Nem Josineida nem Nepomuceno esperavam receber de volta tão cedo aqueles seres com quem contavam para demover Alfredo da vida de crimes. Tinham tornado a sua pregação no fundamento do reerguimento de uma terceira pessoa, sem se preocuparem realmente com o crescimento das virtudes necessárias para a salvação de cada personagem sob sua tutela. De repente, viam-se com a incumbência sagrada de preparar o retorno de cinco entidades de uma só vez.
Sem tempo para reflexões, puseram-se ao lado dos espíritos enleados ainda na matéria, sob intensas orações. Junto ao casal, estavam Adelaide, o avô de Criseide, Virgílio e um pugilo de socorristas que conseguiram congregar para a ajuda de última hora. Ainda bem que havia plantonistas dispostos no roteiro do plano de vôo, de sorte que a eventualidade mereceu atendimento oportuno.
Ângela foi a primeira que despertou do impacto do cruzamento dos limites existenciais. Ao ver os avós, reconheceu logo Nepomuceno e imaginou que o ser que ao seu lado lutava em serviço de assistência só podia ser Josineida. Mentalidade prática, pelo estudo a que se dedicara dos fatos espirituais, Ângela pôde, de imediato, perceber a extensão do acidente.
Quando os avós vieram para o seu lado, no intuito de lhe ministrarem os primeiros esclarecimentos, pediu-lhes que cuidassem dos irmãos, especialmente do mais novo, que se havia mostrado rebelde aos estudos do espiritismo, principalmente por não aceitar a premissa da dor para o crescimento moral.
Criseide se via fortemente amparada pelo avô, de sorte que não lhe foi difícil desembaraçar-se das presilhas fluídicas que a prendiam à carcaça. Sua primeira reação foi perguntar pelos filhos, se havia possibilidade de salvar algum para a vida densa da matéria, pois acreditava que nada haviam aproveitado de encarne tão curto. Ao ver a serenidade estampada na fisionomia de todos, criou força de resistência à ânsia e atendeu com resignação ao pedido de paciência e de calma. Quis, então, evocar o marido, o seu Marcos, mas impedido lhe foi vibrar nesse sentido, pois não estava devidamente instruído para aceitar, desde logo, a tragédia que se abatera sobre a família. De qualquer modo, Criseide pôde estabelecer contacto espiritual com seu orientador, o qual concentrou o bom magnetismo dela na direção dos três rapazes, que estavam prestes a despertar.
De fato, os dois mais velhos, com alguma turbulência mas sem sofreguidão, puderam receber o auxílio das vibrações de todos, no sentido de se porem atentos para o que lhes havia ocorrido. Tal como Ângela prognosticara, o mais novo rebelou-se contra o destino que o impedia de prosseguir com diversos planos de vida. Não fora a experiência do bom Virgílio e teria descambado para a grosseria e o acinte contra a justiça divina. Colocado em estado semicataléptico, foi conduzido para a mesma instituição que agasalhara o pai, com o fito de ser tratado em caráter de urgência.
Se calássemos a respeito do atendimento aos demais passageiros e aos tripulantes, saberia o amigo leitor reconhecer que todos estavam do mesmo modo recebendo a mais digna assistência dos amigos e protetores? Pois ali havia todo tipo de reação que se possa imaginar, de modo que todo o local fremia sob os impulsos vibratórios mais desencontrados. Até a equipe que veio com a predisposição de auxiliar as nossas personagens se pôs à disposição dos demais, uma vez que fora de muita tranqüilidade a recepção deles. Mesmo Ângela participou do resgate de vários espíritos, tendo propiciado reconforto a diversas mães inconformadas com a perda para a vida dos filhos ainda pequenos.
Quando o bulício amainou, Ângela, os dois irmãos e Criseide foram conduzidos para local de repouso e recuperação, onde seriam assistidos diligentemente pelos amigos que os socorreram.
Caberia a Josineida preparar a mente e o coração de Marcos para o encontro que se seguiria. O ex-médico, entretanto, confrangido pelas culpas que o assediavam, pusera-se em condições favoráveis para aceitar os erros dos outros. Como princípio filosófico, adotara o lema de que só consegue perdão aquele que sabe perdoar e todo o seu raciocínio sobre a vida e a existência se escudava em tal premissa. Sendo assim, quando Josineida lhe apareceu com a fisionomia transtornada, incapaz de plenamente confiar nos eventos como orientados por superior administração e suspeitosa de que o filho pudesse não ter compreendido a extensão do poderio cármico dos fatos, foi-lhe fácil conceber que algo de muito sério ocorrera. Preparou-se para as más novas e concentrou-se no desiderato de sofrear qualquer emoção que pudesse arremessá-lo para as profundezas mais escusas da consciência.
Ao saber do desastre aviatório onde sucumbiram todas aquelas pessoas que lhe coubera encaminhar para a vida, sentiu longo estremecimento por não se ter preparado a tempo convenientemente para o socorro necessário. Imediatamente, desejou acompanhar a progenitora até o local em que foram reunidos.
Lá chegando, ajoelhou-se aos pés da esposa e dos filhos, em lágrimas, rogando para que o perdoassem. Lutava contra sua depressão, ao mesmo tempo que desejava rojar-se aos pés do mais novo, do Júnior, como afetuosamente o chamava.
Posto a par dos acontecimentos que envolveram a família e tendo serenado ao perceber que a confraternização nenhuma vibração maléfica revelara, contente por poder sentir-se novamente um dos seus componentes, rogou ao mentor do grupo ali presente, o esplêndido Virgílio, que lhe fosse permitido acompanhar o tratamento do filho internado em estado de choque. Prometia, médico que era, agir “profissionalmente”, embora sob o arrojo e a disposição que só o amor pode oferecer.
Virgílio ia dizendo que não lhe estava nas mãos qualquer poder decisório a respeito, mas, antes mesmo que terminasse a exposição, chegou-lhe clara a notícia de que poderia liberar o pai para o auxílio ao filho.
Todos, então, sob tão evidente prova de confiança do Alto, se entrelaçaram em emocionado abraço, em uma única vibração de amor e de agradecimento pela misericórdia divina.
Josineida e Nepomuceno, à parte, não conseguiam reter o curso às lágrimas. Compreendiam, finalmente, as razões que embasaram o regresso das criaturas que tão diligentemente estiveram preparando para o serviço de resgate daquele filho que se perdia nas brumas da viciação e do crime. Entendiam que estavam recebendo a adesão de diversas entidades congraçadas pelo amor para a realização do objetivo de sua provação, mas temiam que os que ficaram na crosta talvez não tivessem força suficiente para levar a tarefa a bom termo sozinhos. Se o plano espiritual se robustecera, o plano da carne recebeu terrível desfalque. E os dois anos propostos pelos instrutores estavam esvaindo-se...