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Contos-->Encontro em Paris -- 11/05/2000 - 01:44 (Pedro Wilson Carrano Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ENCONTRO EM PARIS

Sexta-feira em Paris. Depois de demorada e cansativa negociação, havíamos conseguido levar os frios técnicos do banco francês a uma concordância com as nossas condições para a operação de crédito pretendida.
Os companheiros de equipe retornaram no mesmo dia ao Brasil, deixando-me sozinho na Cidade-Luz.
Resolvi aproveitar o ensolarado fim de semana de setembro para usufruir os encantos da capital francesa.
Encontrava-me hospedado em hotel não muito caro de Montmartre, bairro que, no final do Século XIX, era a meca dos pintores, músicos, escritores e poetas europeus.
Saí dali para devorar um turnedô regado a vinho tinto no Hipopotamus. De estômago cheio, assisti, antes de recolher-me, a um bom filme de Almodóvar em cinema próximo ao restaurante.
Após o reconfortante repouso noturno, vi-me frente a frente com uma bela manhã de sábado. Paris, mais uma vez, ali estava à minha espera.
Resolvi caminhar até o Museu do Louvre, passando pelo Palácio da Ópera. Não era a primeira vez que visitava aquele importante estabelecimento, mas as belas obras de arte ali expostas sempre faziam bem aos olhos e ao espírito.
À tarde, após o almoço, dirigi-me à Praça Pigalle, pretendendo melhor conhecer a região boêmia de Paris.
Ali chegando, após rápida viagem de metrô, olhava distraído para os prédios onde se encontravam os cabarés da região, quando alguém me dirigiu poucas palavras.
Era uma linda prostituta com olhos cor de mel, lábios cobertos por um batom carmim e vestido decotado que mostrava colo e ombros bem torneados.
Notando o meu olhar interessado, a bela mulher apresentou o preço do aluguel do corpo que eu cobiçava.
Nunca tive queda por meretrizes. Ao contrário, sempre as temi. Além disso, era insípido, a meu ver, o sexo pago.
Mas aquela jovem atraía-me de forma inexplicável. O francês sussurrado com sensualidade, os lábios carnudos, o corpo bem feito e, principalmente, o olhar convidativo provocavam-me, fazendo com que eu me comportasse como um cão diante de cachorra no cio.
Concordei, assim, com o seu convite para irmos a um hotelzinho da região. Sentia-me um irresponsável, mas não resisti à aproximação da francesinha.
Mal fechamos a porta do quarto, começou a despir-se, recebendo um meu pedido para não fazê-lo naquele momento. Sua alegação de que o tempo valia ouro levou-me a dizer-lhe que eu arcaria com o ônus de tê-la comigo o tempo que julgasse necessário.
Ela abriu um sorriso que revelou dentes claros e perfeitos. A alegria combinava com a rapariga e senti-me totalmente enfeitiçado.
Pedi-lhe que sentasse à minha frente, o que fez com singular elegância. Trocamos olhares, sem qualquer palavra. Segurei uma de suas mãos, sentindo-me emocionado com a delicadeza de seus dedos.
Levantei-me e, com ternura não comum, beijei-lhe a mão, depois a testa e, finalmente, a face. Retornei à minha cadeira e vi-me a olhar a linda mulher com estranha fascinação.
Perguntei-lhe o nome. Chamava-se Marie Claire. Soava bem, fosse verdadeiro ou não.
Disse-me que descendia de espanhóis, o que explicava aqueles olhos brilhantes, quase arregalados, os cabelos negros e lisos e a cor morena, vestígios dos antepassados mouros.
Natural do Sul da França, sua chegada a Paris tinha ocorrido poucos meses atrás. Gostava da cidade, mas as dificuldades de sobrevivência levaram-na a vender o corpo.
Confessei-lhe meu interesse e a fascinação que me provocava, recebendo em troca um olhar irônico. Declarações de amor eram constantes em seu dia a dia e não podiam, conseqüentemente, ser levadas a sério.
Despimo-nos sem pressa e deitamos bem juntos um do outro. Encostei meus lábios nos seus, beijando-os suavemente.
Amamo-nos tranqüilamente, sem arroubos, gritos ou gemidos. O único som ouvido era o do úmido atritar dos sexos.
Adormeci grudado ao seu corpo. Eram comuns os casos de prostitutas que abandonavam os clientes sem passaportes, cartões de crédito e dinheiro, mas eu havia colocado de lado a razão.
Acordei cedo. Ao meu lado estava Marie Claire linda em sua nudez. Dormia. Nos seus lábios havia um sorriso de Monalisa. Aproximei-me deles e notei que ainda guardavam o frescor da noite.
Pedi ao porteiro material para barba e escovação de dentes, bem como o café da manhã. Vieram dois brioches, biscoitos, geléia, manteiga, sucos de laranja, torradas e café com leite.
Chamei a minha doce acompanhante carinhosamente e ela abriu os olhos, que a luz que vinha da janela tornava mais brilhantes.
Ela levantou-se rapidamente, envolvendo-se com pudor em toalha jogada sobre a cama. Antes de fechar a porta do banheiro, chamou-me e, com a mão, jogou-me um beijo.
O barulho do chuveiro fez-me imaginar como seria bom ensaboar o corpo macio de minha musa, desejo que não se concretizou. Não me movi, aturdido com meus próprios sentimentos.
Ela entrou no quarto com a frescura do banho tomado. Era meu desejo possuí-la novamente, mas não o fiz, limitando-me a gozar sua presença.
Após o café, quis pagar-lhe a companhia. Afinal, ela prestou com muita eficiência o serviço solicitado.
Para minha surpresa, não aceitou os francos que lhe oferecia. Com malícia, disse preferir um presente que indicaria no momento oportuno. Seu desejo, agora, era servir-me de guia, uma vez que havia externado minha intenção de conhecer Pigalle e redondezas.
Paguei o hotel e saímos para a rua como dois namorados.
Seguimos pela Rua Frochot até a Victor Massé, onde Marie Claire me mostrou a casa onde havia residido Van Gogh e seu irmão Theo em 1886. Na mesma rua ficava, em 1890, o mais famoso cabaré da região, o Chat Noir.
Passamos depois pelo Boulevard de Rochechouart, onde existiu o Grand Trianon, o mais antigo cinema de Paris, e o primeiro cabaré de cancã do bairro, o Elysée-Montmartre.
Marie Claire pegou-me a mão e puxou-me até a Catedral de Sacré-Coeur, o segundo lugar mais alto da cidade, só superado pela Torre Eifel. Ali nos deslumbramos com a bela vista de Paris.
A minha guia estava eufórica. Parecia uma criança. Era enorme a sua alegria quando me transmitia seu conhecimento da região.
Entramos na Catedral. A bela companheira ajoelhou-se e orou com contrição. Olhei-a emocionado. Apesar do vestido vermelho, parecia mais uma santa que pecadora.
Ao sairmos da igreja, notei que ela tinha os olhos marejados. Tentei imaginar o que se passava na cabeça da pobre menina e os momentos difíceis por que certamente havia passado.
Não durou muito a sua tristeza, logo me animando a acompanhá-la por outros caminhos. Pelo modo com que me fitou, tive a sensação de que gostara de mim, o que muito me alegrou.
Na Praça De Gaule, vimos o Teatro de L Atelier, do começo do Século XIX, e, na Praça dos Abesses, uma estação de metrô cuja entrada foi projetada por Guimard, bem em frente da Igreja de St. Jean l Evangeliste.
Na Rua Ravignon, demos de cara com uma linda vista de Paris. Ali, alguns poucos artistas tocavam músicas francesas.
Na arborizada Praça Emile Goudeau, encontramos o mais importante agrupamento de estúdios de artistas de Montmartre, onde Picasso morou e trabalhou no início do Século XX.
Atravessando a Rua Norvins, passamos pelo "A la Bonne Franquete", um antigo restaurante onde se encontravam artistas do Século XIX, juntamente com o "Aux Billiards em Bois".
Finalmente, entramos na agitada Praça do Tertre, onde vários pintores exibiam seus quadros e pintavam os turistas.
Marie Claire parou diante de um dos pintores e olhou-me divertida.
- Agora é hora de dizer qual é o meu pagamento pela noite de prazer - disse-me sorridente.
- Gostaria de vê-lo pousando para este pintor - continuou, deliciando-se com a minha reação de surpresa.
Não resisti à pressão. Virei modelo. O artista à minha frente olhou-me detidamente durante alguns minutos. Anotou mentalmente os traços de meu rosto e as marcas nele existentes. De repente, sua mão direita começou a trabalhar com rapidez.
Marie Claire não desviava os olhos de mim. Como era bela a minha amiga. Eu não conseguia, também, desligar-me de sua imagem. Então, ela era tudo para mim.
No momento em que mais fascinado eu me encontrava, um acordeonista começou a tocar "Ma Vie". Não suportei a emoção e lágrimas desceram vagarosamente por minha face, sob o olhar atento do pintor e de Marie Claire.
A música penetrava em meu corpo como um punhal. Meus nervos pareciam cordas de um violão dedilhadas por mão invisível.
Encarei Marie Claire e vi uma jovem carregada de emoção. Seus olhos também estavam úmidos.
Concluído o trabalho, vi refletida na tela a imagem de um cinqüentão apaixonado. O artista soube transferir para o quadro tudo o que eu estava sentindo.
A minha jovem amiga segurou cuidadosamente a pintura e, aprovando-a, mirou-me satisfeita.
- Adeus, meu querido. Este é o meu presente - disse-me com leve perturbação na voz.
Vi, impotente, Marie Claire seguir em direção ao Museu de Montmartre, desaparecendo na esquina. Não olhou para trás, mas eu sei que ela sempre me guardará em sua lembrança... ou em sua parede. Eu, por meu lado, nunca a esquecerei.

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