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Contos-->O sapo Bonifácio -- 07/05/2000 - 19:14 (Pedro Wilson Carrano Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O SAPO BONIFÁCIO

Dia de muito estudo no Educandário Santa Terezinha, em Leopoldina (MG). Após as aulas, uma passagem pela praça de esportes para natação e futebol.
Quando a tarde começava a partir para outros torrões, deixando a noite em seu lugar, era hora de ir para casa, onde, após um demorado e relaxante banho, a energia perdida era recuperada com um lauto jantar.
Como eram atraentes os manjares colocados à nossa mesa. Menino guloso, eu sempre vibrava quando via à minha frente os deliciosos quitutes da cozinha mineira.
A fome levava-me à pressa e a pressa à falta de alguns cuidados, o que obrigava minha mãe, diariamente, a mandar-me lavar as mãos antes das refeições.
É com água na boca que me lembro do tutu de feijão com pernil de porco, leitão assado com arroz de forno, coxinhas de frango abatido no quintal, pastéis, a galinha ao molho pardo com angu e quiabo, a lingüiça com farofa, o lombinho de porco assado, a couve à mineira, os torresmos, o peixe com purê de batatas e a costeleta de porco.
Sempre tínhamos, também, a carne de boi (eu gostava dos bifes pequenos, bem batidos e passados, saídos da frigideira na hora, e os preparados à milanesa).
As almôndegas, a macarronada, a carne moída, o fígado, as empadas, os ovos estrelados, a bacalhoada, o feijão-de-tropeiro, o chouriço, a mandioca frita e a carne-seca também eram muito apreciados, além do feijão, da salada, do arroz e da farinha de todos os dias.
E as sobremesas? Embora com a barriga cheia, não podíamos dispensá-las, mesmo porque, segundo diziam, ajudavam a digestão. Desfilavam à nossa frente, então, a compota de goiaba com requeijão fresco, a rapadura, os doces de leite, de mamão verde, de coco, de batata doce e de abóbora, o mingau de milho verde, a goiabada cascão com queijo e o pé-de-moleque, além dos doces em calda e os de festas (cajuzinho, olho-de-sogra, brigadeiro, etc.) e das diversas frutas da região.
No final, um cafezinho, sendo mais fraco o das crianças, ou um licor, geralmente os preparados em casa, preferindo, a maioria, o de jabuticaba.
O vinho tinto acompanhava as refeições. Para as crianças era feito um refresco resultante da mistura de um pouco de vinho com água e açúcar.
Alonguei-me na menção aos alimentos e quase ia esquecendo o assunto que me levou a redigir estas linhas. Continuemos.
Terminado o jantar naquela noite, sentei em uma cadeira de balanço estrategicamente colocada na varanda de minha casa, na época situada na Rua do Seminário. Ali me vi a cismar, de olhos fechados, prestando atenção nos grilos que cricrilavam sem parar.
Ouvi, então, um coaxo de sapo, oriundo de lugar bem próximo àquele onde eu me encontrava. Olhei para o chão e dei-me de cara com o animalzinho. Ele preparava-se para atacar um pequeno inseto, o que fez com grande perícia.
Coloquei na palma da mão um cupim que caminhava sobre minha perna direita e levei-o até a boca do batráquio, que o devorou satisfeito.
Notei que o sapo, após ter feito sua refeição, estava a olhar-me com interesse. Senti que ele procurava dizer-me alguma coisa.
Para meu espanto, chegava-me ao cérebro uma mensagem do anuro: ele queria mais insetos. Isto me assustou. Poderia haver telepatia entre um menino e um sapo ?
Coloquei alguns mosquitinhos ao seu alcance, completando, assim, a sua refeição noturna.
Após alguns minutos de completa letargia junto à minha cadeira de balanço, o pequeno animal fitou-me novamente, dando-me a impressão de que queria despedir-se. Fiz um cafuné em sua cabeça, sem me importar com a sua pele rugosa e cheia de verrugas. Como ele não revelou qualquer receio, perguntei-lhe, sem emitir um só som, qual era o seu nome.
- Meu nome é o que você preferir - foi sua resposta. - Acho que todos os seres deveriam ter o nome que os amigos escolhessem.
Aturdido, ainda, com a surpreendente comunicação entre nós, fiquei a olhar o animalzinho à procura de um nome que mais se adequasse à sua figura, concluindo, então, que ele deveria chamar-se Bonifácio.
- Adeus, amigo - despediu-se pulando o meu mais novo companheiro.
- Até amanhã, Bonifácio - respondi.
Na noite seguinte e nas outras que a sucederam o amigo sapo passou a ser uma companhia constante. Eu o ajudava a melhorar sua janta e ele retribuía com a sua simpática presença e alguns ensinamentos.
Ensinamentos sim, pois descobri, com surpresa, que Bonifácio era um sábio que gostava de filosofar.
Certa vez, com o rádio ligado em um informativo, ouvi alguém irritado a pedir providências do Governo, que ele julgava omisso. Achei estranho alguém criticar a direção do País, uma vez que a opinião pública, conforme pesquisa feita pela imprensa, aprovava os dirigentes de então.
Foi quando o sapo ensinou-me que não podemos ficar acomodados, mesmo quando tudo parece correr satisfatoriamente. Segundo Bonifácio, o mundo só progride se mostrarmos nossa insatisfação com qualquer vestígio de pobreza e injustiça. Só assim os dirigentes não reduzem a sua preocupação com a melhora da situação dos indivíduos que compõem a sociedade.
Com receio de que eu não o tivesse compreendido bem, radicalizando posições, ele explicou-me que, no entanto, as reclamações e exigências não deveriam transformar-me em pessoa amarga. A minha posição crítica deveria ser vista mais como uma ferramenta para o desenvolvimento e, conseqüentemente, só deveria trazer-me alegria e otimismo e não encher-me de fel.
Interessante, também, foi a sua receita de vida. Para ele, o amor seria o grande remédio para depressões, ansiedade e outros males que nos afligem. Ele nos propiciaria momentos proveitosos e ricos de belas emoções. Não deixou de frisar, porém, que o amor, a seu ver, fazia com que você colocasse a felicidade da pessoa amada acima de seu próprio interesse, não devendo ser confundido com aquele sentimento de posse, egoísta, que envolve alguns pretensos amantes.
Também me condenou por irritar-me com os maus resultados obtidos em prova escolar. Bonifácio entendia que nunca deveríamos chorar por um fato passado, por pior que tivesse sido, dele procurando tirar, isso sim, uma boa lição.
Muito mais ele me ensinou nos poucos dias em que freqüentou minha varanda e desfrutou de minha amizade.
Em uma noite sem estrelas Bonifácio não apareceu. Levantei-me da cadeira várias vezes para ver se ele estava aproximando-se do portão, mas em todas elas não vi nem sinal do companheiro de várias noites.
Lembrando-me, no dia seguinte, de uma sua informação de que residia sob ponte próxima à minha casa, resolvi procurá-lo.
Encontrei o amigo no caminho, mas sem vida. Ele havia sido esmagado por uma pesada pedra que alguém jogara sobre sua costa repleta de tubérculos.
Eu havia perdido um bom camarada e sua morte significou muito para mim: o término de minha despreocupada infância.


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