Câmara Cascudo no Céu
Autor: Paulo Nunes Batista
Depois que deixou no Cão
O corpo parado e mudo,
Subiu Câmara Cascudo
Em espírito à amplidão.
Chegou naquela Mansão
Onde São Pedro é Chaveiro,
E foi dizendo ao Porteiro:
Não precisa ter espanto:
Abra esta Porta, meu Santo,
Deixe entrar o Brasileiro!...
Diz São Pedro, amarelinho,
Já com voz trêmula e rouca:
Tire o charuto da boca,
Grande mestre Cascudinho...
Aqui não se toma vinho
E nem se contam anedotas...
Quando o ca (b) ra bate as botas
Na Terra – e ao Céu se dirige
Ou toma por outras rotas...
Cascudo disse: Está certo,
Eu aceito as condições...
De dirigir meus senões,
Já faz tempo, eu ando perto.
Isso – eu tinha descoberto
Antes do Encontro da Morte.
Tracei minha própria Sorte
Desde o meu berço Natal:
Pergunte a alguém se fiz mal
Ao Rio Grande do Norte!...
Disse São Pedro: Nós temos
A ficha de todo mundo...
Por isso, Espírito imundo
Aqui nunca recebemos...
Desde o começo, sabemos
Da vida de cada qual.
No Mundo Espiritual
Não prevalece a Cobiça,
Mas – a Divina Justiça
Guia a Ordem Universal!...
Disse Cascudo: Eu preciso-
Pois ando muito cansado-
De descansar um bocado
Num Canto do Paraíso...
São Pedro deu um Sorriso
De Entendimento e Bonança...
Disse: Então, perca a esperança
De ficar só “numa boa”:
No Céu ninguém fica à toa...
Nem o próprio Deus descansará!...
-Todo mundo aqui trabalha
pelo Bem da Humanidade:
onde houver Necessidade
nosso Socorro não falha...
É uma incessante Batalha
Contra as Forças do Tinhoso!
No Céu não tem preguiçoso,
Mandrião e parasita...
Erra, aquele que acredita
Que existe o “eterno repouso”!
Aqui se faz Tratamento
Pra as forças recuperar.
Assim que você sarar
Entra logo em Treinamento...
Nós temos um Movimento
De Assistência e Proteção
Que leva Orientação
Aos homens do seu planeta-
Contra as Forças do Capeta,
As Artimanhas do Cão...
-Precisamos de almas nobres
Para amar, para servir
Para na Terra lenir
O Sofrimento dos Pobres,
Fazendo os donos dos cobres
Movimentar a Riqueza
Pra eliminar a Pobreza,
Incrementando a Fartura-
Matando a Ganância, a Usura,
Gula, Ambição e Avareza!...
-Todo sábio, todo artista
que tem o divino dom-
todo Espírito que é bom
o direito ao Céu conquista.
Aqui não entra o Egoísta,
O Explorador, o Sovina...
Aqui se aprende e se ensina
A Justiça da Verdade:
Aqui se acaba a Maldade
E todo o Mal se elimina...
- Sabemos que você era
Lá na Terra um homem culto,
Um famoso e ilustre vulto,
Uma alma boa e sincera.
Por isso, é que o Céu lhe espera
E lhe abre os Portões seus...
Temos diversos ateus
Que servem ao Mestre Jesus:
São espíritos de Luz,
Trabalhadores de Deus!...
-Aqui não damos ingresso
aos falsos “religiosos”...
aos Tiranos poderosos
que só trazem o Povo opresso!
Quem promove o retrocesso
Na marcha da Humanidade,
Quem vive na Iniqüidade-
Vai para o Inferno que cria:
Não partilha da Alegria
De um Céu de felicidade!...
Concluindo seu discurso,
Sorrindo, São Pedro diz:
-Pode entrar, mestre Luís:
você já passou no curso...
Não precisa de concurso
Nem tem de fazer mais prova...
Seu corpo ficou na cova
Com velhice e com surdez...
Mas, o Céu que você fez
Lhe garante Vida Nova!...
Por Cascudinho esperava
A turma Folclorista-
Leota, Chagas Batista
Que na hora improvisava.
Sílvio Romero ali estava
Com Rodrigues de Carvalho-
Cada um quebrando um galho
Para receber Cascudo:
Gustavo Barroso – tudo
Sem o menor atrapalho...
Junto a Edson Carneiro
Se via José Veríssimo.
/Era um grupo importantíssimo
Para o Povo brasileiro.
Reuniu-se o Céu inteiro,
Tendo à frente os Escritores...
E os Poetas Cantadores,
Rimando Improvisações,
Entoando saudações,
Davam a Cascudo os louvores.
Inácio da Catingueira,
Gulino do Sabugi
Com Zé Duda do Zumbi
E Romano do Teixeira-
Numa explosão violenta
De fazer Santo chorar-
Para recepcionar
Cascudo, esse grande mestre-
A maior glória terrestre
Dada à terra potiguar!
Glosadores e Coquistas,
Tiradores de Pagode-
Cada qual dando o que pode-
Entre os Grandes Repentistas-
Ao “rei” dos Folcloristas,
Cascudinho de Natal!
Foi um show celestial
De se tirar o chapéu:
Choviam Versos do Céu
Sobre o globo terreal...
Recebeu o Irmão Luís
Um Poema colorido,
Todo de estrelas tecido,
De São Francisco de Assis...
Cascudo, de tão feliz,
Quase acendia um charuto...
Não o fez, que esse produto
Lá no Céu não se fabrica:
Como quase tudo- fica
Aqui neste mundo bruto...
Os amigos perguntaram,
Na Recepção Celeste,
Como é que andava o Nordeste,
Que há muitos anos deixaram...
Cascudo disse: Mudaram
Algumas coisas...Porém,
Seca e Miséria ainda tem
Com seus horrores cruéis...
A “força dos coronéis”
Ta viva – vai muito bem!...
- Eleição ainda se ganha,
Na Região Nordestina,
Com Dinheiro, com botina,
No sistema da barganha...
O Lavrador ainda apanha
Da Polícia, do Patrão...
Acabou-se Lampião...
Mas, pelo Nordeste inteiro,
Ainda existe Pistoleiro
Exercendo a profissão...
A Poluição cresceu.
No mar, não há mais jangada.
Quase não resta mais nada
Do que o passado nos deu...
A Tradição se esqueceu
Sob as ondas do iê-iê-iê...
Samba, côco-de-zambê-
Ninguém mais escuta o toque:
No Nordeste manda o rock
Pelo rádio e na TV...
- A política nefasta,
Fisiologista e suja
Ao Nordeste encaramuja
Em sua sorte madrasta...
Do Povo o dinheiro gasta
Com desonestos manobras...
Onde é que se encontram “as obras”
Desses tais filhos da Peste?
O nosso velho Nordeste
Ta hoje atirado às cobras!...
- Nunca existiu, como agora,
Corrupção, Despreparo...
Patriotismo – é tão raro,
Que – quem tem – fica de fora!
Ao povo se oprime e explora
Como antes nunca se viu...
A Violência se abriu
Por todos lados e frentes-
Cão danado, em cujos dentes
A paz se prostituiu!...
- Eis o que posso dizer
Do nosso planeta Terra!
Ali se prepara a Guerra
Para todo o mundo ver...
Só Deus pode socorrer
Nossa Humanidade cega,
Que dia e noite se entrega
Às garras do Bilifute,
Enquanto a Manha do Bute
Pras profundas a carrega...
Depois dessa triste Fala
Cascudinho se calou...
E um ar dd emoção soprou
Sobre os que estavam na Sala...
Pois, o Céu sempre se abala
com os Sofrimentos de Cá...
AIDS, Câncer, Bomba H
E tudo o que o Mal produz
Tocam, no Céu, a Jesus
E aos Santos Todos de Lá...
Cascudinho foi tratado
Numa espécie de hospital,
Onde, ali, de todo mal
Foi finalmente curado.
Sentiu-se, assim, renovado
Num corpo de luz, bacana...
A Ciência Soberana
Curou-o à Luz do Evangelho-
Sepultando o “homem velho”
Pra dar vida à alma humana...
Cascudo, um grande Erudito
Com sua sabedoria,
Descobriu que não sabia
Das coisas lá do Infinito...
Em vez de cantar bendito
Junto ao “trono do Divino” –
Transformou-se em paladino
Das Causas do Grande Mestre:
Voltou ao Plano Terrestre
Pra servir ao Nordestino...
Junto a Artistas e Poetas
Descidos do grande Além,
Em perispírito- vem:
Traz de Amor as Mãos repletas.
Tenta atingir outras Metas,
busca Novas Harmonias,
Trazendo, por companhias,
Castro Alves e Leandro,
Pedro Américo e Nicandro,
Zé Lins e Gonçalves Dias...
Pela própria Experiência
Cascudinho agora sabe
Que toda a Vida não cabe
Apenas numa existência...
A Divina Providência
É Sábia: sabe o que faz-
O Espírito leva – e traz
Conforme a Necessidade,
A fim de que a Humanidade
Progrida – e conquiste a Paz!...
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