conheci, Coriolano era uma dessas criaturas que passeiam todos os dias pelas ruas, exibindo o que de melhor tem, como se estivesse indiferente a todos. Terno e gravata muito limpos, fumava cachimbo daqueles maiores – à moda dos clássicos escritores da Europa do século XIX. Barba cheia, não muito aparada, dava a entender que não queria esconder a cara. Ao contrário, andava ereto, olhando para cima, um olhar indiferente.

Ele existiu com outro nome, que eu o aprendera completo. Por quê? Não me enganara. Era escritor. Principalmente poeta. Mas nunca publicara um livro sequer. Vaidoso do seu valor e da sua bela figura, não dava bolas senão a si mesmo. Talvez cheio de espiritualidade, é possível que compreendesse que este mundo não é este mundo, é uma sombra do outro, aonde as pessoas vêm se aperfeiçoar ou perder-se de vez. Todos voltariam, ao futuro, ao principal, com seus pecados e suas virtudes. A partir desta sombra é que se remodelaria para, no definitivo, ser uma criatura perfeita.

Entrei em contato com ele, diretamente, na casa de um amigo comum, embora tenha tido oportunidade de vê-lo todos os dias pela cidade. Coragem de abordá-lo, nenhuma. Mas ali trocamos algumas frases, pensamentos não completos, filosóficos talvez.

- Não olho para os pés, meus olhos, meu rosto, meus pensamentos estão sempre voltados para o infinito a que se chama vulgarmente céu.

- Mas como tira os sapatos, as meias?

Olhou-me de esguelha como se dissesse:

- “Tenho uma mulher que cuida de mim”.

Mas não disse.

Elogiei-o por sua sapiência no direito e nas doutrinas filosóficas.

Fiz-lhe uma única pergunta impertinente:

- Por que o perseguem?

Não me recordo mais do que disse em latim. Mas deve ter sido mais ou menos isto: “Aquila non captat muscas”

Daí não quis mais importuná-lo. Na ocasião nem fiquei sabendo se era casado, solteiro, viúvo, se tinha filhos.

- “Que bom que ele é otimista!” murmurei.

Daí perdemo-nos de vista.

Alguns meses depois soube que faleceu.. A notícia saiu atrasada, por desejo dele. Não quis que aquele rebanho de gente fosse vê-lo desfigurado, pálido, imóvel, com flores por cima, deitado num caixão. Ser-lhe-ia insuportável humilhação.

Alguém suspeita que tenha deixado um livro de filosofia inédito e, junto dele um testamento de nada, pois nada possuía senão o emprego público que lhe dava o sustento. A mulher não apareceu. Tudo o que os jornais conseguiram de arte foi um soneto manuscrito para um seu amor, despedindo-se dele, à moda de Machado a Carolina, só que bastante inferior, se é que o amigo e os jornalistas não o adulteraram. Li-o e gostei de quase todo. Era de quem sabia metrificação, mas detectei dois versos imperfeitos, não a chave de ouro. Palmas pra ele!

Depois, ninguém mais falou em Coriolano. Nem escreveu nada, sequer um daqueles convites para missa de 7º dia. Não fosse essa crônica, ele estaria definitivamente esquecido deste mundo de sombras.

_________________

*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora no Piauí. Novo e-mail: franciscomigueldemoura@oi.com.br

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