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Erotico-->36. DESGRAÇAS -- 23/08/2002 - 06:38 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Naquele meio tempo, enquanto Alfredo passava por sérios distúrbios emocionais, no plano do etéreo, preparavam-se contra-ataques poderosíssimos, para recompô-lo diante do poderio do mal. Espíritos de categorias inferiores deslocavam-se para a crosta para impedir que os agentes do bem saíssem vitoriosos nos empreendimentos. Enquanto as vitórias se davam sobre seres sem importância, como Carlos e filhos, só uns poucos indivíduos se transferiam para perturbações de outras entidades mais fáceis de influenciar. Mas Alfredo era especial. Se houvesse conversão, deserção ou, como preferiam dizer os malévolos representantes das trevas, traição de ser tão responsável por inúmeras situações de crimes, a sustentação daquele edifício poderia ruir, vindo abaixo laboriosa obra.

Não que se importassem com a figura do servo de seus desideratos. Se se afastasse sem levar ninguém consigo, tudo bem. Para cada ser que sobe, na contagem infernal, há mais de cem que descem. Restava, ainda, tirar proveito da defecção, mas para isso era necessário envidar esforços, trabalhar.

Sendo assim, precisariam burlar a vigilância dos protetores daqueles que seriam tentados. Pesquisou-se, dentre os que ajudavam mais diretamente o chefe supremo da organização, e encontraram num deles a pessoa ideal para o golpe.

Antes de tomarem, contudo, qualquer providência, examinaram detidamente a extensão das atividades do resgate que se efetuava, para caracterização dos socorristas. Não lhes foi difícil verificar que havia grupo numeroso dedicado ao mister, mas que nenhum dos guardiões ou dos obsidiados estava sendo alvo especial do grupo. No máximo, havia alguns calafrios em ambos os planos, ao perceberem que a personagem mais importante de seus relacionamentos sociais estava dando mostras de fraqueza. Para isto, teriam remédio fácil: iriam deflagrar guerra entre quadrilhas para ocupação da mente do pupilo com problemas específicos da matéria, quanto à segurança e à preservação, mesmo com o risco do despertar das autoridades constituídas e da população em geral para a amplitude do domínio que a marginalidade exercia. Era preciso não titubear.



Quando Alfredo se aprestou para encontrar-se com os diretos assessores, notou que faltava o relatório de um deles. Através desse documento é que se deliberavam as providências. Sendo a primeira vez que isso se dava, Alfredo temeu que algo de mau poderia estar ocorrendo.

Como a noite fora passada em branco, o seu nível de reação não estava tão pronto como habitualmente. Em lugar de, imediatamente, ligar para obter notícias, gastou boa meia hora conjeturando o que poderia ter levado o auxiliar a falhar. Assim que ligou, no entanto, conseguiu a informação que lhe faltava. O amigo estava desaparecido. Ralhou com a secretária por não tê-lo colocado a par do fato, mas esta disse que os telefones estavam bloqueados, tendo sido liberados há poucos minutos atrás.

Alfredo convocou os mais fiéis companheiros e determinou busca minuciosa junto a todos os meliantes conhecidos na área de seqüestros. Em duas horas de pesquisas, mais de quinhentas pessoas foram contatadas e surgiu a hipótese de o amigo estar preso por pessoal de outra região. O informante temia pela vida e se dispôs a revelar o que sabia mediante todas as garantias.

Fez Alfredo vir à sua presença a sorrateira criatura e determinou-lhe a revelação de tudo. Não obtendo informes seguros, mandou que fosse levado à presença de alguém da quadrilha apontada como responsável.

Definidos por telefone os códigos do encontro, foi o pobre delator transportado para enfrentamento dos opositores. Sua proteção fora denegada, a ponto de inverter-se a sua condição de mero coadjuvante dos acontecimentos para a de figura central.

Sem alternativa, viu-se na obrigação de narrar tudo o que sabia por ter visto ou ouvido. Não teve coragem de dizer que o filho estava envolvido, mas não pôde esconder o fato de que alguém do outro grupo estava recebendo propinas para sustentá-lo em sua falange, como necessário para a vigilância.

Meia hora depois, os dois cadáveres, crivados de balas, eram arremessados juntos em vala aberta em cemitério clandestino.

O grupo de Alfredo foi avisado de que o seqüestrado estava realmente em mãos dos adversários e de quais condições haveriam de satisfazer suas exigências.

Na verdade, os seqüestradores constituíam grupo dissidente de outra organização, o que Alfredo com simples ligação ficou sabendo. A guerra que se prenunciava não seria tão sanguinolenta, mas não se poderia arriscar a vida do seqüestrado, poderoso chefe de imenso exército de facínoras.

Ao tomar conhecimento das exigências dos seqüestradores, Alfredo percebeu que visavam tomar grande área sob seus domínios, para exploração dos pontos de tóxicos, além da pretensão de mais de vinte milhões de dólares.

Antes de concordar com as condições, mandou chamar os guarda-costas do amigo, para informá-los de que queria que todos os seqüestradores fossem eliminados, assim que o patrão se visse livre. Diante do homem, os assassinos tremeram, pois conheciam-lhe a fama de não perdoar as ofensas. Estranharam, contudo, que não determinara que seus próprios sequazes tomassem a iniciativa da vingança. O que mais os intrigava era não tê-los interrogado a respeito de quem falhara na guarda, permitindo que o rapto se desse.

O dinheiro solicitado foi arranjado e, em cinco dias, todo o “affaire” terminou. Mas houve uma vítima insuspeita. O amigo não foi devolvido com vida.; foi encontrado trucidado diante da porta da mansão de Alfredo, no meio do morro. Todas as defesas haviam sido burladas, sinal evidente de que se desleixava.

Crescia a ousadia dos inimigos.

Não tendo mais patrão a quem defender, à vista da turbulência dos adversários, os delinqüentes designados para o ato da vingança simplesmente eclipsaram-se, tendo alguns tentado bandear-se para os inimigos, sendo barbaramente executados.

Ou Alfredo abria espaço para essa nova falange de malfeitores que se infiltrava em seus domínios, ou se deveria bater com eles, até a extinção do grupo. Eis em que resultaram as atividades dos obsessores.

Mas não estava ele aflito com os desdobramentos dos cometimentos dos inimigos. Preocupava-se muito mais em garantir a sua própria segurança. Deixava de ser o chefe confiável. Premido pelas necessidades dos negócios de fachada, começava a perder a noção da importância de ter fortemente à mão o conjunto dos fatos.

Para o lugar do chefe assassinado, fez subir o filho mais velho, alguém em quem poderia confiar, principalmente se tentado fosse a traí-lo. Acreditava que a revelação da paternidade poderia vir a ser a condição da fidelidade. O rapaz era muito novo, mas demonstrava firmeza em todas as atitudes. Quem sabe pudesse até vir a substituí-lo mais tarde.

Juvenal, vulgo “Marujo”, porque praticava o tráfico nas docas, aceitou o encargo, mas se deparou com situação muito constrangedora: teria de perseguir os dissidentes que deixaram de cumprir as ordens diretas provindas do comando. Por outro lado, inúmeros documentos importantes haviam caído nas mãos dos inimigos, de sorte que vários atentados se registraram em firmas agora sob sua responsabilidade. Se não tomasse sérias medidas restritivas, não conseguiria restabelecer os antigos limites de seus domínios.

Foi assim que se instalou verdadeira guerrilha urbana entre as gangues adversárias. Em quinze dias de combates, mais de duzentos cadáveres foram encontrados pela população aterrorizada. Não era raro, pelas madrugadas, ouvirem-se rajadas de metralhadora, aniquilando famílias inteiras, para a coerção psicológica necessária para manter o povo de boca fechada.

Por todos os lugares, dizia-se que o morro estava passando para outras mãos.

Enquanto “Marujo” fazia o que podia para garantir-se como chefe, Alfredo hesitava em mandar os seus homens entrarem na luta com a força de que dispunham. Confiava em que o filho daria conta. No entanto, a resistência oposta estava muito superior a que fizeram crer as palavras que o informaram de que se tratava de grupo de dissidentes. Parecia até que o morro vizinho é que invadia o seu.

De qualquer forma, precisava ir em auxílio ao filho ou teria de amargar derrota que significaria o prenúncio da falência de tudo que construíra.

Quando lhe foi negada grande partida de narcóticos para embarcar para o exterior, percebeu que o crescimento dos adversários deveria cessar e regredir, pois as reservas de capital ameaçavam sofrer considerável abalo para a manutenção de todas as atividades.

O que Alfredo desconhecia era que o grupo oponente vinha realizando sério trabalho de infiltração em suas bases desde há longo tempo, mediante meticuloso planejamento. Na verdade, o seqüestro e assassinato do lugar-tenente era tão-só um dos tópicos de longa série de providências que visavam à ocupação do morro, o que se dava com o amparo de outros chefes, sob a promessa de redistribuição das áreas de influência. Uns queriam os tóxicos, outros, o contrabando, um terceiro grupo desejava explorar o lenocínio. Havia até quem visasse tão-só a se apoderar dos bens imóveis, para garantia da segurança pessoal. Vazara, inclusive, a informação de que a fortaleza era inexpugnável.

Premido pelas circunstâncias, Alfredo deliberou reunir todo seu “staff”, para as medidas drásticas e emergenciais que precisava tomar. Toda sua fleugma e sangue-frio se viram testados, mas conseguiu sair-se bem diante das afrontas.

Reunidos, decidiram os companheiros que estava na hora de fazer valer as influências políticas e jogar também com as forças policiais sob sua jurisdição. Se preciso, dada a premência das medidas de represália, que se delatassem às entidades federais e à imprensa, os meios de que lançavam mãos os adversários, para a consecução dos objetivos. Seria a negação de todas as leis que mantiveram a estabilidade da organização, mas seria o recurso para seguro enfrentamento, sem colocar em risco as próprias atividades de cada qual.

Diante da derrocada iminente, Alfredo ponderou que a quebra das regras era alvitre suicida. Talvez fosse preferível ceder de vez às exigências e estabelecer trégua, em que se poria a população em condições de reflexão a respeito de quem estaria em melhor situação de oferecer-lhes segurança. Punha-se frontalmente contra a opinião dos comandados, os quais não viam na solução pacífica o fim dos problemas.

De uma hora para outra, o mundo de Alfredo se viu verdadeiro caos. Titubeava em tomar medidas violentas, mesmo quando em revide a atos de pura selvageria contra seus homens. Examinou detidamente todo o trabalho que havia tido para montar o império e resolveu que estava na hora de abandoná-lo. Havia calculado que um dia pudesse vir a derruir-se, para o que montara seguro sistema de fuga e de desaparecimento das vistas de todos os bandidos de quem era conhecido.

Não querendo fazer ninguém saber da decisão, escreveu sucinto bilhete ao filho, revelando-lhe o segredo da paternidade e aconselhando-o a assumir o seu posto, para o que lhe fornecia os relatórios arquivados de todas as atividades. Em testamento lavrado diante de testemunhas anódinas, que não sabiam o que assinavam, deixava as propriedades para os filhos, que, por meio daquele documento, legitimava, e forjou desastre em que seria tido como morto.

Plano antigo, dispôs-se para a operação plástica que lhe daria nova fisionomia e criou nova personalidade, a partir de bens de que dispunha com nome fictício, amparado por documentação extraída das próprias repartições oficiais.

Cinco meses depois de lida a carta de Ângela, sem jamais ter entrado em contacto com o irmão, eis que Alfredo passou a viver em fazenda no Estado de Mato Grosso do Sul, com os dólares lacrados em conta numerada de um dos bancos suíços.

Na comarca, fazia tempo que o seu nome era tido como de benfeitor, mercê das elevadas quantias que vinha distribuindo por meio de doações às diversas instituições de benemerência. Era a ceva comunitária para a recepção que desejava obter, para ser tido como cidadão honesto, probo, inatacável e respeitado.

No Rio de Janeiro, o seu caixão, lacrado, era sepultado com honras pelos amigos, em cerimônia cívica que reuniu milhares de pessoas. Os filhos desejavam manter viva a lembrança daquele que tanto bem fez pela população, com o intuito de se apresentarem como legítimos substitutos. Era manobra caudilhesca. De qualquer forma, à descida do féretro, cantou-se o Hino Nacional, em homenagem às virtudes do morto.

Encerrava-se a história oficial do maior marginal que o morro conhecera.

Em meio às coroas, uma em que se lia: "Homenagem póstuma da família." Fora Carlos que se lembrara de que um dia compartilharam do mesmo teto.

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