Dia desses estava a me lembrar de um dos meus encontros com Hesse. Estava eu caminhando levemente sobre as límpidas e serenas águas de um rio quando em minha direção se aproximou o escritor, já vetusto, em seu barquinho. Parou ao me ver e convidou-me:
_ Vem. Sobe no barco.
_ Não desejo amolar-te, amigo.
_ Pois não me incomodas. Vem, sobe e toque uma melodia em tua flauta.
Agradecido pelo convite subi à bordo e soprei em minha flauta iniciando uma melancólica melodia, falando da tristeza em meu coração, do frio que o sol lhe trazia e do mundo mau e sombrio, escuro e triste.
Ao terminar a lúgubre canção o poeta, olhos fixos aos meus, disse-me:
_ Mas esta tua flauta nada fala além de tristeza e dor?! Ela não alegra a alma. Dá-me cá.
Entreguei-lhe o instrumento e o velho Hesse passou a executar um alegre canto que falava da beleza do rio em que ora navegávamos, do canto apaixonado que o jovem enamorado assobiava à sua amada e do céu, azul como os olhos do primeiro amor. A melodia aqueceu meu coração de tal maneira que cheguei mesmo a crer que este pequeno mundo era tal como se me apresentava.
Hesse devolveu-me a flauta, em silêncio. Agradeci-lhe pela canção e em troca prometi-lhe compor uma tão idílica quanto aquela. Deu-me um sorriso e disse-me que a aguardaria.
Navegamos ainda um longo trecho rio abaixo. Passamos por algumas aldeias, onde um moinho realizava angustiadamente sua função, vimos pastores que alegremente nos acenavam e crianças rindo a nos dar adeus, contentes por rompermos sua rotina e algumas mulheres que lavavam roupas numa enseada enquanto cantarolavam jovialmente. Seguimos adiante até que Hesse manobrou o barco, detendo-se à margem:
_ Bem, fico por aqui. O restante do percurso cumpro caminhando.
Sorri-lhe e tomei a estrada oposta. Voltei o olhar para trás e vi o poeta acenando-me com seu chapéu ao que retomou seu caminho assobiando uma melodia. Era uma melancólica canção que falava da tristeza que habita o coração dos homens, do frio que o sol lhes trazia e do mundo mau e sombrio, escuro e triste. Pus minha flauta no bolso e prossegui meu caminho, solitário.