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Poesias-->O MAR (55 trovas populares) -- 29/05/2002 - 12:21 (Paulo Robson de Souza)
1. Este mar é céu, cansado pedaço do firmamento. É o azul precipitado, o liquefeito pigmento. 2. A tormenta entra no cio e dança com o vento frio quando o mar tem arrepios provocados pelo rio. 3. Todo dia, após o açoite do vento no sol vazio, todo mar, todas as noites é o sono de todo rio. 4. A poesia é desperta quando o mar é penetrado – na nua praia deserta – pelo rio quente, cansado. 5. Há profunda calmaria no ventre da brisa quente quando o mar, doce, vigia o leito do rio dormente. 6. O mar espanta a tristeza, desmancha as coisas ruins e refaz toda beleza que se desprende de mim. 7. O mar fertiliza a História enche cada dia de glória pois tempera a humanidade desde as primeiras cidades. 8. Se o mar não está para peixe, fique tranqüilo. Então deixe que se faça da poesia diferente pescaria. 9. Mar: fecundo precipício fincado na escuridão. Líquido alimentício da vida em evolução. 10. Mar: fecunda superfície deitada na claridade que transforma as imundícies em verde longevidade. 11. É o mar cadente véu. É o brilho que descerra o céu no espelho da Terra – fim e princípio do céu. 12. É o mar eterna fonte dos poetas aguacentos de rumos, ondas... sedentos de infindáveis horizontes... 13. É o mar céu debruçado pelo teu deslumbramento. É o anil precipitado por sensível pensamento. ------ [Seção Os sentidos] [Gustação] 14. Sedento da água salgada neste planalto cerrado, bastaria-me uma pitada para eu ficar mareado. 15. Com fome de litoral neste Planalto Central, busco o sal nas lanchonetes das ondas da internet. [Olfato] 16. Deitado na terra quente penso que minhas narinas são poços secos, carentes do cheiro azul das marinas. 17. Folhas caídas na lama... Cheiro bom de maresia... Vive a sulfídrica cama da síntese de poesia? 18. O gás de ácido nome corrói a matéria viva, ou é o tempo que consome a matéria reativa? 19. O vento leva a lembrança do mangue reelaborando a matriz da substância viva, que vai... caminhando! 20. O vento é o rastro do dia, o espaço-tempo na via... Faz piruetas com o ar, muda o tempo de lugar... 21. O vento é o rastro do dia. É o espaço translocado para o vácuo que seria por outro espaço ocupado. 22. O vento é um grande avião, muda o espaço de lugar: leva, ao mar, seco sertão e, ao sertão, frações de mar. 23. O céu é matéria errante – apesar das evidências. Erra quem não tem ciência, erra quem vive distante... [Tato] 24. O tempo molda o momento segundo a necessidade. Fibra em morno sedimento deixa o tempo sem vontade! 25. Traças descrevem o momento do tempo e do temporal nas folhas do sedimento que cultiva o manguezal. 26. Feito um íntimo carinho, a luz dourada descerra a pele verde da terra e o vento alisa o marinho... 27. Noite mal dormida. A vaga tocando a praia que traga. É ressaca. É o arrepio da onda em manhã de frio. 28. Tateio as curvas da praia deste rio Aquidauana... Quase em terras paraguaias sinto em mim... Copacabana! [Visão] 29. Queria ter uma janela neste céu do Pantanal para dar uma olhadela no verde do manguezal. 30. Nas fazendas alagadas o saudoso ribeirinho, com as pupilas mareadas, busca cavalos-marinhos. 31. Descortinando a janela que mostra um seco caminho, negras retinas são tela carente do azul marinho. 32. Vejo nas secas pupilas, neste tórrido altiplano, poços de luz – clorofila – dentro do azul oceano. 33. Olinda, se você for num mergulho Salvador às pupilas dos meus olhos... cuida os Recifes. Abrolhos. [Audição] 34. Com o ouvido ressecado? É meu desejo melhoras: recomendo ouvir um fado nas azuis ondas sonoras. 35. O derradeiro sentido a morrer é a audição... Quero morrer no estampido grave da arrebentação! [Sexto Sentido] 36. Sob a cama de aguapés deste Mar dos Xarayés pressinto um pétreo oceano, morto há seiscentos mil anos. 37. Há, sempre, portos seguros depois do horizonte escuro quando se busca o incontido clarão do sexto sentido. ----- [Seção Música] 38. O mar abriga tesouros que só compram o que é sublime: é o primeiro logradouro das cantigas de Caymmi! 39. Certas peças musicais são uma gema, água-marinha: preciosas, imortais, já nascem prontas, limpinhas... 40. Há pérolas musicais que, de natureza rústica, nascem em modestos corais, dentro de conchas acústicas... 41. De tão nobre, a “Princesinha do Mar” foi presenteada com uma pérola criada por nosso nobre Braguinha. 42. É no mar que nascem os fados? Na despedida do amado? Tão pouco sei! Investigue a voz de Amália Rodrigues! 43. Foi do mar que veio a vida, da evolução comprida: eras, mil tons, nascimentos, feito Miltons Nascimentos. 44. Nasce o mar no pensamento da cantiga popular, pela voz do Nascimento, “quem me ensinou a nadar...”. 45. Tom procurando paisagens!... Tom eternizando o Rio que é mar/avilha, miragem... a paisagem no cio. 46. A praia refaz suas cores nos adornos populares cantorias e tambores das congadas de Linhares. 47. O banzo do mar se acaba quando as praias capixabas vestem-se de cores, jongo, ligando o Brasil ao Congo. [Seção “Eles passarão. Eu, passarinho”.] 48. Quisera saber domar um galope à beira-mar... Sem esforço elaborar poesia popular... 49. Quisera saber voar... Frente à grandeza do mar com asas de passarinho fazer versos miudinhos... 50. Quisera saber toar, improvisar meu mundinho, pôr um martelo miudinho na cadência deste mar... 51. Quisera fazer versinhos com a pena do passarinho Patativa do Assaré, na brancura da maré. 52. Que meus versos mareados – que se querem agalopados – apeteçam-se do ninho do poeta-passarinho. 53. Disse o bardo do além-mar, nos seus versos tão precisos: é preciso navegar – sim! –, viver não é preciso. 54. Disse Mário, do Guaíba: passarão. Eu, passarinho. Respondeu-lhe rapidinho, do Assaré: eu, Patativa. 55. Era a mini patativa do Assaré – um rio pequeno... Tornou-se gaivota... altiva... rumo ao oceano pleno. (segunda atualização: 1/6/02) (terceira atualização: 8/6/02) (quarta atualização: 2/7/02) (quinta: 23/7/02) _________________ Notas: 1. Segundo o dicionário Aurélio, trova é “uma composição lírica ligeira e mais ou menos popular” ou ainda, “composição literária formada de quatro versos setissílabos rimados, e com sentido completo” dentre outras acepções. Geralmente o esquema de rimas mais utilizado é o seguinte: ABAB. Várias definições poéticas são apresentadas na série “O que é uma trova?” (clicar abaixo "veja outros textos deste autor"). 2. O número de trovas sobre o mar, aqui agrupadas, pode vir a aumentar, principalmente no período de maré alta/lua cheia, o que será percebido pela mudança da contagem apresentada no subtítulo. 3. Por seu um tipo de composição com sentido completo, a palavra "mar" foi utilizada em praticamente todas as trovas, o que permite leituras de modo independente.