Usina de Letras
Usina de Letras
17 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62287 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10389)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5459)

Infanto Juvenil (4781)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140819)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6211)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->12. O TRESPASSE DE MARCOS -- 30/07/2002 - 07:02 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não chegou Marcos a efetuar pedido de desculpas. Naquela mesma tarde, instalou-se-lhe no organismo sério efeito da ausência de imunização, de sorte que, debilitado, viu crescer em febre a temperatura. Certeira pneumonia absorveu-lhe as últimas resistências físicas, de sorte que, em três dias, sem antibiótico que surtisse efeito, Marcos deixava o planeta dos humanos para penetrar no círculo dos imortais.

Carlos ficou atônito com a propulsão da moléstia. Em sua imaginação, via o irmão definhar-se aos poucos, em tempo de acertar todos os negócios, principalmente os relativos aos sentimentos. Deixava a viúva inconsolável, a filha em crescimento, os meninos menores desarvorados, a amante inconsciente do problema que poderia estar a desenvolver-se em seu organismo. Mas a desculpa do falecimento dava a ele a razão precisa para o necessário alerta à enfermeira.

Assim que se viu livre dos compromissos do enterro, momento em que pôde observar as atitudes do mais novo, procurou no hospital o endereço da jovem para o acerto definitivo. Qual não foi sua surpresa, quando foi informado por ela de que todos os exames haviam sido feitos, a pedido do irmão, que, do leito do hospital, se lembrara de notificá-la de tudo. Estava em perfeita saúde.

De fato, Carlos lembrava-se de que não tivera meios de contatar o irmão, descrente que estava de que algo pior pudesse ocorrer-lhe. Quis saber da jovem como lhe chegara a notícia, e esta informou-o de que fora sua cunhada quem providenciara tudo em nome do marido. Por isso, estava imensamente grata à desditosa senhora, principalmente porque precisara deixar de inúmeros afazeres junto aos filhos, para atender à solicitação do marido.

Carlos admirou-se da atitude da esposa do irmão, que não acreditava capaz de tanto desprendimento. Algo poderia haver que explicasse semelhante solicitude. Investigaria.



Josineida e Nepomuceno desolaram-se a princípio. Viam no sofrimento do filho alguma coisa parecida com injustiça. Sabiam das condições adversas com que penetrara no etéreo, tendo envidado inúmeros esforços para conseguirem interná-lo em organização hospitalar, dada a rebeldia com que chegara. Foi conduzido para a internação sem conhecer que deixara o mundo dos vivos. Precisava de assistência especializada. As preces do casal, à vista de seus sentimentos contraditórios, dada a dor da desesperança de não poderem considerar-se os pais ideais para aquele filho em transe de doloroso acento, não surtiam efeito. Por outro lado, em virtude da situação em que deixara a família, parecia-lhes que a ausência do filho deveria suprir-se pela sua presença junto a cada ser da organização familiar. Queriam imprimir às atividades cunho de profunda orientação para cada ser a quem lhes parecia estar em débito a sua criança, especialmente a jovem que convalescia de dolorosa operação ginecológica.

No entanto, surpreenderam-se com a força da nora dedicada às crianças. Não supunham, como o fizera também o filho Carlos, que a abonada senhora pudesse soerguer-se dos escombros de sua vida. Pensavam nela como “filha de papai”, moça riquíssima, uma das primeiras conquistas do médico, de deslumbrante beleza, cuja maior preocupação era com as aparências sociais para manutenção da projeção do marido. Esqueciam-se de que os quatro filhos lhe poderiam ter ensinado a conduzir-se em condições extremamente adversas. Por outro lado, acostumada desde cedo com as aventuras extraconjugais do esposo, aos poucos foi criando forte couraça contra os reveses. A queda da filha nas malhas da maternidade indesejada pegou-a desprevenida, pois não imaginava a pequena tão envolvida pela organização estudantil estruturada com base na alienação pelas drogas. Saía desse duplo choque com força de recuperação. Venceria os infortúnios, agora que se livrara, por assim dizer, das preocupações mundanas relativas ao marido.



Na missa de sétimo dia, encontraram-se os dois irmãos, ambos prontos para levarem sua contribuição à cunhada e aos sobrinhos. Encontraram-na distante, protegida pelos pais, parecendo querer subtrair-se à influenciação dos cunhados. Parecia estar de posse de algum conhecimento íntimo que a prevenira quanto às atividades criminosas de ambos.

Carlos notou logo essa atitude de distanciamento, mas Alfredo atribuiu ao sofrimento todo aquele resguardo, não dando maior importância ao fato de não desejar qualquer apoio de caráter financeiro. Inquiriu a respeito do advogado que iria tratar do inventário e de todos os aspectos relativos ao espólio, tendo inferido que as providências estavam dentro das exigências legais.

Tudo teria decorrido em plena normalidade, se sério incidente não tivesse despertado a atenção a Carlos.

Em determinado momento, ao voltar de estacionar o carro, ouviu distintamente a sobrinha acusando o tio de tê-la abandonado, quando mais precisava de auxílio. Alfredo viu a aproximação de Carlos, tomou a sobrinha pelo braço e conduziu-a para dentro da igreja, deixando-a com a mãe, afastando-se incontinênti. Após demorado abraço, em que diversas lágrimas lhe escorreram sentidas, a pequena pediu desculpas à progenitora, increpando o tio da responsabilidade da anterior condição.

Severa, Criseide fez a filha calar a manifestação de revolta, pedindo-lhe para que se controlasse, diante da sociedade ali reunida. Tomariam depois as providências cabíveis.

Nada passou despercebido a Carlos, que desconhecia a intimidade do relacionamento entre tio e sobrinha. Desde que levara a estocada no bucho, vinha, de surpresa em surpresa, desvendando os mistérios da família.



Muito poucos foram os eflúvios que beneficiaram o antigo médico no leito em que jazia. Aparentemente, a doença que o atingira desenvolvia-se ainda, sugando-lhe as energias, como se seu perispírito se contraísse e se deformasse. Por força das atitudes egoístas, muitas afeições que poderiam ter-se desabrochado em amor, apenas produziram ódio, de sorte que as mulheres que por ele um dia se interessaram, ao conhecerem as condições de seu falecimento, somente conseguiram emitir vibrações de repulsa por aquela criatura que não soubera conquistar-lhes a verdadeira amizade, na falta de não poder oferecer-lhes real amor. Poucas se recordavam do médico com algum “frisson”, mesmo que à flor da pele. O mais das vezes, pensavam que não poderia ter sido outro o seu destino.

Mas estaria Marcos condenado a sofrimento atroz? Não teriam os pais recursos para oferecer ao infeliz? Que, de fato, estariam aptos a proporcionar ao filho, para aliviá-lo da condição de recluso das trevas?

Josineida lembrava-se das lições que aprendera no centro. Nepomuceno recordava-se das palavras de incentivo e consolação que propiciara a inúmeros sofredores nos hospitais. Eram palavras de muito amor e muita consideração pela vontade do Senhor. Diziam que toda angústia despertaria no limiar do templo da felicidade, transformada em arrependimento e em luta.; que Deus saberia retirar a carga ao sofredor que se dignasse reconhecer sua pequenez e seus erros. Se havia desespero, é porque o ser ainda não se aperfeiçoara. Se havia dor, é porque Deus alertava para a necessidade da regeneração. Não era assim no mundo físico? Quando a barriga doía, quando o estômago provocava náuseas, quando a cabeça palpitava, não eram sintomas de que algo precisaria ser corrigido no âmbito do organismo?! Pois, então, que deveriam providenciar para a necessária ajuda ao filho?

A prece transformara-se em íntima perquirição, diálogo sutil de espíritos em conjunção sentimental. Uniam-se pelo sofrimento daquela criatura que lhes coube encaminhar pela vida para realização cármica de vulto. Reconheciam-se, tacitamente, falidos diante do dever não cumprido.

— Virgílio, bom amigo, mais que nunca precisamos de você!

Evocado com fervor, o antigo companheiro compareceu de pronto para a orientação solicitada. Vinha triste pelas condições adversas em que via estarem submergindo os amigos. Obtivera recursos fluídicos para recomposição perispiritual, mas sabia que o só restabelecimento daqueles seres não teria o condão de resolver-lhes o grave problema que as consciências lhes impunham. Temia, contudo, que as revelações mais importantes pudessem chegar-lhes prematuramente. Haveriam ainda de observar outros fatos relativos aos entes queridos para a compreensão integral de suas condições existenciais. Mas alguma resposta positiva precisaria dar, para poder imprimir-lhes o sentido da recuperação. Não poderia ser evasivo.

— Queridos amigos, sua infelicidade está a entristecer-me. Creiam na minha solidariedade e no meu afeto. Rezemos juntos a oração ao Pai, antes de nos entendermos a respeito do que se poderá fazer em favor daquele que sofre.

Em comovente atitude de afeto, os três irmanaram-se para a sentida prece, momento em que Virgílio pôde fazer desprender de si grande quantidade de fluidos revitalizadores. Mais tranqüilos, serenamente o casal pôs-se a ouvir as belas palavras de muito conforto. O que mais os acalmou foi o quadro pintado pelo amigo em que se via Marcos, ainda vivo, no seio da família, doente e acusado de inconseqüente e irresponsável. Nesse ambiente negro, recrudescia o sentimento de culpa da pobre criatura, que terminava por suicidar-se. Via-se, então, transportado para o fundo do báratro, em desconsolo total, arrostando, inconsolável, mais esse crime contra os desígnios de Deus. Que se armassem de coragem, portanto, que a vida do médico não tivera só momentos de erro. Nesse instante, várias atitudes de desprendimento e solidariedade foram trazidas à mente dos pais, de sorte que se pôde constatar que o médico tivera momentos de verdadeiro envolvimento emocional e sentimental com inúmeros seres, de sorte a propiciar-lhes meios de progresso. Não eram muitos nem Marcos era o que se poderia considerar batalhador do bem pelos semelhantes, mas havia ajudado a muitos que estavam simplesmente sendo ingratos. Que os pais soubessem encontrar forças para superação do desânimo, caso contrário o filho teria para lamentar sua atitude de desconsideração pela justiça divina. Que se esforçassem por ver, na situação atual do filho, a mão do Senhor a proporcionar-lhe condições de soerguimento. Ficassem com Deus!

Revigorados por aquela injeção de esperança, Josineida e Nepomuceno reconheceram que deveriam sair a campo para o cumprimento das determinações dos maiores. Realizaram outra prece pelo filho em tratamento e desceram para avaliar a quantas andavam as pesquisas de Carlos. Temiam pela segurança de sua condição, caso as investigações o levassem a confrontar-se com Alfredo. Era, realmente, de se temer se os irmãos se vissem em campos opostos.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui