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Erotico-->32. UMA NOITE BEM DORMIDA -- 19/08/2002 - 07:33 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando Alfredo se levantou pela manhã, vinha com disposição nova. Teria ocorrido, durante o sono, algo diferente, insuspeitado? Se disséssemos que a noite fora tranqüila, no aspecto espiritual, estaríamos incidindo em erro. Mas a agitação foi benéfica e promissora. Vejamos.

Assim que se pôs à parte do corpo, o perispírito de Alfredo foi envolvido por suaves eflúvios vibratórios, no intuito de se lhe criarem à vista imagens de seres que, de uma forma ou de outra, mantinham com ele relacionamentos responsáveis.

A primeira figura indicada foi a de Josineida, a mãe repelida em estado de vigília. Para não lhe dar a sensação da personalidade íntegra e humana, a fantasmagoria fazia representar-lhe a presença sem apontar para a verdade da contextura, como a lhe dar a impressão de estar diante de entidade para ali transportada em imagem.

Diante daquela pessoa, Alfredo desprendeu-se dos temores e lançou agudo grito de furor:

— Rosaura, maldita, que fizeste comigo?

Virgílio, de pronto, abafou o volume do estentor, para não despertar a atenção dos guardiães que, no andar de baixo, se debatiam em luxúria.

Josineida não lhe apareceu com as vestes carnais da última jornada. Era ali o desafeto que tivera de enfrentar durante largo período na erraticidade.; sempre presente em sua imaginação, nunca personificada em realidade.

— Onde está o teu amante?

Fazia Alfredo referência a Nepomuceno, antigo parceiro das trevas, com quem se batera violentamente em encarne anterior pela posse do amor de Rosaura, tendo ambos sido preteridos em favor de terceira personagem, o que resultou em séria dissensão no plano da espiritualidade. Quando Alfredo se viu dominador do espírito de Nepomuceno, eis que lhe é arrebatado por Rosaura, em trabalho de resgate socorrista. Amaldiçoara a ambos, mas recebera deles a promessa de que iriam agasalhá-lo na carne, um dia.

Virgílio observava o debate íntimo que travava o espírito do irmão em desequilíbrio. Tendo percebido que a memória se cristalizara em torno da figura em desalinho daquela que lhe representava vergonha e ódio, passou a metamorfosear a aparição, dando ao fantasma a fisionomia mais recente de Josineida.

Alfredo seguiu a transformação passo a passo, compreendendo de imediato que Rosaura, na forma de Josineida, cumprira a promessa. A que se recusara a ser-lhe amante, fora sua mãe, dando-lhe a condição da vida e a oportunidade do reencontro.

Imediatamente quis saber Alfredo quem fora Nepomuceno. Virgílio criou, então, a mesma ilusão e proporcionou ao assistido a oportunidade de conhecer no pai o antigo desafeto.

O infeliz não sabia como reagir diante da evidência de que, de alguma forma, muito do ódio se transformara em afeto. Faltava-lhe caracterizar a personagem com quem se aliara Rosaura. Aí terceira figura se acrescentou ao grupo, mas não foi reconhecida como do relacionamento atual. Era o fantasma indefinido de um ser que lhe impregnara a memória um dia, mas sem reflexo na condição atual de sua capacidade de mentalização. Tentou sentir a reação íntima, mas nenhum estremecimento lhe indicou qualquer vínculo emotivo. Parecia estar diante de um estranho. Que misterioso relacionamento teria existido entre ambos que se tornara nulo diante do tanto de rancor que dirigira às figuras dos pais?

Consciente da condição espiritual, o pobre homem hesitava diante daquelas figuras. Que fazer? As expressões eram enigmáticas e fugidias. Pareciam estar ali e, ao mesmo tempo, esfumavam-se como em sonho. Queria manter algum tipo de conversação, mas nada lhe vinha à fímbria do pensamento. Estupidificara-se.

Virgílio fez desaparecer as imagens e criou cena em que se viam Marcos e família a rogarem ao Senhor, em prece comovida, a recondução do irmão ao seio daquela pequena comunidade, como outrora se encontraram todos juntos na carne.

Diante da concentração espiritual em prol de sua pessoa, Alfredo sentiu certo estremecimento salutar. Como poderiam seres tão vilmente atacados superar, com tanta facilidade, a descarga de ódio que deveriam ter sentido? Marcos deixava escorrer lágrimas de profundo sofrimento.

— Querido irmão...

De repente, ao fazer menção de se aproximar, a composição dos seres se desfez no ar como que por encanto e Alfredo se viu diante de imenso formigueiro. Eram formigas de todos os tamanhos e cores. Algumas brilhavam luzidias. Na maioria, porém, eram negras e opacas, verdadeiros monstros com garras desenvolvidas a tentarem pinçá-lo. Alfredo via os pequenos seres com extrema nitidez, como se a vista estivesse dotada de lupas. No entanto, eram pequeninos insetos a rodearem-no com ares ameaçadores. Não sentia ferroada alguma, mas os ferozes animálculos subiam-lhe pelas pernas. Começou longo debater-se inútil para afastar a multidão. Quando chegavam à altura do rosto, metiam a cabeça de encontro aos seus olhos, de sorte que, em cada figura que se apresentava, reconhecia a imagem de alguma criatura humana. Mas o encontro não lhe produziu dor física alguma. Era só o desespero de se ver sob o domínio de tão grande quantidade de seres. Aos poucos, os movimentos começaram a dificultar-se, pelo volume dos pequeninos insetos a subjugá-lo. Estava sendo enterrado. E a galeria das faces esquálidas e sofridas continuava infinita. Queria perguntar quem eram e o que queriam, mas o medo de vê-los entrar pela boca impedia-o de manifestar-se. A aflição de não poder escapar daquela subjugação aterrava-o. Não era crível que não conseguisse safar-se.

Começou, então, lenta transformação perispiritual. A presença das figuras dos pais havia feito com que titubeasse diante das pequeninas criaturas. Iria fazer valer agora toda a sua força. Pensou em crescer, tomando a forma de algo assustador, um touro, um minotauro, um diabo, um monstro qualquer. Mas a iniciativa se baldava diante da imensa quantidade de seres a combater.

Quando ia desfazer-se do sono, para livrar-se do sofrimento, desapareceram, de súbito, todos os perseguidores, volvendo a deparar-se com as figuras de Josineida e Nepomuceno, agora não mais tão esgazeados e distantes. A mãe lhe sorria enquanto o pai se mantinha ajoelhado e penitente.

Virgílio procedeu a outra manobra para provocar nova ilusão. Diante de Alfredo, à vista dos pais, fez representar a cena em que o filho os acusava de rejeição e de incentivo ao crime. Mas, no quadro, as pessoas acusadas ganhavam outro aparato físico. Deixavam de ser os pais e o infeliz se via diante de si mesmo, reproduzido mais duas vezes. As verberações se voltavam para si. Os pais se subtraíam a qualquer intuito seu de serem apontados como responsáveis pelos seus próprios desmandos.

Desaparecida a cena, Alfredo foi convidado a observar outra representação. Era a configuração dos sentimentos dos pais, agasalhando-o no ventre e depositando-o no lar, juntamente com outras criaturas. Era a promessa de novo viver em esfera de confraternização. Esquecia-se o passado. Arremessava-se a visão para o futuro.

Aí Virgílio se fez visível para a criatura em estado de bloqueio intelectual e moral. Impositivo, determinou-lhe que refletisse a respeito da seguinte propositura:

— Que você acha de receber o benefício do esquecimento até o final da atual peregrinação? Toda vez que se desligar da densidade corpórea, por meio do sono, por iniciativa sua e a seu desejo, cumprindo os desígnios de sua vontade soberana, irá apresentar-se a mim para elucidações de todas as dúvidas e de todos os tormentos. Saiba que os eventos das pregressas atuações na carne ou fora dela serão olvidados e nós só trataremos das tendências de comportamento que se caracterizarem à vista dos impulsos da personalidade. Se você aceitar, poderá contar com a ajuda daqueles seres que o acompanharam no último encarne. Caso contrário, tudo voltará a correr conforme até aqui. Decida-se.

Alfredo não titubeou. Parecia-lhe que jamais ouvira qualquer oferta tão desinteressada e, ao mesmo tempo, tão proveitosa. Antes que a memória lhe fosse apagada, teve tempo de ouvir as imprecações que se instalaram no fundo da consciência.

Virgílio tomou aquele ser obscuro que lhe jazia aos pés como verdadeiro cadáver e restabeleceu-lhe os eflúvios da vitalidade necessários para a compreensão do que se diria. A primeira pergunta foi a respeito de Ângela. Quem era aquele ser que tão intensamente lhe repercutia no pensamento, no sentimento, na vida?

O mentor fez aparecer a graciosa figura da menina, envolta em brumas, como se fora mirífica visão.

— Ei-la, aí — disse-lhe. — Que sensações lhe causa a sua imagem?

Pela primeira vez, algumas lágrimas incontidas surtiram daqueles olhos ressecados pela insensibilidade. Estava respondida a pergunta e nova onda de esperança encheu o coração do grupo ali concentrado para o socorro.

Ao longe, Alfredo ouviu que várias pessoas recitavam linda prece de agradecimento ao Pai. Eram vozes entrecortadas por soluços, mas o final da oração se perdeu e ele acordou decidido a enfrentar as sombras que o vinham perseguindo. Ligou para o irmão. Queria conversar com alguém de confiança que entendesse da vida após a morte. Desconfiava que passara a noite na companhia dos espíritos. Iria pôr isso tudo a limpo.

Antes, entretanto, que pudesse alcançar a carta trancada, foi alertado por telefone que precisavam urgentemente dele para resolver sério caso de alguém que se insubordinara. Havia risco para a segurança da organização.

Alfredo despertava para a realidade.

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