O VOTO DE PROTESTO
Alexandre Garcia é jornalista.
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“Brasília(Alô)- Nesse domingo, Luana foi batizada em Taguatinga, DF. Saiu da igreja com seu pai, Élcio Pimenta de Souza Jr, e sua mãe, Juliana, ambos com 24 anos, de volta para casa, onde aguardavam os amigos para uma grande festa. O pai dirigia um carro antiquado, mas não velho, com pneus carecas e a mais de 100 por hora, quando perdeu o controle e bateu num poste. Morreram os três. Seria o caso de convocar um referendo para decidir a proibição da venda de carro, uma vez que o veículo pode ser transformar numa arma, que manejada sem cuidado pode matar uma família inteira?
Em Orindiúva, São Paulo, o irmão atacou o outro, em casa, com uma faca. A mãe interferiu e foi ferida também. Deve-se fazer referendo para proibir a venda de facas, já que essas armas estão em todas as casas brasileiras e são usadas com freqüência em brigas domesticas, causando muitas mortes? Ou quem sabe se gastam outros R$ 600 milhões para perguntar ao povo sobre a proibição de cinzeiros de cristal, caso o marido acerte a socialite infiel com um cinzeiro na cabeça, causando-se a morte por lesão cerebral?
Mais grave que o cinzeiro são os bastões de basebol, que povoam os assoalhos dos carros brasileiros e podem partir uma cabeça como se parte uma melancia.
Faço esses raciocínios para entender a razão do referendo, uma vez que ainda não caiu a minha ficha. Gastar R$ 600 milhões para nada, ganhe o “sim” ou ganhe o “não”... Vai servir apenas para desviar a nossa atenção da insegurança pública.
Se ganhar o “sim”, ficaremos tranqüilos porque fizemos a nossa parte e lavamos as mãos, como Pilatos. Se ganhar o “não”, conseguiram o nosso apoio para revogar o principio da legítima defesa e aí “eles” lavam as mãos, mandando-nos ao bispo, para as queixas. Tem gente tão neurotizada na busca de um motivo para o referendo, que já concluiu que é pressão dos Estados Unidos contra nossa indústria bélica, que está exportando muito, embora não tenha, mesmo, mercado interno.
A bandidagem brasileira compra tudo do exterior e quando tem FAL(fuzil automático leve) fabricado aqui, é roubado de quartel. O brasileiro já nem compra muito, porque a lei é rígida. Pois há quem ache que o referendo vai proibir que nossas fábricas de armas vendam para o exterior, embora a lei não proíba que importemos armas e as registremos aqui. É que as regras do comercio exterior rezam que um país só pode exportar aquilo que é permitido vender no seu mercado interno.
Viajo muito, por causa de meus compromissos de jornalista. Às vezes são três viagens por semana. Graças a isso, vou fazendo minha pesquisa de opinião em toda a parte e na hora de debates de minhas palestras. E venho descobrindo que o referendo está tomando outra conotação, que vai muito além do alcance de um tiro de revolver. Já não é exatamente o “sim” contra o “não”. O referendo está virando um plebiscito. O “não” se torna um voto de protesto.
As pessoas me dizem que vão votar “não” contra a insegurança pública, contra as leis que protegem os bandidos, que permitem que um adolescente mate sem poder ser chamado de criminoso. Contra a incompetência dos governos, contra a policia que chegar tarde, contra os engodos da propaganda do “sim”.
O ex-presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, desfaz a estatística de que a maior parte das mortes entre 20 e 30 anos tem por causa o uso de armas. “Queriam o quê? Que fosse por esclerose senil?”
As pessoas reclamam que é fácil o artista ser pelo “sim” e estar protegido por guarda-costas armados. Aí, finalmente, descubro uma utilidade para o referendo: dar um rotundo “não” a tudo isso que está errado, como uma oportunidade de protesto, mostrando que queremos solução, não enrolação”. (JORNAL DO TOCANTINS, Palmas, 11.10.2005)
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