Uma boa viagem!
Paulo de Góes Andrade
A sujeira que ficou na mesa em que sentamos para comer o frango assado, que levamos para "enganar" o estómago, durante a nossa viagem, foi demais.
Já passava do meio-dia quando entramos num lugarejo do interior da Bahia. O sol a pino queimava inclemente. Além da sede, a sensação de fome já nos maltratava sem piedade. Nosso companheiro de viagem já não tinha mais assunto. Era a hora sagrada do almoço. Notamos no silêncio das suas palavras, com o olhar fixo na cidadezinha que se aproximava. O carro, como o amigo, também precisava ser abastecido. Tínhamos ainda muito chão pela frente, dali até Fortaleza. Resolvemos, por unanimidade, parar.
O vilarejo não era diferente de outros tantos com que nos deparamos pelas estradas do desnutrido Brasil nordestino. São duas fileiras de moradas modestas à s margens do asfalto, onde não faltam um posto de gasolina e um pobre comércio, dividido, na maior parte, em simples botecos; uns se aventurando até a oferecer precário serviço de restaurante. Os mictórios idem, idem, disfarçando o cheiro ativo de urina com pedaços de limão verde distribuídos pela calha, amarelecida, de folha-de-flandres por onde escorria a variedade enorme daquele resíduo humano.
As mulheres reclamaram à beça do desconforto que enfrentaram nas suas necessidades fisiológicas.
- "É o descaso da politicagem com essas regiões pobres deste país. A pobreza que se dane! Disso aqui os políticos só querem mesmo é o voto". Comentamos revoltados.
O nosso automóvel, logo que estacionamos, foi cercado por um bando de meninos mal-vestidos, uns tímidos, de olhar triste, subnutridos, e outros mais falantes, informando-nos da existência de pousadas e onde se podia comer bem...
Na mesa, da melhor espelunca apontada pelos menores, fomos imediatamente atendidos por um sarará suado e excessivamente parlatore. Era o garçom. Vestido a caráter, de calça preta e camisa, que devia ter sido branca há muitos dias atrás; com o pescoço apertado por um colarinho encardido, ostentado por uma gravatinha preta, tipo borboleta. No espaço do "Churrasco gaúcho", noutras mesas, viajantes como nós, camioneiros e pessoas comuns dali mesmo comiam e bebiam alegres.
- O qui é qui o dotó vai querer com seus amigo?!
Entreolhamo-nos silenciosos, como que nos interrogando qual atitude tomar diante do xeque-mate de Carrapicho, entregando-me um livreto ensebado com a lista dos pratos-do-dia.
Ele tinha se apresentado:
- Carrapicho a suas orde, dotó! Seu cabelo pixaim deu-lhe aquele apelido, nos revelou.
Éramos quatro: um casal amigo, eu e minha mulher, que, com um guardanapo nosso, de pano, afugentava indesejáveis moscas que, insistentes, nos importunavam, e tentava abrir em cima da mesa uma lata quadrada, ainda com o rótulo de um famoso cream craker, em que o nosso frango assado, acompanhado de uma dourada farofa de farinha fina, provocava água na boca, principalmente do nosso companheiro.
Os restos mortais do nosso frango: ossos e sobras de farofa, que ficaram na mesa, não compensaram o preço dos quatro refrigerantes que tomamos. Foi a nossa única despesa. Pedimos a conta. E ouvimos a voz metálica do nosso garçom, o simpático sarará, tagarela e apressado:
- Fecha a mesa sete, Sinfrónio!
A sua exclamação, percebemos, foi mais uma gozação do que um sincero pedido ao caixa da casa. Ele viu, no que consumimos: quatro refrigerantes, que a sua gorjeta tinha ido pro brejo; que éramos, como todo rico, uns miseráveis. O que seriam dez por cento daquela despesa? Uma ninharia. Pensou sem dúvida.
Mesmo assim, recolhendo umas moedas que deixamos na mesa, ainda nos desejou:
- Uma boa viagem! Pode?
Brasília (DF) - 07 / 12 / 2001
(pgoes@terra.com.br)
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