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Erotico-->27. ALFREDO -- 14/08/2002 - 06:31 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Já demos flagrantes da personalidade de Alfredo. Vamos agora penetrar-lhe no pensamento mais íntimo.

Formado na escola da vida, compreendia a existência como o relacionamento entre as pessoas, do qual se pode ou não usufruir vantagens. Para se bem viver, no seu entendimento, necessariamente deveriam os outros, literalmente, comer o pão que o diabo amassou. Assim, via na ascendência intelectual a ferramenta mais eficaz para exercer domínio sobre os demais. Para isso, era de lei afastar qualquer envolvimento emocional ou sentimental.

No entanto, no fundo da consciência, restavam-lhe algumas dúvidas bem ponderáveis, pois não lhe escapavam casos de estranhas dedicações e sacrifícios. Vira pessoas espoliadas agradecerem aos perseguidores, abençoando-os. Quando jovem, chamava até as mães que davam a vida pelos filhos de loucas, insensatas ou, no mínimo, inconscientes da realidade. Agora, com mais de quarenta anos, quando precisava tingir os cabelos para dar a impressão da fortaleza da juventude, principiava a desconfiar de que pessoas havia que fugiam ao princípio da lei da selva, do revide, da usurpação, do ódio, da vingança.

Soube de presos nas celas que, de boa mente, se deixavam explorar pelos demais, sem necessidade, estimulados para o serviço, por julgarem oportuno propiciar aos parceiros instantes de esquecimento e de algum prazer. Se soubesse disso quando na flor dos vinte anos, pensaria estar diante de pura pederastia. Agora imaginava que, no íntimo, havia quem se dava valor somente quando o próximo é que se sentisse bem.

Rico, Alfredo podia comprar a sabedoria do mesmo modo que conseguia obter qualquer outro bem. Durante muito tempo, manteve junto a si verdadeiro exército de profissionais e professores, para entendimento de muitos assuntos de seu interesse estrito. Falava corretamente, com sotaque próprio, diversas línguas. Aprendia sem esforço. Quando iniciou a atividade de traficante de tóxico, chamou certo experto no mister e quis saber tudo a respeito da cocaína e da maconha, além de todos os produtos farmacológicos. Ficou assim conhecendo desde a qualidade do solo e do clima ideais para o cultivo das plantas, como as diversas espécies e o quanto se poderia obter de cada uma. Aprofundou o saber a respeito dos países produtores, de sua gente, de sua cultura, de suas leis, dos aspectos políticos e econômicos e o que representava nessa configuração o produto da venda proibida. Ao mesmo tempo, mandou buscar médico especialista que lhe definiu todas as reações orgânicas, quanto ao consumo de cada tipo de entorpecente. Passou pela química, pela fisiologia, pela economia, pela sociologia, evitando tão-somente enfrentar os problemas éticos, morais, filosóficos ou religiosos.

Era o desconhecimento desses aspectos que se insinuava agora em sua mente como noção em falta. Sempre tão seguro de si, dominador das reações e das manifestações de humor, que íntimo tremor começava a sentir desde que soube que o irmão vinha freqüentando os mistérios do além?

Seu positivismo diante dos fatos da vida prescrevia-lhe, inequivocamente, que enfrentasse a dúvida, chamando alguém do ramo para esclarecer-lhe o que ocorria. Talvez algumas sessões de psicanálise pudessem despertá-lo para a realidade de seu mundo interior. Antes, porém, que se jogasse no divã revelador, precisava conhecer de perto quais os métodos e processos utilizados nesse ramo da medicina e qual o poder de desvelamento que ensejaria para o paciente. Desconfiava de que o médico poderia inteirar-se de seu “ego”, vindo a exercer-lhe alguma ascendência.

Por outro lado, veio-lhe à mente, tão bem sempre se dera com o sistema, trazer algum entendido em espiritismo, para decifrar os enigmas que se lhe propunham à inteligência. Conhecia a vida e os meios de se sobrepor ao mundo, mas começava a perceber que era totalmente ignorante dos fatos da existência espiritual. Tinha vaga noção de que havia espíritos e que estes podiam exercer domínio sobre as pessoas, em casos de possessão, mas não aceitava o fato de poder haver castigo, ou inferno, ou demônios. Imaginava que tudo o que conseguia manobrar aqui, por força de sua maneira de pensar e de agir, poderia aplicar depois, qualquer fosse o plano para onde se dirigisse. Fora capaz de perfeita adaptação ao meio corrompido em que crescera.; seria também maleável a ponto de enfronhar-se nos princípios que regeriam o outro lado, se é que existisse qualquer coisa além.

Assim, mandou chamar, de uma só vez, um psicanalista e um dono de terreiro. Evitava o kardecismo, para não ter de avaliar os pais, que vira tão interessados em freqüentar e acompanhar as atividades do Centro Espírita do Amor Divino. Parecia-lhe que a influência que lá se exercia sobre os indivíduos era por demais absorvente, ficando as pessoas cegas para tudo o mais na vida. Uma vez lá dentro, até a vida familiar ficava prejudicada.

Nesse ponto das cogitações, lembrou-se dos dias em que o irmão Marcos, o médico, que ele amava com estremecimento e com quem mantinha longas conversas, conduzia o pai para determinados encontros, pois achava que o velho, após a morte da mãe, vivia esquisito, macambúzio e triste. Lembrava-se de que o irmão previra algo como que suicídio, se não lhe fosse propiciada qualquer fonte de prazer e de derivação da saudade. Punha-se diante da figura do velho, a relembrar-lhe as feições e via-o como a um sátiro a atirar-se nos braços das damas. Recordava-se de uma vez em que fora a uma viagem de recreio da qual voltara estranho, para dedicar-se ao estudo das obras espíritas. Se não se enganava, fora depois disso que se afastara da família para entregar-se exclusivamente às tarefas do centro. Decididamente, algo havia lá que absorvia a mente e o coração das pessoas.

Veio o médico e veio o macumbeiro.

O primeiro esclareceu a respeito dos objetivos da psiquiatria, da psicologia e da psicanálise. Ao saber que o tratamento visava a restabelecer os padrões de comportamento pela média da população, curando o que o facultativo denominou de desvios de conduta, resolveu dispensar qualquer tipo de tratamento. Não era disso que precisava. Se ficasse doente, talvez voltasse a chamá-lo.

O macumbeiro disse-lhe que o objetivo do relacionamento entre os vivos e os mortos, entre encarnados e espíritos, era fazer com que as pessoas vivessem de modo mais feliz, afastando os “encostos” ou realizando “trabalhos” para encaminhar a vida de outras pessoas, de modo a facilitar as coisas para si. Nada disse que Alfredo não fosse capaz de intuir ou de já ter noção a respeito, mas despertou-lhe a curiosidade o poder que se poderia exercer sobre a espiritualidade. Seu maior interesse enfeixou-se nesse aspecto.

— Quer dizer, então, que, se eu quiser fazer algo contra alguém ou a meu favor, posso adquirir os préstimos de entidades que ficarão a meu serviço?! A que preço?

Alfredo queria saber se precisaria vender a alma em troca dos favores. O esperto membro representante das organizações a serviço do mal explicou-lhe, então, que o bem poderia ser pago com obrigações, como sejam dinheiro, produtos vários, assistência aos que trabalhavam pela sociedade ou até com certas tarefas de caráter pessoal, como pontos a serem cantados, atendimentos a certos pedidos relativos a necessidades carnais impossíveis de serem realizadas sem o concurso dos humanos etc.

O pai-de-santo não disse mas sugeriu, sem explicitar, que o santo poderia solicitar algumas atividades no campo do crime e da ilegalidade.

Da mesma forma que despediu o médico, Alfredo dispensou o embusteiro, que foi como ele viu as atividades nos terreiros. Aceitava até que poderiam ocorrer essas ligações entre os planos, mas não admitia a hipótese de ter de servir a qualquer entidade que lhe pudesse determinar algo em troca de favores. Acostumado a definir o preço de venda e, muitas vezes, até de compra, não aceitou ficar na dependência de espíritos, cujo objetivo maior era impor-se aos encarnados. Se era isso o que encontraria após a morte, poderiam esperar por alguém que iria afirmar-se plenamente. Para isso não lhe faltava treino.

Mas Alfredo não ficara satisfeito com as investigações. Pensou em conversar francamente com algum padre da igreja católica, daqueles que ficavam incentivando o povo à invasão das terras. Imaginou o que poderiam dizer a respeito dos estremecimentos íntimos e da preocupação em saber o que poderia esperar para depois da morte e concluiu que esses representantes do clero o mais que faziam era subversão social. Lembrava-se até de certa família que chegara do interior e a quem precisara ministrar severa lição, porque pretenderam acampar em um de seus terrenos. Se não fosse pela rápida saída e desaparecimento da região, teriam engolido a pretensão de insuflação do povo contra a propriedade estabelecida. Recordou-se de como vendera a partida de cocaína disfarçada em latas de massa de tomate, com cujo lucro adquirira honestamente as terras. Que fossem trabalhar...

Os padres estavam fora das cogitações, até mesmo os da velha guarda, que só pensavam em recriminar os vícios. Lembrou-se dos ministros protestantes, mas com estes não poderia conversar. Eram pessoas úteis, apesar das idéias retrógradas, porque conseguiam evitar que muitos jovens do bairro acabassem na sarjeta. Se era certo que muitos compradores se perdiam, de qualquer forma a morte também os levaria. Por outro lado, a possibilidade da salvação e da cura acendia nos demais o desejo de entrarem para o vício, com a esperança de se sobreporem a ele. Os exemplos vívidos dos poucos que se safavam davam-lhe muito lucro.

Alfredo não via como resolver o enigma da atual contextura psíquica. Aceitava a luta como norma de vida. Se alguém sequer imaginasse adentrar-lhe os domínios, executaria incontinênti. Mas a existência de quem não pautava o procedimento pelo seu mexia-lhe com a estrutura mental.

Lá no íntimo da alma, perguntou de si para consigo mesmo:

— Terei coragem de enfrentar os conhecimentos que conduziram meu pai e minha mãe na última fase de suas vidas? Que poder de atração é esse que está a arrastar o meu irmão? Se eu ficar fascinado, terei forças para reagir?

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