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Cronicas-->LAPIDAR: "[...] etc., etc., etc." -- 10/12/2001 - 21:36 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Depois de, no leito de morte, na esfuziante alegria de quem finalmente encontra o único herdeiro de sua imensa fortuna (Grande Otelo), a loura milionária (Dercy Gonçalves) encerrar seus dias com "Arrivederci, Roma!", eu já não esperava mais nada em termos de últimas palavras.

Em "Ana e o Rei de Sião", que a Band, ao que parece, exibe alternadamente com "O casamento de Maria Braun" nas horas mortas de domingo para segunda-feira, o rei supera todas as expectativas: "[...] etc., etc., etc."

Brecht queria em sua lápide a inscrição que cito de memória: "Ele fez sugestões. Nós as acatamos." Convenhamos, em português não está lá grande coisa. Falta pegada, sei lá!

Mas não custa um engraçadinho exigir, um dia destes um "fui", curto e grosso como certos adesivos da moda.

O fato é que a humanidade se alimenta de ilusões, de meias-palavras, dúvidas, formulações mais ou menos vagas sobre tudo. E isso explica por que preferimos deixar de lado a nossa única certeza incontornável: morremos.

Uma Hebe Camargo, para voltarmos às loiraças, não se peja de traduzir, para o seu universo de candura, uma expressão já originalmente deprorável: "lindo de morrer", não; "lindo de viver".

Mas por que é que estou eu aqui a falar da indesejada das gentes, se isso que sinto desde ontem não passa de um mero resfriado?

Hoje em dia a nossa morte diária recebe nomes complexos: nunca se falou tanto, e tão tranquilamente, em "virose". Uau! E tudo, mas tudo mesmo, pode ser não mais que mera reação alérgica. Curioso que as pessoas se contentem tão facilmente com tais eufemismos.

Alergia não tem cura, no máximo pode ser controlada, me explica o competente Dr. Eduardo Hage, que costuma me parabenizar pelas baixas doses de medicamento exigidas pelo meu caprichoso organismo.

Sabe-se que alergia outra coisa não é que inadaptação às condições do meio-ambiente. Poupemo-nos de mais delongas. É isso aí e pronto.

Um usineiro já declarou a um jornal de Araraquara nunca ter visto alguém morrer por causa de fumaça. Nos últimos dois ou três anos até não temos tido tanto do que reclamar. Diminuíram, por força da lei, as queimadas. Mas não de todo. Uma queimada também pode ser casual, um acidente, uma bituca de cigarro lançada ao vento, não é mesmo? Mas houve tempos difíceis. Já cheguei a vagar desesperado e estrebuchante pela madrugada, o céu róseo, as ruas esfumaçadas, sem nada que me ajudasse a respirar normalmente.

Pelo preço dos remédios que sou obrigado a consumir, imagino o que não passam as vítimas que não têm como bancar tratamento. Pena mesmo é a gente não poder tomar todos os dias, sem graves danos colaterais, um bom xarope de cortisona. Um santo remédio, não há negar. Mas há que se calcular rigorosamente os riscos. E, nisso, o Dr. Eduardo Hage tem me ajudado criteriosa e conscienciosamente.

Mas o usineiro tem razão. Ninguém morre por causa da fumaça. Morre-se de càncer no pulmão, como morreu meu pai, de efisema pulmonar, como um amigo meu aqui na cidade, de pneumonia, de doenças cárdio-vasculares, enfim, morre-se de um tudo. No limite, morre-se da própria vida, essa a verdade mais verdadeira.

Numa das cidades vizinhas, a fuligem das queimadas de plantações de cana receberam o nome da família proprietária da usina. Em Jaboticabal, os "bellodinhos" podem ser uma causa mortis.

E voltamos às questões semànticas do início. Muitas vezes, as tais "condições de vida" são mesmo é de morte. Sim, é fraco o trocadilho, mas nem por isso menos verdadeiro.

Mas talvez o tema me tome de assalto por escrever diretamente de um organismo em estado terminal, de uma instituição universitária pública em prolongada agonia. É, talvez seja isso. E me vem à mente a frase do velho Eça, que também cito de memória: "Dêem-se três gargalhadas ao redor de uma instituição, e ela desmorona."

Tão logo me abandone esta tosse insistente que me acometeu de ontem para hoje, eu começo. Vou rir não à sorelfa ou à socapa, mas às bandeiras despregadas. Sossega, leão! Vou aproveitar o recesso para rir bastante. Mas, por mais que gargalhemos, sei que ainda vai ser pouco, sempre. Só peru é que morre na véspera, diziam os antigos.

E, antes que algum aventureiro lance mão da idéia jocosa, vou tratar de tirar patente da frase que haverá de compor a minha lápide: "Fui". E que, por favor, ninguém pergunte pela causa mortis. Pelo jeito, vou ser daqueles que acabam morrendo mesmo é de terem vivido bastante. E já nem sei mais se isso é mesmo vantajoso como eu achava antes, como tantos ainda insistem em achar.

Ou, então, nunca se sabe. Quando tiver chegado a minha hora, dependendo do meu estado de ànimo, ainda que não tenha fortuna ou herdeiros, pode ser que eu faça uma derradeira homenagem à minha infància, quando eu morria de rir a cada nova chanchada brasileira que passava nos cinemas de Sorocaba. "Arriverderci, Roma!", será o meu grito, a minha adesão final a esse nonsense absoluto que é a vida humana, etc., etc., etc.
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