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Contos-->Eurípedes, o anti-higiênico -- 20/03/2002 - 11:18 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Todos os homens, quando podem, seguem fielmente os ditames da higiene. Na história da humanidade se conhece apenas uma exceção: Eurípedes. Filho de gente aristocrática, educado nas melhores escolas de Atenas, resolveu contestar todos os padrões de comportamento prestigiados socialmente, adotando um estilo de vida absolutamente heterodoxo em relação à luta dos homens em ocultar dos semelhantes, para ser aceito entre eles, todas as mazelas que fazem do corpo humano um local propício à existência de odores insuportáveis e à criação de formas de vida nojentas e indesejáveis.

Disposto a provocar uma séria discussão sobre a imposição quase divinal da higiene enquanto delimitadora das diferenças entre os homens de sua sociedade, divididos em feios ou bonitos, cheirosos ou fedorentos, limpos ou sujos, convencido que tal distinção somente servia para impor aos pobres que não podiam cuidar de sua aparência, porque muito menos podiam cuidar do estômago, uma condição de vida absolutamente servil, resolveu Eurípedes, em sinal de veemente protesto, viver sem lançar mão de nenhum recurso pelo qual o homem livra partes de seu corpo dos piolhos, das cáries, dos chulés, da inhaca, dos cabelos e cerumes que nascem no ouvido e das bostelas no nariz.

Tal decisão provocou reações extremadas de familiares e amigos, que ameaçaram, os primeiros, deserdar Eurípedes, os últimos, negar a amizade, tudo por causa do escárnio de que seriam vítimas devido à loucura daquele jovem homem.

Sem se importar com as ameaças, Eurípedes decidiu cumprir sua resolução, cujos termos estabeleceram que a única providência ainda cabível seria tomar banho, mais por causa do calor do que pela higiene, tanto assim que apenas iria jogar água no corpo para se refrescar uma vez ao dia, sem qualquer outro aditivo que lhe deixasse cheiroso.

Depois de alguns dias sem lavar os cabelos, limpar os dentes após as refeições, os entremeios dos dedos dos pés e as axilas, os resultados começaram a surgir. E as ameaças foram cumpridas. Eurípedes cheirava mau e seus pais o mandaram embora. Nenhum amigo o acolheu, indo morar nas praças de Atenas. Uma ou outra alma caridosa lhe dava algo para comer. Depois de alguns meses, os cabelos grandes, da cabeça, do nariz, a barba mal formada e imensa, a sujeira acumulada nos pés, os dentes tomados pela cárie, ninguém conseguia mais se aproximar de Eurípedes, dado o grau de insuportabilidade do mau cheiro que exalava.

Mantendo a disposição de ir às últimas conseqüências de sua decisão, Eurípedes resistiu a todos os apelos da família e dos amigos para que voltasse ao lar. Aos poucos tais apelos foram escasseando, até que nunca mais qualquer familiar ou amigo se aproximou dele ou lhe enviou algum emissário. Também as poucas pessoas que o ajudavam desistiram. Todos o tomaram por louco, ainda que em nenhum momento nada fizesse ou dissesse de violento que respaldasse a suspeita.

Abandonado por todos, Eurípedes, depois de anos de protesto contra a imposição da higiene, sucumbiu, não resistindo às enfermidades que a falta de alimentação produziu em seu fragilizado corpo.

Sua família resgatou-lhe o corpo para submetê-lo aos rituais fúnebres, dentre os quais se incluía limpar o corpo, vestir nele a melhor roupa e untar o morto com os mais finos e caros bálsamos.

Pudesse ser consultado, sem dúvida Eurípedes desprezaria aqueles ritos, pois jamais admitiria a absurda contradição de perder a vida lutando contra um inimigo e ser enterrado com a espada de quem o matou. O único óbice à sua recusa quiçá residisse no perigo de, no Hades, ter como destino o tormento eterno por não ser apropriado que um homem fedorento e de rotas vestes habitasse nos luxuosos e aprazíveis campos elíseos!
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