Usina de Letras
Usina de Letras
131 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62181 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140792)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->O AUTOBIOGRÁFICO COMO VANGUARDA EM OSWALD DE ANDRADE -- 28/08/2005 - 21:53 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O AUTOBIOGRÁFICO DAS MEMÓRIAS COMO ELEMENTO DE VANGUARDA NO PRIMEIRO CADERNO DE POESIA DE OSWALD DE ANDRADE



Por: Prof. Dr. Jairo Nogueira Luna (Jayro Luna)



UNICSUL e FASB



Resumo: Buscamos apontar nos poemas oswaldianos do Primeiro Caderno do Aluno de Poesia de Oswald de Andrade o modo como o elemento autobiográfico se insere num discurso radical e modernista. No dizer de Raúl Antelo: “o aluno de poesia é um menino experimental” e, de fato, acreditamos encontrar nas poesias desse livro a experimentação constante que leva o autobiográfico à condição de paródia do próprio eu-lírico. Estruturado na forma de álbum ou de caderno, o livro supõe a leitura diacrônica da vida do poeta, no âmbito das memórias, tal suposição é instigada, mas é um disfarce para um sentido mais vanguardista da biografia do poeta em que o paródico, a sátira e a invenção caminham conjuntamente na direção de propor uma leitura do tempo e do espaço na organização da obra como elementos relativos, dinâmicos e sincrônicos, em conformidade com poética fundada com influências do Cubismo, da montagem cinematográfica e do Futurismo como instrumental para uma releitura do discurso do poeta no cenário cultural do Brasil.



 



1. Introdução:



Philipe Lejeune em Le Pacte Autobiographyque define a autobiografia como "o relato retrospectivo que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando a ênfase recai sobre sua vida individual, e em particular na história de sua personalidade"[1]



Porém, em Literatura - e já observou Wilson Martins que toda a literatura passa por se, em certa medida, autobiográfica, principalmente a poesia - o que se pode considerar como participante do gênero autobiográfico está preso mais ao modo criativo e por vezes, até ficcional, com que a história de sua própria personalidade pode ser contada. No caso da literatura brasileira moderna, a obra de Pedro Nava (Balão Cativo, Baú de Ossos, Chão de Ferro) vale mais, não pelo retrato cultural das amizades e impressões de época que o autor nos apresenta num texto que se apresenta como um conjunto de recordações, mas pelo fluir dessas recordações na forma de um texto que envolve-nos pela pluralidade de significações, de tal modo, que o passado como que busca presentificar-se, porém, é um passado estilizado, recortado, sincronicamente pelo autor presente com suas lembranças.



De outra sorte, um livro como o de Bernardo Soares (Livro do Desassossego) é ainda mais autobiográfico, na medida em que a vida toda de Bernardo Soares é seu livro, não havendo outra que não seja o texto criado por Fernando Pessoa.



O termo autobiografia tem sido utilizado comumente como sinônimo de “memórias” e é com base nessa sinonímia que citei a obra de Pedro Nava.



O problema inicial que se coloca é em relação aos papéis do narrador e do protagonista, uma vez que quem narra é o duplo de quem age. O recorte temporal e espacial feito pelo narrador implica, desse modo, numa subjetividade tal que os fatos - por mais exteriores e históricos que possam parecer ao sujeito - são, ao fim e ao cabo, resultados de um filtro psicológico e no caso da literatura, estilizado, acerca do mundo.  Se, por vezes, a autobiografia busca se apresentar como realidade, construção organizada do passado, tal apresentação é na verdade um embuste, uma vez que ela é a seleção pessoal de alguns fatos, apresentados sob a ótica parcial do narrador envolvido e comprometido totalmente com os personagens de sua história, de tal modo que o simples comparar dos fatos autobiográficos citados numa obra com a visão que outros tiveram do mesmo fato é suficiente para desmascarar a idéia de que a autobiografia é mais presa à realidade do que o romance ou outra obra de ficção.



Não pretendemos aqui fazer um tratado sobre o conceito de autobiografia em termos de gênero literário, mas sim, a partir de noções gerais, abordar alguns poemas de Oswald de Andrade no intuito de verificar em que medida aspectos que podem ser considerados como de natureza autobiográfica aparecem nos poemas e como tais aspectos são modificados ou modificam a radicalidade vanguardista de sua poesia.



 



2. Oswald Radical



            A personalidade de Oswald de Andrade parece ter sido marcada por fatos e procedimentos de natureza polêmica, tanto na sua vida particular, quanto na esfera artística. Maria Augusta Fonseca escrevendo a pequena biografia de Oswald para a coleção Encanto Radical, da Brasiliense, diz que:



 



“Seu espírito destemido se ali ao gosto pela sátira, pelo humor. O movimento e o rompimento de amarras serão os fundamentos mais presentes na sua obra literária, no seu espírito crítico e na vida pública. Esta última, aliás, irrompe aqui e ali na própria obra, de modo que o autor muitas vezes, ultrapassa os limites do narrador para, de algum modo falar de si mesmo. E Oswald traduz na obra o universo contraditório de si mesmo.”



     (FONSECA, p.15)



 



            Assim, se lemos o poema “O Pirata”: “Num Cadillac azul / Ele chispou entre duas metralhadoras / E um negão de chapelão no guidão”, não devemos ver aqui uma referência ao famoso cadillac verde de Oswald, com que ele levava os amigos modernistas para Santos para declamações e reuniões nas noitadas litorâneas. Mas já, a mudança de cor do automóvel, de verde para azul, implica numa preocupação de separar o autobiográfico direto e factual da obra. Para a absorção ou apropriação do autobiográfico na obra e pela obra é o espírito da radicalidade da obra oswaldiana que contamina a vida do seu criador. As metralhadoras não puderam detê-lo, e ao volante o negão de chapelão colocava à cena mafiosamente gangsteriana um toque de latinidade, reforçada pela sonoridade do particularíssimo “ão” da língua portuguesa que ecoa como o ronco do motor: “...rão/...ão/...ão”. Metralhadoras que metaforizam a crítica anti-modernista, de fundo político ou artístico que sofreram os modernistas nos seus primeiros anos de movimento. Ao dedicar o poema “Ao Menotti” (Del Picchia), aproveita da sonoridade italiana do amigo modernista para reforçar a cena gangsteriana desse poema cinematográfico.



            Como bem comentou Haroldo de Campos, Oswald era o “analista analisado”:



 



“Compreensível, portanto, que a essa filosofia correspondesse uma literatura exercida como atividade eminentemente crítica, na qual a poesia ‘pau-brasil’ marca um movimento de singular eficácia. E tanto mais autenticidade ganha esta literatura crítica, quando se verifica que o seu autor é ao mesmo tempo sujeito e objeto do processo, observador e protagonista da realidade observada. Em nenhum momento Oswald se exclui sobranceiramente do contexto em observação, para reservar-se uma sede arbitral, neutra e não afetada pelos acontecimentos. Antes, ele é o analista analisado.”



     (CAMPOS, p. 34)



 



 



            Nesse contexto, podemos dizer que o elemento autobiográfico oswaldiano tem em sua obra caracteres existenciais. Os acontecimentos não são diretamente relacionados, mas são transformados pelo projeto de uma obra de vanguarda. Houve quem relacionasse aspectos de alguns de seus personagens, Abelardo (O Rei da Vela), Serafim Ponte-Grande e João Miramar com caracteres da personalidade oswaldiana. O Miramar que ousa fundar uma indústria cinematográfica em São Paulo, o Serafim que viaja pelo mundo em busca de si mesmo, o Abelardo que se dá bem em plena crise da Bolsa de Valores de Nova York em 1929 (em oposição a Oswald) são algumas das relações levantadas.



            Haroldo de Campos aponta nessa aproximação entre autor e obra um aspecto de caráter dadaísta, uma vez que no Dadaísmo a obra transforma a vida do artista em fato estético. Veja-se as pseudobiografias e currículos que os dadaístas berlinenses construíram para si mesmos e que sintetizavam em alguns epítetos e títulos honoríficos: Baader (Dadaprofeta), Hausmann (Dadásofo), George Groz (Dada-Marechal) Huelsenbeck (Dada-campeão), etc...[2]



            Evidentemente, e também observa isto Haroldo de Campos, a influência dadaísta na obra oswaldiana passa pelo processo da antropofagia. De modo que existe uma transformação da teatralidade autobiográfica dadaísta em Oswald para um sentido mais amplificado do Modernismo. Ou como ele escreve no Manifesto Antropófago: “Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.”



           Ou seja, para Oswald o conceito de memória implicava na manutenção da tradição, uma tradição aristocrática, burocrática e cartorial que o poeta radical buscava se contrapor, assim, a “experiência pessoal” deve ser continuamente renovada pela criação artística, pela invenção.



 



3.O Primeiro Caderno do Aluno de Poesias Oswald de Andrade



            O livro de poesias Primeiro Caderno do Aluno de Poesias Oswald de Andrade (1927), se apresenta como se fosse efetivamente um caderno de poesias de um jovem estudante. Arabescos, rabiscos, caricaturas são inseridas ao lado de poemas, alguns tão breves e sintéticos que nos dão a impressão de inacabados, de rascunhos ou esboços. No frontispício há a parodia dos ramos de café do brasão nacional, colocando em cada folha o nome de um estado numa divisão silábica por vezes sugerindo o improviso do desenho ou a ingenuidade do jovem poeta (Amazona - s; Cergipe) ou brincadeiras com os nomes dos estados (“Goyabada” por Goiás; Rio Parahyba; Lá no Piauhi).    



            Logo após, uma página com a suposta identificação de dados do autor-estudante: “Escola: pau-brasil / Classe: primária / Sexo: masculino / Professora: A Poesia”. Os determinantes “escola”, “classe”, “sexo” e “professora” como se fossem dados de uma etiqueta de caderno escolar vêm impressos em tipo de imprensa, ao passo que os dados são colocados como se fossem escritos à mão, para reforçar a impressão de um caderno de poesias. No entanto, a escola “pau-brasil” tem nova amplitude estética, é o modernismo oswaldiano tal escola, a classe “primária” alude ao sentido inaugural da busca da criação e da originalidade da estética modernista.



            Raúl Antelo em prefácio à edição do Primeiro Caderno, editora globo, comenta acerca desse “menino-experimental”, suposto narrador que recupera memórias de uma criança que de fato não existiu. Ao contrário de um narrador como o Sérgio de O Ateneu de Raul Pompéia, que adulto, recupera memórias da infância e as reinterpreta, aqui, o narrador compõe uma criança que é a transposição das idéias do adulto sob uma roupagem de infância. Ainda Raúl Antelo comenta:



 



“A enunciação-criança monta um teatro espacial que ensaia, concomitantemente, uma tipografia gestual. Em sua mudez, a dicção ingênua se expressa pela performatividade do branco. A grafia de um aluno de poesia guarda-se, assim, em quatro gares locais que se desdobram em tempos: ‘infância’, ‘adolescência’, ‘maturidade’, ‘velhice’. A montagem desconjuntada de elementos de ‘infância’, os fragmentos de um diálogo - um discurso que não ouve - em ‘adolescência’, a aderência à convenção em ‘maturidade’, o sobressalto do corte em ‘velhice’ são co-produzidos pelo branco e pelo traço, gesto de recusa da dicção poética maior.”



     (ANTELO, p. 13)



 



            Ao lado dos poemas de “As Quatro Gares” podemos colocar os poemas “Meus Sete Anos” e “Meus Oito Anos” em que a paródia a Casimiro de Abreu instaura uma série de oposições como romântico/moderno, rural/urbano, idealizado/dessacralizado, saudoso/irônico. De fato, o livro sugere-se como elemento autobiográfico desse menino-experimental, sabemos, porém, à medida que o conjunto de poemas é lido que tal criança é uma personagem do poeta-adulto, que faz da ingenuidade da fala do menino o artifício para desvelar e ironizar as contradições e conflitos do cenário social que pretende circunscrever como cenário de suas lembranças. Não são lembranças de um autor-adulto oriundas de um passado de décadas, mas um menino que se presentifica no instante adulto do escritor.   



Vejamos, por exemplo, que o poema “Canção da Esperança de 15 de Novembro de 1926” coloca uma data muito próxima do ano da publicação insinuada na capa (“Viva o ano de 1927”).



 



4. O Cubismo e o Futurismo como elementos de fragmentação e sincronia do tempo



            Já se tem observado a influência das estéticas cubista e futurista na produção oswaldiana de até o final da década de 20. A amizade com Blaise Cendrars é um índice autobiográfico dessa influência, embora, não seja uma influência de mão-única, uma vez que ao vir ao Brasil, Blaise sentiu-se atraído pela riqueza cultural que encontrou, bem como pela maneira ousada com as idéias oswaldianas eram empregadas nesse contexto.



            O Cubismo enquanto estética que buscava novas relações dinâmicas de olhar como forma de autonomizar a pintura em relação ao referente e, ainda, como forma de contrapor-se ao efeito mimético da fotografia, desenvolveu um procedimento técnico em que os mais simples objetos como um jarro ou um copo, ou um objeto artístico como um violino ou uma guitarra eram transformados na tela num conjunto multidimensional de fragmentos sobrepostos e justapostos em que o limite entre a tridimensionalidade, a ilusão da perspectiva, o volume e a cores criavam relações existentes ou entrevistas apenas na tela. O Futurismo, em contrapartida, também utilizando, por vezes, geometrizações, alterações da perspectiva, do volume e das dimensões, buscava a representação da velocidade como conceito alegórico da máquina, da tecnologia, do mundo urbano em profundidade iluminista e utópica. Não foi por acaso, que posteriormente, os dois movimentos uniram-se num Cubo-futurismo[3].



            Na poesia oswaldiana os elementos cubo-futuristas podem ser percebidos na técnica do chamado “flash do cotidiano”, na ausência de sinais de pontuação, na forma sintética ao extremo de alguns poemas (“amor / humor”), na alusão à máquina e à velocidade, no corte imagético dos versos (“Crônica: / Era uma vez / O mundo”)[4].



            Mas um detalhe ou suposição que quero chamar a atenção é que podemos relacionar o Cubismo e o Futurismo como dois elementos que influenciam no tempo ou na articulação do tempo na poesia. Pelo seu efeito narrativo, o tempo tem características mais próprias na prosa, mas na poesia oswaldiana, e no caso do Primeiro Caderno, creio ser possível inferir que os poemas mais sintéticos e, também, talvez por isso mesmo, os mais elípticos têm uma conformidade imediata com a estética futurista, como é o caso de poemas como “Crônica”, as quatro partes de “As 4 Gares”, “Amor”, “Anacronismo”, “Fazenda”, “Delírio de Julho” e “O Pirata”. O Futurismo entra como definidor das relações de tempo no poema pelo fato de que a leitura rápida, instantânea, sintética que nos proporcionam é também caracterizada por um choque na lógica articulativa e linear do pensamento cartesiano e pela ocorrência de elipses criando sincronismos e choques, como em “Fazenda”, poema de um único verso: “o mandacaru espiou a mijada da moça”. A oração absoluta é articulada no padrão das orações em língua portuguesa (Sujeito + verbo + objeto), no entanto, ela é o resultado subversivo dessa linearidade gramatical que nos força a uma rápida leitura, uma vez que o sujeito é o mandacaru antropomorfizado e o objeto direto é “a mijada da moça” que causa um choque pelo seu significado desconcertante. Em “Delírio de Julho” (“É uma festa da Penha / Há Patriotas no Brás e no Brasil”) a elipse entre o primeiro e o segundo versos é que cria um choque tão rápido quanto um flash, que nos força a uma tentativa rápida de reinterpretação das frases de modo a que possamos criar um elo de significação entre os dois versos, sincronizando-os em torno da possibilidade desse elo buscado. Futuristas, pois, não pelo tema, mas indiretamente pela forma, e mais precisamente pelo tempo do poema que força à leitura instantânea, mas ligada a um esforço elétrico do pensamento em ligar e articular frases ou orações estruturalmente lineares, mas logicamente originais, talhadas no limite do código.



            O Cubismo, por sua vez, comparece como elemento definidor do tempo em poemas mais longos (longo para uma concepção oswaldiana) como “Soidão”, “Canção da Esperança de 15 de Novembro de 1926”, “Hino Nacional do Pati do Alferes”, “Balada do Esplanada”, “História Pátria” e “Brinquedo”. Podemos perceber seu efeito causado pela estrofação associada à repetição de versos ou de estrofes (refrão), em que a cada repetição retoma um novo aspecto interpretativo, como se fosse um novo ângulo, uma nova alteração da perspectiva anterior, ao modo da técnica cubista. Em “Soidão”, p.ex., o verso-mote “Chove chuva choverando”, que termina nesse verbo criado pelo poeta “choverar”, fruto ao que parece da associação entre o verbo chover e o andar, uma vez que o poema é que anda chovendo, ritmadamente sobre a folha de papel, em novas e contínuas angulações do cenário urbano citado: “A chuva cai / cai de bruços / A magnólia abre o pára-chuva / Pára-sol da cidade”.  Em outro poema longo, “Balada do Esplanada”, as palavras do título e a palavra “hotel” reverberam-se em repetições dentro do poema: “Uma balada / Antes d’ir / pro meu hotel” (estrofe 1), “No Esplanada” (est. 2), “É o hotel” (est.4), “A balada / Do Esplanada” e “De meu hotel” (est. 5), “Num hotel”, “’Splanada



/ Ou Grand-Hotel” (est. 6). Essas repetições, essa recorrência, de certo modo, lembra-nos a fórmula cubista de recortar um objeto em diferentes ângulos e justapô-los, aqui, tais palavras a cada repetição estão inseridas num novo momento significativo do poema.  Além do mais, a própria extensão do poema, cria uma leitura mais ritmada, cuja relação com o tempo se faz de compassos/estrofes em acelerada reorganização. Neste poema, por exemplo, o elevador do hotel já se apresenta iconizado na mancha do poema sobre a página: 53 versos de no máximo 6 sílabas, um poema verticalizado.



            No “Canção da Esperança de 15 de Novembro de 1926” os versos das estrofes 1 e 2 repetem-se nas estâncias 5 e 6, e ao final do poema reverberam como um eco na última estrofe. No “Hino Nacional do Pati do Alferes”, maior poema do livro, as três primeiras estrofes começam pelo mesmo verso: “Eu quero fazer um poema”, depois os versos que se referem ao “Arcozelo” (“charanga do Arcozelo”, “fazenda do Arcozelo”, “banda do Arcozelo”) vão compondo o tempo de um poema marcado pela tônica cubista.



            “História Pátria”, nesse sentido, seria o mais cubista de todos, uma vez que o verso “Lá vai uma barquinha” é repetido, mas a cada repetição uma nova angulação é colocada sobre a barquinha (“Aventureiros”, “Bacharéis”, “Cruzes de Cristo”, “Donatários”, “Espanhóis”, etc.). Em “Brinquedo”, a repetição parodiando uma cantiga de roda (“Roda roda São Paulo / Mando tiro tiro lá”)  vai marcando o limite de cada fragmento de cena que compõe o panorama cubista.



            Os demais poemas, que podemos considerá-los de tamanho médio (“Meus Sete Anos”, “Meus Oito Anos”, “Enjambement do cozinheiro preto”, “O Filho da Comadre Esperança”, “Brasil”, “Poema do Fraque” e “Barricada”, são marcados por uma forma de tempo que intermediária entre as anteriores, podemos definir como sendo de caráter cubo-futurista.



            Em “Barricada”, p.ex., o corte entre um verso longo e outro curto cria uma rapidez de ritmo que é resultado tanto de uma nova angulação quanto da síntese veloz do pensamento: “Todos os passarinhos da Praça da República / Voaram”, a seguir o efeito é graduado nos versos seguintes. Efeito semelhante ocorre em “Brasil” e “O Filho da Comadre Esperança”, assim como em “Enjambement do Cozinheiro Preto” que atinge o ápice desse efeito: “A sua habilidade consistia em matar de longe / Decepando com uma larga e certeira faca / Cabeças / De frangos, patos, marrecos, perus, enfim”. O verso “Cabeças”, assim só com essa palavra cria uma fragmentação do ritmo e da imagem de forma abrupta, o verso seguinte vai nos mostrando várias cabeças de aves, como um efeito cubo-futurista em que a velocidade e a angulação andam associadas para o mesmo fim.



            No “Poema do Fraque” o verso repetido “Faze as pazes” coloca as duas estrofes do poema como fragmentos de um poema numa típica composição cubista, mas cujo efeito é ressaltado pela velocidade urbana colocada no poema (“No termômetro azul / a cidade comovida”).



 



5. Conclusão



            Acreditamos que nosso texto pode demonstrar, ainda que brevemente, um aspecto da obra oswaldiana, o de que o poeta da radicalidade modernista soube integrar elementos de sua vida, marcada pela polêmica, pela ironia, pela sátira com uma poética que ao se apropriar antropofagicamente de algumas idéias das vanguardas européias, fez também por inserir uma relação dinâmica entre autor e obra, de forma que nos parece ser quase indissociável o poeta do poema, especificamente no caso do Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade, em que a personagem-narradora (uma criança) é apenas o disfarce teatral de um poeta teórico da modernidade, que faz uso da aparência de simplicidade e ingenuidade para nos mostrar seus “finos biscoitos”.



 



REFERÊNCIAS



           



ANDRADE, Oswald. Primeiro Caderno do Aluno de Poesias Oswald de Andrade. São Paulo, Globo, 1994.



ANTELO, Raúl. “Prefácio” de Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade. São Paulo, Globo, 1994, p. 7-14.



CAMPOS, Haroldo de. “Uma Poética da Radicalidade” em: Poesias Reunidas Oswald de Andrade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971, p. 9-62.



FONSECA, Maria Augusta. Oswald de Andrade. São Paulo, Brasiliense, col. Encanto Radical, 1982.



 



[1]  Philipe Lejeune, Le pacte autobiographique, Paris,1975, p. 14.





[2] A esse respeito ver o trabalho de BAITELLO JR., Norval. Dada-Berlim: Des/Montagem. São Paulo, Annablume, 1993.





[3] Acerca do Futurismo indicamos para leitura PERLOFF, Marjorie. O Momento Futurista. São Paulo, EDUSP, 1993 e FABRIS, Annateresa. O Futurismo Paulista. São Paulo, Perspectiva, col. Estudos 138, 1994. Acerca do Cubismo indicamos para leitura PIERRE, Jose. Il Cubismo. Milão, Saggiatore, 1967 e COTTINGTON, David. Cubismo. São Paulo, Cosac & Naify, 1999.





[4] Acerca da análise dos elementos vanguardistas na poesia oswaldiana, podemos citar os seguintes estudos: CAMPOS, Haroldo de. “Uma Poética da Radicalidade” em: Poesias Reunidas Oswald de Andrade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. p. 9-62. BOAVENTURA, Maria Eugênia. A Vanguarda Antropofágica. São Paulo, Ática, col. Ensaios 114, 1985. TELES, Gilberto Mendonça et al. Oswald Plural. Rio de Janeiro, UERJ, 1995.




Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui