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Artigos-->DOM HĒ¬LDER CÂMARA : O ARCEBISPO DOS POBRES -- 03/03/2006 - 06:39 (Felipe de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Nos últimos anos de vida, Dom Hélder não falava mais de política em público. O "bispo vermelho" que surpreendeu o mundo com suas posições políticas durante o regime militar, incomodou os conservadores da Igreja Católica e atormentou os militares do poder, não tinha outro pensamento, senão para a fé que o acompanhou durante toda a vida.

"Não posso imaginar ser alguma coisa além de padre. Eu considero a falta de imaginação um crime e, mesmo assim, não consigo imaginar-me sendo outra coisa senão um padre. Para mim ser padre não é uma escolha, é um modo de vida… Celibato, castidade, a ausência de uma família do modo como vocês leigos entendem, tudo isto nunca foi um peso para mim. Se eu perdi certas alegrias, tive e tenho outras muito mais sublimes. Se você soubesse o que sinto quando celebro a missa, como me torno uno com ela. Para mim a missa é verdadeiramente o Calvário e a Ressureição."

Quando alguém falava no período da repressão militar, ele apenas abria os braços e sorria. Não guardava mágoas dos seus inimigos. "Depois de uma certa idade, com tanta experiência de vida, a gente tem que saber aproveitar as críticas. Procuro me desarmar de qualquer sombra de ódio, de repulsa. Ter o coração aberto, procurando aproveitar o melhor possível as coisas boas da vida."

O arcebispo emérito de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, nasceu no dia 7 de fevereiro de 1909, em Fortaleza, foi o antepenúltimo filho do guarda-livros e maçon convicto João Câmara e da professora Adelaide Pessôa Câmara. O casal teve 12 filhos, mas nem todos sobreviveram, cinco morreram num curto período de 29 dias, devido a uma epidemia de difteria.

O garoto Hélder recebe a sua primeira comunhão aos oito anos e aos 14 entra no seminário da Prainha de São José, em Fortaleza, aonde faz o curso preparatório e em seguida estuda filosofia e teologia. Aos 22 anos é ordenado sacerdote e é nomeado diretor do Departamento de Educação do Ceará. “Se Deus me fizesse nascer 100 vezes e me desse a oportunidade de escolher ; 100 vezes eu quereria ser padre." Já afirmava o religioso nos primeiros tempos de sacerdócio.

O dom de solidariedade e de justiça do futuro arcebispo começou cedo. Aos 11 anos negou-se a castigar um colega de classe. A professora insistiu para que ele aplicasse a palmatória no seu colega. Método utilizado na época. Irredutível negou-se a aplicar o castigo. A professora não teve outro remédio senão chamar a mãe do garoto para tentar solucionar o problema. A mãe do pequeno Hélder viu logo que seu filho tinha razão e convenceu a professora de que a palmatória era um tratamento desumano.

Em 1936 começava uma nova etapa na vida do religioso. Seguiu para o Rio de Janeiro, onde permaneceu 28 anos. Logo cedo viu-se envolvido na luta em favor dos pobres e desenvolveu várias atividades em revistas católicas, organizou o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, fundou a Cruzada São Sebastião com o objetivo de atender aos favelados e fundou o Banco da Previdência para ajudar as famílias podres. "Naquela época ele já era totalmente identificado com os pobres." Afirma Maria Luiza Amarantes que trabalhou com o religioso no período de 1949 a 1964.

No dia 20 de abril de 1952, Dom Hélder recebe a consagração episcopal e assume o posto de bispo auxiliar do Rio de Janeiro (1952-1955). A promoção a arcebispo viria somente três anos depois; porém, a movimentação política do religioso não estava agradando a certos setores militares do governo. A solução encontrada foi retirá-lo por uns tempos da cena política do Rio. Dom Hélder ficou como arcebispo-auxiliar no Rio de Janeiro de 1955 a 1964.

Neste mesmo ano, março de 64, Dom Hélder é nomeado para ocupar a Arquidiocese de Olinda e Recife, onde permaneceu 21 anos. Nesta época a imprensa estrangeira anunciava com alardes a vinda de Dom Hélder ao Recife : “Homem do Papa Paulo VI no Recife.” Numa das suas primeiras alocuções em público, Dom Hélder traça fielmente as primeiras linhas da sua atividade política e sacerdotal. “Sou um nordestino, falando a nordestinos, com os olhos postos no Brasil, na América Latina e no mundo.Um cristão, dirigindo-se aos cristãos, mas de coração aberto, ecumenicamente, para os homens de todos os credos e de todas as ideologias. Um bispo da Igreja Católica que, a imitação de Cristo, não vem ser servido, mas servir.” Neste primeiro discurso o religioso deixa claro sua posição em favor dos pobres e oprimidos. “A exemplo de Cristo tenho um amor especial pelos pobres, velando sobretudo, pela pobreza envergonhada e tentando evitar que a pobreza resvale para a miséria. A pobreza é revoltante porque fere a imagem de Deus."

Logo nos primerios meses à frente da Arquidioce de Olinda e Recife já se sentia claramente sua doutrina em favor dos pobres e da defesa dos direitos humanos. A situação política no Brasil continuava efervescente. Os militares assumem o poder pela força e destituem o presidente João Goulart. Daí em diante a vida de Dom Hélder começava a se complicar cada vez mais. Mostrando uma prova de coragem inigualável, o arcebispo recusou-se a celebrar uma missa em comemoração ao segundo aniversário do Movimento de 64 e sofreu acusações do general Itiberê Gouveia do Amaral. O militar responsabilizou Dom Hélder pela “desagregação do rebanho católico.” e o acusou de “esquerdista”. Em pleno regime militar Dom Hélder proclamou diante de políticos e militares a necessidade de uma América Latina livre, não apenas no plano político, mas também no plano econômico. "Só a ação social da Igreja poderá fracassar a ação violenta no Nordeste."

Dom Hélder sabia que a sua luta não tinha retorno e a única forma de tentar parar os crimes e impunidades era denunciar essas atrocidades à imprensa internacinal. "Eu considero um crime contra a pátria não denunciar as torturas que existe no país. &
274; inútil tentar me intimidar, pois no meu coração não há dúvida e o que existe no meu coração vai direto aos meus lábios. Eu digo ao meu rebanho, em minhas visitas pastorais, em meus sermões, as mesmas coisas que estou dizendo a você. Eles não podem me afastar ou calar, pois no meu trabalho não conheço nenhuma outra autoridade além do Papa." Afirmou numa entrevista a repórter italiana Oriana Fallaci.



VIDA POLI&
769;TICA



Nos anos terríveis da repressão política no Brasil, o arcebispo seguia os ensinamentos de Martin Luther King e do Mahatma Ghandi : pregava a não violência e denunciava a tortura, a miséria e o atrelamento político e econômico do país. Os militares compreenderam logo que aquele padre franzino tinha muita coragem e poderia denegrir a imagem do Brasil no exterior. Censurado no Brasil, proibido de falar ou de escrever em qualquer orgão de comunicação, no período de 64 a 77, Dom Hélder se viu impossibilitado de se exprimir ou de denunciar as atrocidades do sistema autoritário do país. A solução encontrada foi procurar a opinião pública internacional.

Em Paris, logo após o golpe de 64, Dom Hélder falou para um público ávido de verdades. Denunciou as torturas aplicadas aos prisioneiros politicos em todo o pais. Os bajuladores do governo militar não o perdoaram e foi logo chamado de “traidor” , “demagogo” e “difamador.”

Dom Hélder começou a fazer política muito cedo. Aos 22 anos foi ordenado padre e a pedido do bispo da sua região enveredou na Ação Integralista Brasileira, movimento fascista, tolerado pela Igreja, que na época se apresentava como a solução para enfrentar as lutas de classes e a expansão do comunismo. “Quando surgiu o integralismo, anunciando Deus, Pátria e Família, eu achava aquelas idéias parecidas com o que eu tinha aprendido no cristianismo. Mas logo verifiquei que não precisava de nenhum sistema filosófico ou político, bastava-me a mensagem de Cristo.” Dom Hélder nunca negou as suas "origens integralistas " e numa entrevista a um jornal italiano, em 1970, ele confessa : “Em cada um de nos dorme um fascista, às vezes, ele nunca desperta, porém, às vezes ele desperta.” Quando questionado desta época, ele sempre dizia : "Qualquer experiência, qualquer erro enriquece e ensina as pessoas."

Onze dias depois do golpe de 64, Dom Hélder, recém arcebispo de Olinda e Recife, diante do comandante do IV Exército, general Justino Bastos, deixou claro as suas posições. “Não acusemos de comunistas os que simplesmente têm fome e sede de justiça e de desenvolvimento do país." Diante de tanta ousadia os miliares fecharam o cerco e ordenaram à Igreja Católica que o arcebispo moderasse as suas declarações. Dom Hélder aproveitava os sermões nas igrejas para fazer as piores críticas ao sistema militar. "Não vamos deixar bandeiras certas em mãos erradas." Uma crítica direta aos militares que falavam de um país melhor e ao mesmo tempo torturavam os prisioneiros políticos. Nos finais dos serrmões era sempre cercado por mães aflitas que queriam saber do paradeiro dos filhos desaparecidos. "Ele sabia quase tudo que acontecia nos quartéis. Tinha fontes que o deixavam sempre bem informado." Lembra o padre Augusto Esteves que foi seminarista e trabalhou com o arcebispo naquela triste época.

No início, os militares ingenuinamente ainda acreditavam que poderiam calar o religioso. O general Bastos convidou o arcebispo para celebrar uma missa em comemoração do primeiro ano da Revolução. Mas a condição era que não falasse de política e se limitasse as palavras da Bíblia. "A única autoridade que me proibe de falar é o Papa e a Santa Missa não é enfeite de general." Retorquiu o arcebispo e recusou o convite.

Suas posições políticas trouxeram-lhe centenas de inimigos. Cada vez que o nome de Dom Hélder era pronunciado, aparecia logo um adjetivo novo : pombo correio das esquerdas , difamador do Brasil, falso profeta, agitador comunista ou garanhão da desordem. O escritor e sociólogo, Gilberto Freyre, chamava-o de "Golbbes brasileiro" Comparando-o ao divulgador das idéias nazistas de Adolfo Hitler.

O teatrólogo pernambucano, Nelson Rodrigues, dizia que Dom Hélder pregava uma missa cômica e instigava os fiéis a não depositar a sua fé na Igreja. O jornalista David Nasser, referia-se ao religioso como “padre transviado” ou “ovelha negra.” No início da década de 80 com a abertura política, os três detratores mudaram de opinião e chegaram a chamar o religioso que eles combateram com tanto ardor de "bispo dos pobres."



OS ANOS DE CHUMBO



O tratamento respeituoso que Dom Hélder recebia de alguns militares desapareceu quando o general Emílio Garrastazu Médici assumiu a presidência da República em 1969. Daí em diante o religioso recebia telefonemas anônimos ameaçando-o de morte , as paredes da igreja das Fronteiras foi metralhada duas vezes, os muros eram pichados com ofensas. "As ameaças ao telefone eu já me acostumei. Eles me ligam à noite, em intervalos de meia e meia hora e dizem : ‘Você é um agitador, um comunista, prepare-se para morrer. Estamos indo aí e vamos lhe mostrar como é o inferno.’ Que idiotas ! Eu nem respondo. Eu sorrio e desligo. Mas por quê atender o telefone ? Eu tenho a obrigação de atender o telefone, pois alguém poderia está doente ou simplesmente precisando de mim.”

Em 1972 depois de celebrar uma missa em comemoração a Independência do Brasil, atendeu uma ligação e a voz do outro lado perguntava como ele queria morrer. No outro dia, nos muros da sua igreja tinha duas frases pichadas : "Brasil ; ame-o o deixe-o" e " Morte ao bispo vermelho. " A assinatura era do CCC – Comando de Caça aos Comunistas- que junto com o TFP – Tradição, Família e Propriedade- eram os movimentos mais radicais contra as pregações de Dom Hélder. "Não amarei o Brasil do jeito que eles querem e também não o deixarei." Era a resposta do religioso aos seus detradores, antes de sair caminhando sozinho pelas ruas do Recife como era o seu hábito. Dom Hélder nunca gostou de possuir um automóvel. Isto não era um problema, pois bastava colocar o pé na calçada e alguém oferecia logo uma carona. "Dom Hélder não vai ser sequestrado ou assassinado. Vai morrer de tanto pegar bigu (carona)" Ironizava maldosamente o sociólogo Gilberto Freyre.

Enquanto era censurado no Brasil, mais e mais a sua voz se fazia entender no exterior. De 1964 a 1984, ele fez 1254 viagens, ganhou o título de Honoris Causa de universidades de sete países, recebeu 664 condecorações e uma média de 20 convites chegavam por dia para palestras no mundo inteiro. Nos Estados Unidos da América ganhou o prêmio Martin Luther King e foi o primeiro cristão a ganhar o prêmio Nirvana, em 1969, no Japão.

Na Inglaterra pediu aos jovens que se unissem aos Beatles em protestos não violentos. Os seus detradores diziam que ele estava induzindo os jovens do Brasil a utilizarem as drogas. "Detesto aqueles que permanecem passivos, que ficam quietos e amo aqueles que lutam, que se envolvem. No Brasil, os jovens que reagem à violência com a violência são idealistas a quem eu admiro. Infelizmente sua violência leva a coisa nenhuma e ; devo acrescentar que quando você começa a brigar com a arma dos opressores ; eles vão simplesmente esmagá-los."

Dom Hélder já era um nome mundialmente conhecido e foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz, em 1970, o governo brasileiro contra-ataca distribuindo no exterior um dossier acusando o religioso de ter sido fascista na década de 30. O prêmio Nobel nunca lhe foi atribuido, mas em compensação, tornou-se o porta-voz dos direitos humanos no mundo. Denunciou a venda sistemática de armas da Suíça para a A&
769;frica. Na Alemanha, o chanceller Willy Brand apoiou o arcebispo brasileiro : "Dom Hélder luta pela justica social como condição para a paz, não apenas no Brasil, mas também no âmbito internacional." O governo brasileiro fez novamente pressão e o arcebispo teve de se contentar com o prêmio Popular da Paz , oferecido pelos Norugueses.

O seu prestígio no exterior serviu para ajudar muitos perseguidos politicos. "Ele nos salvou da tortura e da morte certa." Comenta Violeta Arraes, irmã do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Modesto, Dom Hélder preferia não falar sobre este assunto, mas cerca de 53 biografias que foram escritas até hoje sobre o arcebispo, falam nas diversas pessoas que salvou enviando para o exterior.

No dia 27 de maio de 1969, o seu auxiliar direto, padre Henrique Pereira Neto, 27 anos, professor de sociologia da Universidade de Recife, foi brutalmente assassinado pelas forças repressivas do regime militar. O religioso foi morto numa emboscada nas proximidades do Campus Universitário da UFPE. "Foi uma das poucas vezes que o vi abalado." Explica Zezita Cavalcanti. Através de uma nota o arcebispo mostrava sua revolta pelo ato bárbaro cometido contra os direitos humanos. "Nem sabemos ao certo para quem apelar. Confiamos em Deus e na justiça." Os culpados deste crime nunca foram condenados.

Dom Hélder acompanhou a autópsia do corpo para evitar que o caso fosse tratado como suicídio. Depois da missa o arcebispo puxou o cortejo que percorreu os 10 km até o cemitério, sempre acompanhado de centenas de pessoas, a polícia tentou impedir, mas o religioso não recuou e todo o percurso foi realizado. Não era somente o sistema militar que tentava intimidar Dom Hélder, as preocupações vinham também do lado da Igreja Conservadora que o criticava abertamente. Mas o arcebispo tinha um aliado de peso na Igreja, o Monsenhor Giovani Montini, que tornou-se Papa Paulo VI (1963-1978) e que ele tinha conhecido, em 1950, durante o Congresso Mundial do Apostolado Leigo, em Roma. Nesta ocasião Dom Hélder pensou em fundar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) da qual foi secretario durante 12 anos. O futuro Papa achou a idéia excelente . Essa amizade com o futuro Papa lhe rendeu prestígio e acesso direto aos gabinetes luxuosos do Vaticano.

"O Papa Paulo VI sabe muito bem o que eu digo e faço. Quando eu denuncio as torturas no Brasil ou luto pelos prisioneiros políticos o Papa fica sabendo. Ele já conhece as minhas opiniões políticas porque nos conhecemos a muito tempo. Não escondo nada dele, nunca escondi. Se ele pedisse para parar, eu pararia. Eu sou um servo da Igreja e conheço o valor do sacrifício. Mas o Papa não diz nada disso e cada vez que nos encontramos ele me chama de «Seu bispo vermelho» Ele o faz brincando, afetuosamente, não do modo como se faz aqui no Brasil onde qualquer um que não seja um reacionário é chamado de comunista ou a serviço do comunista."

Sua opção pelos pobres e o combate às injustiças sociais que forçavam a democratização da Igreja eram feitas de forma discreta. Dom Hélder nunca subiu numa tribuna para defender as suas idéias. "Dentro da Igreja tudo é feito na surdina. Cada um puxa o interlocutor num canto e expõe as suas idéias." afirma Zezita Cavalcanti que acompanhou o religioso durante décadas. Nas conferências internacionais dos bispos ele aproveitava para expor suas opiniões aos líderes da Igreja. "Era desta forma que ele ia minando os alicerces do conservadorismo." Lembra o seu amigo Lauro de Oliveira.

Com a chegada do novo Papa, João Paulo II (1978-2005), os ventos do Vaticano mudaram de direção. Em 1985, quando foi aposentado, o arcebispo indicou o seu auxiliar direto, Dom José Lamartine Soares. "Foi uma tristeza muito grande para Dom Hélder quando o Vaticano recusou a indicação." Confirma Clotilde Soares, mãe de Dom Lamartine Soares. Dom Hélder poderia enviar outros nomes menos progressitas, mas ele viu que o Vaticano já tinha escolhido um nome. Seus amigos já não tinham tanta influência em Roma e o novo Papa João Paulo II tinha optado pelos conservadores para conduzir a nova linha da Igreja Católica.

O posto de arcebispo de Olinda e Recife foi ocupado por Dom José Cardoso Sobrinho, considerado um dos maiores representantes do clero conservador. Em poucos anos Dom José Cardoso expulsou padres progressitas, demitiu membros da Pastoral Rural ligados à CNBB, suspendeu ordens sacerdotais, fechou dois seminários progressitas e demitiu membros da Comissão de Justiça e Paz. Dom Hélder assistiu calado a destruição de todo o seu trabalho. Ele ainda tentou algumas declarações na imprensa, mas a ordem do Vaticano foi direta e o obrigou a guardar o silêncio.



VIDA ÍNTIMA



O religioso passava a maior parte do tempo a rezar e meditar, a fragilidade física era evidente com o peso da idade. A memória não era mais ágil e cortante como no passado, mas os problemas de saúde nunca o impediram de rezar, receber os amigos e celebrar a missa. Celebrava a eucaristia todos os dias às 17 horas na pequena sala de visitas da igreja das Fronteiras. "Transformar o trigo e o vinho em corpo e sangue de Jesus é um verdadeiro milagre." Afirmava sempre Dom Hélder.

Franzino, pálido, 1,60 de altura, gestos lentos, vestindo uma batina branca ou creme e portando sempre a sua velha cruz de madeira em uma corrente de aço, Dom, como era chamado pelos íntimos, parecia um vigário paroquial do interior. Durante toda a sua vida recusou-se a usar roupas bordadas ou indumentárias ricas utilizadas pelos arcebispos. Preferia se inspirar em São Francisco de Assis. "O segredo da perene juventude da alma é ter uma causa a que dedicar à vida.” Dizia quando questionado sobre a velhice.

Durante mais de 30 anos o religioso sempre morou na residência da igreja das Fronteiras. Bastava perguntar ao primeiro passante no meio da rua e todo mundo sabia onde morava o arcebispo. Sua vida íntima tinha o ritmo cadenciado e métrico de um religioso acostumado a rituais sagrados. Levanta-se todo dia por volta das 5 horas para orar, meditar e escrever. Nos últimos anos gostava de se sentar numa cadeira de balanço dentro do quarto e ficava durante algumas horas sonolento e reflexivo. Outras vezes, à noite, quando não tinha sono, ficava com os olhos abertos, calado, como num mundo a parte e nunca se ouvia reclamações da sua parte. "O Dom era uma pessoa que não reclamava de nada. Não reclamava se fazia frio ou calor. Ele aprendeu a suportar as coisas sem reclamar." Afirma Raimundo Viana, um dos inúmeros colaboradores do religioso.

No período da manhã raramente recebia visitas. Porém, no período da tarde sua atividade era intensa. Recebia as pessoas, lia a sua correspondência e gostava de ficar a par de tudo que estava se fazendo. Ele não permitia que a palavra povo ou comunidade fosse escritas com letras minusculas. "O Povo é muito mais vivo do que a gente pensa. Ele quer soluções para os seus problemas e não promessas. Este mesmo Povo, porém, tem que se conscientizar que a ação -e não a reação- deve partir deles."

As visitas eram inúmeras e variadas : padres, personalidades do exterior, admiradores, amigos, curiosos, estudantes, turistas. Os diálogos geralmente eram curtos, pois Dom Hélder escutava mais do que falava. Quando recebia grupos de religiosos geralmente gostava de encerrar essas audiências com canções religiosas. "&
274; muito fácil receber elogios. Muitas vezes perdemos a oportunidade de corrigir as falhas porque nos embriagamos nos elogios."

Grande parte do tempo do religioso era reservado para a celebração da missa. Por ano ele chegava a realizar cerca de 390 missas. Todos os domingos, às 11 horas, a missa na igreja das Fronteiras, celebrada por Dom Hélder já era famosa e tinha um público cativo e fiel. Dom Hélder sempre cultivou sua fé religiosa e as atividades políticas e sociais nunca o impediram de orar. Ele tinha o hábito de se levantar durante a madrugada para rezar e demonstrar a sua devoção a Virgem Maria. Durante essas meditaçôes noturnas ele desenvolveu um intenso trabalho intelectual : 7547 meditações e 21 livros publicados e traduzidos para mais de 14 idiomas.

Dom Hélder sempre viveu humildemente e o dinheiro nunca foi um problema para realizar os seus projetos. Muitas pessoas se ofereciam para ajudar financeiramente, assim como instituições nacionais e internacionais e grande parte destas verbas vinham dos seus direitos autorais. "O Dom sempre teve muita fé e nas horas mais difíceis o dinheiro sempre aparecia para realizarmos os projetos." Explica a sua secretaria Zezita Cavalcanti.

Quem teve a chance de assistir Dom Hélder celebrar uma missa entende logo porque este homem conseguiu suportar tantos sofrimentos e nunca recuou diante do perigo e das ameaças. A fé religiosa sempre o guiou nos momentos mais difíceis. Ele se enche de luz e basta erguir os braços, num gesto que ficou a sua marca registrada, e prontamente ele adquire a sua antiga vivacidade e a certeza de que nem tudo foi perdido. A um amigo íntimo, poucos meses antes de morrer, ele confessa : "Estou a um passo da morte. Quando mais o fim se aproxima, mas eu agradeço a Deus, sobretudo, porque este fim é o começo de um outro melhor." No dia 27 de agosto de 1999, morria Dom Hélder Câmara, aos 90 anos.

Oremos sileciosamente por este homem de coragem ter vivido entre nós e nos proporcionado esta eterna luz divina da esperança por um mundo melhor. Neste momento, ao lado da Virgem Maria, tenho certeza, ele deve está olhando o seu destino com a serenidade de que cumpriu a sua missão na terra.

Felipe de Oliveira

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