Glauco acabara de morrer. Um véu negro se lhe pôs na face pálida; a frieza no olhar que se fixou na lonjura indiferente atingiu aquela que lhe amava e queria naquele momento dizer, como toques medrosos, não pela cena chocante mas pela ausência absurda que naquela hora se iniciava, que a vida cortada ao meio, que as palavras pra sempre proibidas, que a voz desde agora inaudível, seriam um marco horripilante a ser superado... E o amor que uniu aquela mulher ao defunto fora extinto para sempre? O “até que a morte os separe” se confirmou no caso de Letícia e Glauco? Não, não separou-os a morte, uniu-os para sempre, uma vez que a solidão imposta àquela frágil viúva far-lhe-ia, daquela hora ao fim de seus dias, amar a memória de seu amado esposo. Sim, Letícia buscou no delicioso instante em que Glauco a beijou a vez primeira, quando disse “quero viver contigo para sempre”, a razão para, diante da visão aterradora do corpo do marido, não prantear em desespero, mas compreender que nem o tempo, nem a morte, nem a destituição compulsória do estar-no-mundo poderiam apagar de seu coração a felicidade ali presa, ali aumentada pelas horas em que juntos em sua câmara celestial de amor viveram aquilo a que anelam todos os mortais: momentos de entrega absoluta de um ser ao outro, não apenas na instância dos sentidos, dos cheiros, dos toques, da ofegância das carnes, mas do abismal espaço que no coração se abre para que o preencha sem ressalvas o fogo do amor que une duas vidas, fazendo delas a amálgama inseparável, a junção perfeita do homem com uma mulher, intacta mesmo quando a morte separou do corpo de Glauco a alma amante de Letícia. |