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Erotico-->29. O PRIMEIRO DIÁLOGO ENTRE CARLOS E ALFREDO -- 16/08/2002 - 07:14 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Carlos adentrou a ampla sala que se abria em porta dupla a partir do vestíbulo. Havia poucos móveis, mas do mais apurado gosto. Calou a perquirição, mas não reconheceu ali o toque brusco e intempestivo daquele mesmo ser que sabia criminoso e indigno. O frêmito do abraço ainda se impregnava em sua reação corpórea e o peso do braço do irmão, ao redor do pescoço, parecia-lhe dura carga a carregar. Imaginou o trabalho de hábil casa de decorações e evitou elogiar o que via.

Sobre amplo sofá, imenso “Portinari”. Não reconheceu a obra mas via nos traços a força telúrica de quem sofrera com o sofrer dos irmãos. Alfredo notou o êxtase em que o via mergulhar e apressou-se em dizer:

— Não se trata de original. É trabalho digno do grande artista, mas simples retratar de gente do povo, no pouco de felicidade que ainda lhe resta.

Verdadeiramente, o quadro representava retirantes, mas não das secas. Era a apologia da necessidade de se reintegrar o homem em seu hábitat, de modo que as figuras não se apresentavam esqueléticas, mas viçosas, com o ar esperançado de encontrar o chão preparado pelas chuvas para o amanho da terra e a semeadura. De onde voltavam aqueles seres? Ao fundo, via-se a silhueta da grande cidade, em forma de dragão, como a prognosticar que ainda havia possibilidade em se acreditar na transformação das coisas.

Carlos não foi tão longe na interpretação, mas, se tivesse tido essa argúcia, poderia imaginar que havia esperança em ser bem sucedido. Ao contrário, preocupado com a missão, viu naquelas figuras apenas criaturas destinadas ao sacrifício e à dor.

Alfredo convidou o irmão a tomar lugar em confortável poltrona e indicou-lhe ao lado alguns petiscos e salgadinhos com que se distrair durante a tertúlia. Havia copos e garrafas. Que se servisse do que desejasse. Carlos reparou nos rótulos e viu tratar-se de bebidas estrangeiras. Incomodado com tanta deferência, a demonstrar que ali era visitante e não parente chegado, recusou-se a sentar-se no local indicado e procurou banqueta que se situava junto ao balcão do bar, em um dos cantos da sala.

Alfredo seguiu-lhe o gesto, tendo percebido que Carlos gostaria de sentir-se mais à vontade. Não teve dúvida e desligou o aparelho de som que colocava “Vivaldi” como fundo perfeito para a caracterização do requinte do conhecedor da etiqueta e da arte de bem receber.

Do ponto de vista em que se colocou, Carlos foi capaz de perceber que todo o andar era ocupado por diversas salas ligadas entre si tão-só por arcos decorados, com cortinados fazendo a vedação parcial dos ambientes. Nada estava tão claro que desse para distinguir o que cada compartimento continha exatamente, nem tão escuro que não se visse ali uma sala de jantar, mais adiante outra sala de estar e, ao fundo, outro local destinado às refeições. Além do aparelho de som, cheio de pequenas luzes verdes e focos vermelhos, ultramoderno, nada mais havia que denunciasse a tecnologia do século. Até os lustres apresentavam-se com pingentes de cristal, como nos palácios antigos, que Carlos se lembrava de ter visto reproduzidos em filmes de época.

Não havia também nada que indicasse que ali vivia alguém. Parecia mais local para receber pessoas. Nada estava fora do lugar, nenhuma poeirinha visível, os tapetes imaculadamente brancos, as paredes absolutamente impolutas. Tudo novo, como se saído da loja naquele instante. Uma casa de bonecas, não fora tão ampla e tão formal.

Ao reparar nos trajes do irmão, percebeu que portava confortável roupa de corte esportivo. Até o calçado era próprio para pisar sobre a maciez dos carpetes, sapatilhas de verniz, a contrastar com a brancura das calças e do “blazer”.

Foi aí que Carlos reparou que a temperatura ambiente contrastava visivelmente com o calor que deixara fora.

— Ainda bem que você está com o ar condicionado ligado. Lá fora está insuportável!

Não era bem verdade, pois a amenidade da tarde refrescara o calor natural da Cidade Maravilhosa, mas foi o que lhe ocorreu dizer, para advertir a respeito da necessidade de iniciarem a conversação.

— Se você quiser, posso aumentar ou diminuir o calor. Basta dizer.

— Não. Estou me sentindo bem assim. Aliás, devo dizer que o apartamento é delicioso. Só não entendo porque precisa ser tão grande, se você vive sozinho...

Carlos não tinha realmente certeza de que o irmão vivia só. Jogara verde...

— Eu não resido aqui. Tenho este apartamento para os amigos da cidade. Quando preciso conversar com alguém de importância, trago para cá. Eu moro mesmo na casa do morro, aquela que está registrada em seu cartório.

Alfredo dava a necessária abertura para o tema que lhe parecia ser o que os aproximara naquela oportunidade.

Carlos notou a referência e não se fez de rogado.

— A propósito, eu preciso esclarecer que meus filhos cumpriam determinação minha para não aceitarem as propostas de seus advogados. Eu até pensei que você tivesse ficado zangado com eles. Guilherme me contou a respeito de seu telefonema e da ordem que lhe deu para acatar as suas determinações. Eu fiquei aflito e, por isso, insisti em falar-lhe. Mas parece que me enganei, porque você está bem, tendo até se desfeito de todas as propriedades que mantinha sob registro no tabelionato do papai.

— Eu fiquei sabendo do envolvimento da família com o espiritismo. Lembrei-me de como o velho Nepomuceno agiu no final da vida e respeitei a crença de meus sobrinhos. Não seria eu quem iria provocar dissensões familiares. Você se lembra daquele sujeito que lhe enfiou duas polegadas de ferro no bucho? Pois se nem com ele eu desejei brigar, como é que eu o faria com minha família, os últimos representantes...

Carlos viu a deixa para tratar do tema principal, mas preferiu não introduzi-lo diretamente.

— Você deveria ter comparecido ao enterro. As flores que mandou encheram o salão do velório, mas você deveria ter ido lá para ver que a fisionomia da menina se conservava intacta. Os outros caixões chegaram lacrados, mas Ângela parecia viver ainda...

Alfredo impacientou-se com a estranha insistência em citar a sobrinha e cortou a fala ao irmão:

— Eu pensei que tudo tivesse vindo num caixão só. Mas o pior já passou e eu desejo muita paz para aquelas almas de sofredores. Não bastasse ter o pai morrido em circunstâncias tão trágicas, ainda precisava Criseide afastar-se do país. Que desejo mórbido de viúva! Será que pensava que no Paraguai iria obter maior felicidade do que aqui?

Mentia e Carlos sabia. Seria a hora da afronta?

— Eu acho que já vou. Só queria mesmo deixar clara a razão que nos levou a tomar aquela atitude com relação às escrituras. Se tudo ficou esclarecido, já vou embora. Catarina mandou abraços e o Guilherme pediu para desculpá-lo por ter sido rude ao telefone.

Alfredo quis saber como iam os outros dois e respectivas famílias e a conversa feneceu ali. Carlos não perguntou a respeito dos negócios, para não obrigar o irmão a mentir, nem se atreveu a revelar o que sabia, para não provocar nenhuma cena patética. Só desejava sentir a força ao irmão e isso o fez intensamente. Mas as coisas não ficariam apenas nesse trocar de gentilezas, nesse digladiar de cavalheiros. Antes de sair, Carlos entregou ao irmão envelope lacrado e pediu encarecidamente que lesse com muita atenção e que o chamasse para os esclarecimentos dos sérios temas lá desenvolvidos.

— Creio que nos veremos muito em breve — disse, enquanto o elevador fechava as portas.



Alfredo ficou muito curioso pelo que se pudesse conter no envelope. Será que os espíritos haviam denunciado ao irmão a vontade que manifestara de conhecer o pensamento kardecista a respeito da vida e da morte? Não tivera coragem de interrogá-lo, tão frio e distante o sentiu. Não era bem isso. Não sabia definir com precisão. Estava frio e distante, mas parecia temeroso de alguma coisa. Achou o irmão por demais formal e não reconheceu aquele amigo com quem brincara em criança. Que misteriosas forças os separavam? Recordou-se que se dava muito melhor com Marcos, não tendo jamais tido muitas intimidades com Carlos. A única vez que se aproximaram de fato foi durante a crise com relação aos negócios, o que quase o envolvera. Lembrou-se das preocupações que tivera e sorriu. Se fosse hoje, o desafeto estaria desaparecido...

Examinou o envelope e resolveu adiar a abertura dele. Naquela noite, haveria reunião íntima de diversas famílias do prédio e precisava preparar-se para a recepção. Trancou o envelope na mesa de trabalho, onde despachava com certos chefetes das empresas de fachada, e ligou para a cozinha, dando ordem para que a sala se preparasse para a festa.

Pequeno exército de rapazes e moças adentrou o salão e, rapidamente, como atividade rotineira, transformaram o ambiente, dando-lhe luzes e cores. Até o belo painel dos retirantes desapareceu, substituído por sensual representação de festim romano.

O primeiro casal a chegar foi convidado a despir os calçados, trocando-os por sandálias de pelúcia. Garçonetes de busto nu ofereciam bebidas e tóxicos. Na sala do fundo, foi armada lauta mesa de frutas e de pratos frios. A sociedade preparava-se para divertir-se.



No plano espiritual, Ângela acompanhou atenta a conversa dos tios, enquanto todos os demais se mantinham em prece contrita. Não gostou da falta de coragem que reparou no coração de ambos. Achou que as coisas poderiam ter sido bem mais positivas, mas acreditava que a leitura de sua carta, lacrada no envelope guardado a sete chaves, poderia desencadear o conflito necessário para o esclarecimento final.

Quando os irmãos se separaram, dirigiu-se ao local do encontro com os familiares, para o relato devido.

Virgílio havia previsto que nada ocorreria sem que todos estivessem presentes, portanto, nenhuma surpresa na narrativa dos acontecimentos. Só Marquinhos demonstrava não compreender o que levava todos a agirem tão impulsivamente em relação ao tio. Ao término da exposição da irmã, Virgílio o chamou à parte, para que se entendessem a respeito de suas vibrações, sempre em oposição a se oferecer a Alfredo a tábua da salvação.

Ângela percebeu o movimento particular e externou o desejo de estar presente durante a conversação. Virgílio assentiu e os três mantiveram longo e salutar encontro, no qual se verificou que Marquinhos queria muito que o tio se regenerasse, mas temia que o grupo iria absorver-se integralmente nessa aventura socorrista, sem maiores proveitos. Ângela, com permissão de Virgílio, propôs-se a encaminhar o irmão para a leitura de determinadas obras de relatos de casos verídicos de dedicação a esse tipo de mister, em que os socorristas terminam por somar pontos especiais ao ativo da contabilidade benemerente, de sorte a saírem do trabalho mais fortes e capacitados a enfrentar provas mais severas, para a aquisição dos dons de virtudes necessários para o progresso no campo da espiritualidade. Tinha boa vontade? Era o de que precisava para compreender o socorrismo. Confiasse em Deus.

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