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Artigos-->MARVIN E O CARACOL DO TEMPO(CAPÍTULO 5 AO 7) -- 04/03/2005 - 17:34 (Almir Correia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CAPÍTULO 5

A CONFRARIA DOS DRAGÕES-ANÕES

“É leve e limpa a fumaça de uma alma amiga.

Almas-fumaça não precisam de chaminé.”

( Astor Borricante, dragão-anão, poeta

e filósofo quase sempre bêbado)



...Marvin continuou correndo tudo o que podia...

Abriu portas (todas elas rangedoras)... “varreu” corredores...

Mais portas... mais corredores... mais portas...

Correu... escorregou... correu... correu... escorregou...

Passou por salas e salões monumentais...

Até parecia que o castelo tinha ficado maior desde a última vez...

Com Certeza.

CASTELO INVISÍVEIS CRESCEM SOZINHOS. AMPLIAM-SE... CASTELOS INVISÍVEIS TÊM MANIA DE GRANDEZA.

Para fechar com “chave de ouro” o seu “dia-de-cão-pitbull-raivoso-cheio-de-baba- espumante ”, Marvin acabou indo novamente parar no detestável “Corredor Sem Fim”. E só percebeu isso quando já estava na mais completa escuridão, pisando novamente no chão daquelas coisinhas repugnantes que faziam crack creck crick.

BESOURANHAS E VERMELONGOS para quem esqueceu ou ainda não sabe seus nomes.

Agora não havia mais nada a fazer. O “Corredor Sem Fim” certamente “faria” para Marvin... Ele só torcia para que o monstro-túmulo de mármore não aparecesse ali também.

Em poucos segundos, o seu corpo já era novamente tomado pelos mesmos fantasmas fluorescentes das outras duas vezes em que esteve ali...

Marilyn Monroe entrou pelo seu ouvido direito. John Kennedy pelo esquerdo. Henrique VIII mergulhou em sua boca. Jack, o estripador, voou direto para um de seus olhos... Maria Antonieta entrou pelo outro...

Estranhamente Napoleão Bonaparte não estava desta vez junto com os seus companheiros fantasmas.

UM METRO E CINQÜENTA CENTÍMETROS DO CHÃO. Outra vez em transe, Marvin ficou todo iluminado, flutuando de bruços feito uma lâmpada de 200 watts...

Os fantasmas vasculharam MAIS UMA VEZ todos os seus órgãos internos: rins, fígado, pulmões, intestinos, coração, cérebro... E MAIS UMA VEZ não encontraram nada daquilo que procuravam...

E portanto MAIS UMA VEZ partiram decepcionados...

Cinco minutos depois, Marvin acordou do estado de transe... E seu corpo-flutuante foi ganhando velocidade: 5... 8... 10... 20... 30... 40... 50...60.. 70... quilômetros por hora.

Nesta sua terceira “viagem” através do Corredor Sem Fim, ele também sentiu aquele friozinho na barriga que então foi tomando conta do corpo inteiro.

O FRIOZINHO SE TRANSFORMOU EM FRIOZÃO.

70...60..50..40..30...20...10 quilômetros por hora...

Durante parte do “passeio” forçado, Marvin teve que suportar (DE NOVO!!!) zumbis, vampiros, lobisomens, bruxas, duendes, criaturas gosmentas, homens verdes e azuis, esqueletos transparentes e a vaca malhada de capacete com chifres de fora passando-flutuando por ele... Sorte que desta vez não houve nenhuma freada brusca.

10...20...30...40 quilômetros por hora...

... Depois de curvas, curvas e mais curvas, o Corredor Sem Fim voltou a ser novamente uma reta, um túnel e...

MARVIN CAIU...

Não mais no pequeno córrego-esgoto que ficava perto de sua casa... Desta vez no mundo dos Dragões-Anões, onde uma surpresa o aguardava....

DRAGÕES-ANÕES TÊM GERALMENTE DE UM E OITENTA A DOIS METROS DE ALTURA. ISSO SEM CONTAR AS ASAS E O RABO. NESTE CASO A MEDIDA VAI DOS PÉS-PATAS ATÉ A CABEÇA OU CHIFRE.

Mas retornando ao Marvin, ele caiu. E caiu sobre uma carroça de feno, talvez propositalmente colocada para amenizar sua queda.

Puxada por dois esbeltos porcos azuis que funcionavam como cavalos, a carroça de feno foi ganhando velocidade...

DUAS LUAS CHEIAS iluminavam as ruas repletas de tabernas e outras coisas aparentemente “medievais”. Dragões-anões se embebedavam de rum exotérico. Alguns cambaleavam pelas calçadas. Alguns já roncavam na sarjeta.

Três voavam pela noite com suas lanternas penduradas no pescoço.

Não havia pessoas ou outras criaturas andando pelas ruas e vielas...

Aquela era mesmo uma pequena cidade cem por cento de dragões-anões. Bem, noventa e nove vírgula nove por cento, já que agora Marvin também fazia parte daquele mundo.

EXISTEM HISTÓRIAS SOBRE DRAGÕES-ANÕES QUE SE DISFARÇAM DE PIRATAS E SAEM PELOS MUNDÕES MÁGICOS EM SEUS NAVIOS VOADORES SAQUEANDO TESOUROS.

Quando os porcos azuis pararam na última taberna do Beco Nevoento, Marvin leu o nome da tabuleta pendurada:

“Confraria dos Sete Dragões-Anões que já não são sete”.

“Estranho nome para uma confraria”, pensou ele, mesmo sem saber muito bem o que significava a palavra. Era meio conhecida, ficava ali na ponta da língua querendo sair e não saía. O cérebro teimoso não deixava.



CONFRARIA: conjunto de criaturas da mesma categoria, dos mesmos interesses ou da mesma profissão. Associação. Sociedade.

Categoria: dragões-anões.

Interesses: bebidas, charutos, “dragoas” e conversa fiada (não necessariamente nesta ordem).

Profissões: cozinheiros, bruxos, joalheiros, exterminadores.



Além do nome da taberna, o que chamou atenção de Marvin foi o “estacionamento” cheio de pares de asas de dragão-anão. De vez em quando uma e outra ruflavam... Todas elas penduradas com as respectivas etiquetas de seus donos. Marvin leu algumas:



“Não toque aqui, seu intrometido!

assinado: dragão Gilberto.”



“Dê o fora, bisbilhoteiro

assinado: dragão Barrabás.”



“Se você quebrar minhas asas

eu também te quebro todo

assinado: dragão Super Lord.”



“Suma! Escafeda-se!

assinado: dragão Mexerico.”



Através do vidro de uma das janelas da taberna, Marvin passou a observar o que acontecia lá dentro. Pelos risos e gargalhadas, a “reunião” devia ser das boas...

Marvin contou 12 dragões-anões: dois azuis, três verdes, quatro amarelos e dois vermelhos e um roxo... Cada um deles segurava uma caneca de bebida e na outra mão-pata, um charuto apagado.

DE REPENTE, UM CUTUCÃO INESPERADO o fez bater-cair sobre um par de asas. Era o médico dragão Elvis Presley. Mas nem parecia muito assim. Se não fosse aquele rosto inconfundível. Aquele topete. Aquelas costeletas.

Agora estava várias vezes menor que o de costume. Diminuto para um dragão feito ele. Não passava de um metro e noventa centímetros.

-- Marvin, eu andei te procurando por vários mundos e nada de te achar. Por onde você esteve?

Ainda no “chão-asas”, Marvin coçava a cabeça que batera na parede. Seu olhar tinha um brilho interrogativo.

-- Você não pode ser o...

-- Claro que sou. E você sabe disso. O fato de eu ter diminuído não significa que eu deixei de ser eu mesmo. Você também já mudou de tamanho uma vez e depois retornou ao que sempre foi... Eu continuo sendo um poderoso dragão verde em toda a sua imensidão. Ainda me sinto assim... Mas agora quero apenas me divertir na Confraria dos dragões-anões. E você há de convir que eu jamais caberia nela com aquele meu tamanho todo. E nem seria aceito se eu não fosse um deles.

Claro que Marvin sabia que aquele era o médico dragão verde Elvis Presley. Havia dito “você não pode ser o...” talvez pelo susto-surpresa inicial.

-- Vamos, venha comigo! Você vai se divertir e quem sabe ainda fazer novos amigos!

Marvin ficou quieto e O SEU QUIETO foi estrategicamente interpretado como SIM.

-- Vamos! Pegue esta pílula de se virar dragão-anão e em alguns segundos você também será um, assim feito eu.

PÍLULA PARA SE VIRAR DRAGÃO-ANÃO. A ÚLTIMA CRIAÇÃO DO MÉDICO ELVIS PRESLEY LEMBRAVA UMA BOLINHA DE VIDRO QUE NÃO ERA VIDRO, COM UM VERME QUE ERA VERME DENTRO. E SE MEXENDO.

Marvin ficou naquela de “pego ou não pego”, “engulo ou não engulo”.

-- Vamos, Marvin! Uma festa daquelas nos espera!

Reunião. Festa. Ali pelo jeito tudo era a mesma coisa.

Marvin resolveu então... E sem “pensar” muito, colocou o verme na boca, digo, a pílula... engolindo sem água mesmo.

Imediatamente, dezenas de bolhas azuis foram surgindo pelo seu corpo todo. Bolhas duras por fora e estofadas por dentro. Um rabo afiado rasgou sua calça e cresceu, cresceu, cresceu até atingir mais de um metro gordo de comprimento. Suas mãos viraram mãos-patas. E os pés: pés-patas, é claro. Nessas alturas o seu tênis já tinha ido “pro Beleléu”. As suas roupas aguardavam o mesmo destino.

IR PRO BELELÉU; segundo quase todos os dicionários, significa morrer, sumir, desaparecer. Aqui no nosso caso, soa melhor no sentido de arrebentar, estourar, rasgar... Segundo algumas histórias contadas por bruxas e bruxos, Beleléu é um dos lugares para onde vão as coisas que desaparecem misteriosamente.

Em seguida, duas asas de morcego gigante azul nasceram de suas costas até ficarem com três metros de envergadura. As mandíbulas encompridaram-se... Os olhos esbugalharam-se... Dois chifres apontaram na testa e todo o seu cabelo verde desintegrou-se... Uma volumosa barriga-barrica completou a metamorfose.

EM EXATOS TRINTA SEGUNDOS, MARVIN ERA ELE E O OUTRO AO MESMO TEMPO: ELE POR DENTRO. DRAGÃO AZUL POR FORA.

-- E aí? Que tal ser um dragão?

Marvin olhou e olhou para as suas partes possíveis de serem olhadas... Passou a mão-pata na barriga dura. Tocou o novo rosto para se sentir-descobrir... Acabou ruflando as asas sem querer.

Uma bola de catarro azul entalada na garganta o fez cuspir no chão e então:.

-- Puxa vida! Eu, um dragão!

Sua voz já não era mais a mesma de menino. Lembrava agora a de um homem de quarenta, estilo locutor de rádio.

VOZ FORTE E AVELUDADA AO MESMO TEMPO.

Uma coceira o fez então abanar o rabo pela primeira vez, “varrendo o chão”.

-- No começo é tudo meio estranho, não? Mas você já se acostuma e, de repente, nem vai mais querer voltar a ser apenas um menino de poucas habilidades... Quando comparadas com as habilidades de um dragão, é claro.

MUITOS ACONTECIMENTOS NOS MUNDOS MÁGICOS FUNCIONAM FEITO UMA LÂMPADA ACESA PARA A MARIPOSA. NÃO HÁ COMO EVITAR.

Marvin era a mariposa e a Confraria dos Dragões-Anões, a lâmpada acesa.

CUIDADO PARA NÃO SE QUEIMAR!!!

Para entrar na Taberna, Marvin e Elvis precisavam “se livrar” das asas. Um tentou ajudar o outro, mas as teimosas não queriam se soltar. Algumas gotas de “liquidaquilo” finalmente resolveram o problema.

Os dois pares de asas, eles deixaram estacionados junto às outras asas. No afã de entrar na taberna, esqueceram de colocar as ditas etiquetas.

Elvis tocou a campainha. Um dragão vermelho abriu a janelinha da porta e o seu carão pediu secamente:

-- A senha, por favor!

-- Senha... senha. Eu sei qual é a senha. A senha é... A senha é... Eu sabia a senha. Sabia até agorinha mesmo. Como pude me esquecer?

-- A senha, por favor! (repetiu o dragão vermelho)

-- A senha... Deixe-me ver. A senha era tão fácil. Puxa, como pude me esquecer assim?

-- A senha, por favor! (repetiu o dragão vermelho, agora já mostrando sinais de impaciência em sua voz mais dura e espinhenta)

-- Não adianta! Sob pressão eu não consigo me lembrar. Preciso tomar uma das minhas pílulas memorificantes.

Elvis, que desta vez por motivos óbvios não estava com a maleta de primeiro, segundo e terceiros socorros, recorreu a um saquinho de pano pendurado feito talismã em seu pescoço.

Eram tantas as pílulas e de tantas cores e formas que ele também já havia esquecido qual delas era MEMORIFICANTE.

-- E agora, o que que eu faço? (pensou ele)

Marvin sentiu a aflição do amigo e resolveu ajudar.

-- Eu acho que é aquela dali.

MUITAS VEZES, “EU ACHO...” NÃO AJUDA EM NADA E SÓ PIORA AS COISAS.

Entretanto, neste caso, não é que ajudou!

-- A senha é: “Boca fedorenta de dragão antipático”

Dito isto, a porta se abriu.

Lá dentro, havia bem mais dragões do que Marvin tinha inicialmente contado.

Dois barmen, dragões é claro, serviam atrás do balcão. Acima deles um quadro com a frase: SÓ É REALMENTE BOM, O DRAGÃO QUE CONSEGUE SE LIBERTAR DE SUAS ASAS.

-- Hora de acender os charutos, companheiros! (disse um dragão verde)

E então todos acenderam.

Elvis pegou também o seu. Marvin ficou só olhando.

-- Hora de todos acenderem os seus charutos! (insistiu o mesmo dragão verde da fala anterior)

Marvin não tinha charuto algum. Elvis deu um dos seus para ele, enquanto os outros dragões encaravam os dois recém-chegados...

Todos fumaram.

Bem, quase todos.

Marvin fingiu apenas. Fingiu e muito mal...

NÃO SE PODE FINGIR QUE SE FUMA UM CHARUTO SEM ACENDÊ-LO.

-- Esse aqui não está provando a fumaça! -- disse um dragão amarelo e “dedo duro”.

-- Fumar e baforar, este é um dos lemas da Confraria dos Dragões-Anões! – observou um dragão azul.

Todos olharam para Marvin e ele foi obrigado então a acender e experimentar o charuto.

-- CHROFT CRECKT CHROFT, COT, COT, CRECKT, CHOFT!!!

Coitado do Marvin. Não sabia ele que charutos não foram feitos para tragar...

A tosse continuou insistente e um dos dragões anões lhe passou uma caneca com água das montanhas... Marvin bebeu, mas a tosse continuou mesmo assim... até ser dissipada pelo cansaço.

FUMAR E JAMAIS TRAGAR: EIS A PRIMEIRA LEI DO CHARUTO.

Os olhos de Marvin, recém-esbugalhados, ficaram cheios de fumaça. Dava até para ver uma nuvenzinha voando em suas retinas...

Mesmo sendo agora um dragão, fumar não era coisa para ele e pelo jeito jamais seria.

-- Você aí, que não sabe fumar! Não podemos aceitá-lo em nossa distinta Confraria. Seria até uma humilhação se outros dragões descobrissem isso. Ou você faz um Curso Técnico para Futuros Fumantes ou não aceitaremos mais a sua presença aqui! – observou o mesmo dragão azul da fala anterior. Pelo jeito de dizer as coisas, devia ser um dos conselheiros. Se é que uma Confraria tem alguém com tal função.

Marvin não sabia o que fazer. Apenas acenou com a sua cabeça de dragão, esperando ser entendido.

-- Tudo bem, mas que isso não se repita então! – falou um dragão amarelo.

Elvis manteve-se em silêncio.

-- E agora companheiros, vamos fazer um grande brinde a todos os dragões anões que fazem parte desta amada Confraria, mas não se encontram presentes por motivos particulares... Um, dois e já.

Todos os dragões beberam suas canecas de rum exotérico, em um golão só, e depois as jogaram contra as paredes.

É ASSIM QUE SE BRINDA NA CONFRARIA DOS DRAGÕES ANÕES.

Elvis e Marvin estavam sem as canecas e por isso não brindaram nada.

-- Novamente, outro aviso importante. Quem não sabe beber e quer continuar fazendo parte da Confraria dos Dragões Anões deverá fazer um Curso Técnico Bebedor Mor, o mais urgente possível.

Elvis e Marvin ficaram sem graça, olhando um para o outro, meio cabisbaixos, na mira dos olhares dos outros dragões.

Alguns cochichavam nos ouvidos dos colegas ao lado.

Rizinhos e até gargalhadas se faziam ouvir.

-- Silêncio! Silêncio, companheiros! Como é de praxe, em todos os nossos encontros, vamos relatar algumas histórias interessantes que aconteceram desde a última reunião. Desta vez eu mesmo começo.

-- Mas, chefe. Hoje não era pra ser a vez do Barrabás começar? – observou um dragão roxo.

-- Eu já disse pra você não me chamar de chefe! (“sibilou” o chefe para, então, continuar a fala). Mas como eu estava dizendo, um fato muito interessante, eu diria até peculiar, aconteceu comigo...

Marvin imaginou que só podia ser algo muito e muito chato, já que o dragão falante parecia ser daqueles que, quando começa, não deixa mais ninguém abrir a boca...

-- ...Estava eu, voando e depois andando, voando e depois andando, lá pros lados da Vila Querubim, quando ouvi um barulho estranho, muito estranho. Em seguida já avistei um companheiro moribundo deitado atrás de uma pedra.

DRAGÃO GERALMENTE NÃO CHAMA OUTRO DRAGÃO DE DRAGÃO.

-- Aproximei-me dele. Ele gemia uma mistura de uivo de lobo com grito de golfinho, coaxar de sapo e mugir de vaca... Ao seu lado, uma garrafa. Não era de rum exotérico, não... Tinha um cheiro jamais cheirado por este meu super faro... O cheiro, na verdade, era um fedor que se cheirado, ou melhor fedorado, por muito tempo, comeria minhas narinas por dentro... Ácido. Ácido misturado com algo terrivelmente fedido... E aí uma questão encasquetou no meu cérebro: O que aquele companheiro estava fazendo com tal substância deveras desagradável? Será que tentara o suicídio? Mas por quê? AH! Amor não correspondido. Só pode ser isso, pensei eu em seguida... Repentinamente, ele abriu os olhos e me pediu: “Me vê aí um charuto! Preciso agora afogar minhas mágoas na fumaça de um cubano”. Eu, que sempre estou muito bem prevenido em matéria de charutos, atendi o seu pedido... Na terceira ou quarta baforada, ele já parecia novo em folha. Levantou sua carcaça e me agradeceu: “Obrigado, eu estava mesmo precisando de um desses!” Aí ele resolveu me contar uma história. “Você vai gostar de ouvi-la”, disse ele. “E será também a forma de eu lhe pagar o charuto”, completou. Como eu não tinha nada de importante pra fazer mesmo, fiquei ali ouvindo, não uma, mas várias histórias. A que eu vou contar hoje funciona mais como uma charada e diz justamente respeito ao nosso grande e inseparável amigo:

-- O CHARUTO!!! – Todos, menos Marvin e Elvis, gritaram uníssono.

-- ...Não vou citar aqueles que estiveram envolvidos em tal narrativa, mas apenas a charada em si. Ela diz respeito a fumaça do charuto. E aí eu lhes pergunto: Como é que se pesa a fumaça de um bom charuto cubano?

Todos os dragões fizeram um grande silêncio interrogativo.

Marvin sabia a resposta. Afinal ela havia sido dada no filme “Cortina de Fumaça”, que ele achou “legalzinho”.

“Será que esse dragão assistiu também o filme?” – pensou Marvin, não acreditando muito naquela enrolação toda dita pelo “dragão chefe”.

O SILÊNCIO INTERROGATIVO PERMANECEU NO AR MISTURADO COM A FUMAÇA DOS CHARUTOS.

Marvin ficou se segurando para não responder.

-- Pelo jeito, ninguém sabe, não é? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três... Ninguém mesmo? A resposta é muito simples, companheiros!

O SILÊNCIO INTERROGATIVO PERMANECEU NO AR MISTURADO COM A FUMAÇA DOS CHARUTOS.

-- Primeiro, pesa-se o charuto que será fumado. Durante o ato de fumar, reserve a cinza. Não deixe cair nada no chão. O peso da fumaça será a diferença entre o peso do charuto e o peso da cinza. Entenderam?

Mexerico, justamente o dragão que mais abominava qualquer coisa que envolvesse números e contas, protestou:

-- Essa conta é muito difícil de se fazer!!!

Para ele qualquer conta que envolvesse algo cuja soma fosse superior a 8 era considerada difícil-impossível.

-- Necessitamos de uma balança de precisão. – observou Super Lord.

Com charutos, fumaça e o rum exotérico correndo soltos na Confraria, muitas outras histórias foram sendo contadas... Marvin se interessou por cinco delas. Algumas lhe deram bocejo e sono e, por isso, Elvis resolveu sair bem mais cedo do que esperava.

Já com as respectivas asas colocadas (as únicas sem etiquetas), os dois partiram-voando...

ENQUANTO ISSO NA CAVERNA DA MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA PRETA:

-- Tchau, eu não vou te pagar tudo o que combinamos por essas coisinhas titiquinhas de nada.

-- Trato é trato, meu caro!

-- Mas não foi bem isso que a gente negociou.

-- Claro que foi! Eu não tenho culpa se os ditos seres humanos têm só isso. Eu prometi vinte e tá tudo aí.

-- Vinte, mas desse tamanhico? Minha poção não vai funcionar assim.

-- Então, eu te trago mais vinte.

-- Mais vinte não vai ser o suficiente também.

-- Sessenta então?

-- Quem sabe!

-- Trago oitenta pra garantir.

-- Combinado então. Mas sem cobrança adicional.

-- Não, isso eu não posso garantir.

-- Um favor pelo menos!

-- Desculpe, mas eu não posso fazer favores. Vai contra a minha ideologia existencial.

-- Não sei como ainda fico fazendo negócios com você, Tchau.

-- Você sabe sim. E sabe muito bem. Afinal eu sou o melhor em tudo.

-- E quanto vai sair a dolorosa?

-- Vou pensar... vou pensar...

-- Mas não pense muito, tá?

-- Oitenta almas de seres humanos, deixe-me ver... Hum! Hummm! Tudo bem, eu te darei um desconto de trinta por cento. E você me paga tudo com o próximo pedido.































CAPÍTULO 6

O LIVRO DE CARNE

“A esperança é um pássaro

empoleirado na alma.”

(Ammie Dickson – ex-poeta, atualmente bruxa)



Somente um vôo e uma chuva gelada para despertar alguém do sono à vista...

ASAS DE DRAGÃO SÃO IMPERMEÁVEIS, ASSIM COMO PÁRA-QUEDAS, CAPAS E COISAS DO GÊNERO...

-- Elvis, pra onde estamos indo afinal?

-- Calma, Calma! Me siga apenas.

-- Mas, mas? Por que a gente não toma uma pílula de se ir a algum lugar?

-- Você não está gostando desse nosso vôo? Veja só o meu rasante.

-- Não. Não é isso! – gritou Marvin -- Eu estou gostando muito de voar. Mas... Mas... Mas...

Elvis desceu a mais de cem e vinte quilômetros por hora na noite estrelada. Após piruetas e piruetas e piruetas, ele retornou até Marvin para continuar o diálogo:

-- Mas, mas, mas... o que você está querendo dizer com tantos mas, Marvin??

-- Me deu uma aflição no coração. Uma coisa... Eu aqui com você me divertindo e tantas coisas pendentes em minha vida. É por isso que eu me sinto culpado.

OS MUNDOS MÁGICOS MUITAS VEZES NOS FAZEM ESQUECER TEMPORARIAMENTE ATÉ DOS NOSSOS PROBLEMAS MAIS TERRÍVEIS.

-- Calma! Calma! Tudo tem seu tempo.

-- Lenora está morta! Vovó Pangaré virou areia! Etecétera sumiu! E o meu amigo Tonhão...

-- Calma! Calma! Existe mágica pra tudo.

-- Até para a morte?

-- Sim e não. Sua amiga Lenora ficará pelo menos cem anos nas Trevas Sólidas e depois retornará...

-- Cem anos nas Trevas Sólidas?

Marvin começou a chorar gordas lágrimas de dragão-anão. Uma das maiores caiu mortalmente lá embaixo sobre vinte formigas que carregavam um besouro azul.

FORMIGAS EXISTEM EM TODOS OS MUNDOS.

-- Calma! Calma! Não se desespere! Vamos! Tome esta pílula de se parar de chorar!

-- Eu não... quero... parar... de chorar... Eu... só quero... Lenora... viva!

-- Marvin, veja as coisas pelo lado bom!

Nessas alturas, Elvis e Marvin já não estavam mais nas alturas: haviam pousado sobre uma grande pedra, a maior entre várias outras vizinhas que enfeitavam o Pântano da Saudade.

-- Lado bom?! Onde pode haver... lado bom... nessa desgraça toda?

Um silêncio-vento suave tomou conta dos dois amigos. E eles ficaram assim olhando a manhã de dois sóis surgindo...

“Dois sóis? Por que dois sóis?” – Marvin perguntou para si mesmo. E continuou em silêncio.

Assim que o silêncio cansou, Marvin sentenciou:

-- Elvis, você vai ter que me ajudar a salvar Lenora! Deve ter um jeito! E se não tiver, você vai inventar um! Afinal você não é o famoso médico, cantor e inventor Elvis Presley?



ELVIS PRESLEY : INVENTOR DE PÍLULAS:

Pílula peluda;

Pílula memorificante;

Pílula para se voltar pra casa;

Pílula para se virar dragão-anão;

Pílula para se parar de chorar;

Pílula para se assistir tevê sem tevê ( “E como se muda de canal?” Algum leitor

pode estar se perguntando... Muito simples, é só mexer uma das orelhas);

Pílula para crescer;

Pílula para diminuir;

Pílula para visitar a lua;

Pílula para qualquer coisa ficar com gosto de chocolate;

Pílula para se transformar em objeto;

Pílula para se ganhar em qualquer loteria sozinho (você toma a pílula antes de fazer

o jogo e pronto);

Pílula para afastar inimigos;

Pílula para chamar amigos muito distantes;

Pílula para tocar violão em segundos;

Pílula para tocar guitarra feito Jimmy Hendrix;

E muitas outras pílulas e pílulas e pílulas...



-- Elvis, já que você inventa pílula para tantas coisas, invente uma para ressuscitar Lenora!

-- Isso eu não posso fazer!!!

-- Não pode, por quê???

-- Mesmo que eu pudesse, as conseqüências seriam terríveis. Eu estaria quebrando a ordem natural das coisas nos Mundos Mágicos.

-- Quebrando a ordem natural das coisas? Pelos lugares onde eu passei, a ordem natural das coisas estava sendo quebrada a todo momento.

-- Isso no seu modo de ver. No nosso não. Fazer magia não é quebrar a ordem natural. Agora ressuscitar alguém sim. Cada morte deve vir seguida de pelo menos cem anos nas Trevas Sólidas. E isso não é regra, é Lei.

LEIS DOS MUNDOS MÁGICOS: AO TODO SÃO DUZENTAS E CINCO, POR ENQUANTO.

-- Uma desobediência até é possível. Mas acho que você não vai querer ver a sua amiga transformada em uma morta-viva... Ou vai??

Dito isso, vieram à mente de Marvin as terríveis imagens do filme “Cemitério Maldito”, baseado no livro de Stephen King: Gato zumbi, menino zumbi, mulher zumbi. Todos meio podres e diabólicos. Certamente Marvin não queria isso para Lenora.

-- Talvez exista uma alternativa! – indagou Elvis – O livro de carne deve ter a resposta.

-- Livro de carne???

-- O problema vai ser conseguir um exemplar lá na Biblioteca Infinita.

-- Biblioteca Infinita??

Foi aí que Elvis, meio contra gosto, acabou se tornando professor de História:

-- Segundo a versão oficial, A biblioteca infinita teria surgido após a destruição completa da Biblioteca de Alexandria no ano de 646 da era cristã. Felizmente, antes que os árabes aniquilassem todos os “livros”, um mago conseguiu transportá-los a um dos mundos mágicos. E assim nasceu a Biblioteca Infinita. Hoje ela contém todos os livros escritos. Inclusive aqueles que teriam sido queimados por todas as “Santas Inquisições”. Há também uma parte da biblioteca dedicada aos livros apenas pensados por seus autores... Ah! E sobre o livro de carne...

Inconscientemente, Marvin abanou o rabo de dragão-anão, como se fosse um cachorro esperando alguma recompensa.

-- Pelo que eu sei, existem dez exemplares apenas... Os livros de carne, além de muito procurados pelos bruxos, também são temperamentais.

-- Temperamentais??

-- Nem te conto!!! Nem te conto!!! E afinal dos contos e das contas, já-já você vai ver tudo com os seus próprios olhos... Tome esta pílula!

PÍLULA EM FORMA DE MINI LIVRO.

-- É pra deixar a gente mais inteligente???

-- Marvin, você é muito engraçado, muito engraçado mesmo... Às vezes, você fica quieto, não fala quase nada. Não pergunta. Não responde. Mas quando resolve abrir a boca. Nossa!!! Não é fácil ficar te respondendo tantas coisas. Que tal deixá-las simplesmente acontecer? O inesperado é muito mais saboroso. Tem um tempero! Humm!!!

E assim Marvin “amarrou o burro”, calando-se pelos segundos seguintes que vieram e que também foram embora rapidinho.

Conforme o sugerido, ele engoliu a pílula retangular. E não é que esta desceu fácil, fácil pela garganta, e sem nenhum líquido para empurrar. Elvis estava ficando bom inventor de pílulas que deslizam com facilidade.

PÍLULA PARA SE VISITAR A BIBLIOTECA INFINITA. Elvis fez o mesmo e, em CLICKS SEGUNDOS, os dois já estavam voando na mais fantástica biblioteca jamais imaginada por alguém. Um lugar que de dentro não tinha fora. Nem de dentro nem de fora. Ou melhor, o dentro era o fora que era o dentro também. Confuso? Não tanto.

Elvis e Marvin voavam no meio de livros flutuantes por todos os lados. Não havia estantes, feito nas bibliotecas convencionais.

-- Elvis, os livros ficam assim flutuando o tempo todo?

-- Flutuar é o eterno e nobre destino deles.

-- Em ordem alfabética???

-- O certo seria dizer, em desordem analfabética, Marvin.

E havia livros de todos os tamanhos. Desde os microscópicos, para serem encontrados e lidos com ajuda de microscópios especiais, até alguns com três, quatro, cinco... seis metros de altura ou mais...

Entre os livros: bruxos, fadas, magos, fantasmas, vampiros, duendes com asas e outras diversas espécies de criaturas voavam à “procura do saber infinito”. Ou mesmo de um saber básico para alguma artimanha ou feitiçaria ou maldição.

INFINITO É SABER QUE CADA VEZ QUE MAIS SE APRENDE, MENOS SE SABE.

-- Livros de fórmulas e mais fórmulas. Livros de poções para isso, poções para aquilo, poções para... A maioria das criaturas só quer saber de coisas desse tipo. E também de fofocas. Muitas fofocas. Revistas e mais revistas de fofocas bruxísticas. Alguns até que se interessam por turismo através dos milhares e milhares de mundos... Agora, algo mais elevado, filosófico, poético, é raro... Muito raro encontrar uma alma, mesmo que penada, interessada em assuntos menos superficiais.

Tal fala ranzinza vinha de um velho dentadura, “rato-gato-cachorro-lobo-de-biblioteca”. No mínimo ele devia ter cem anos em cada dedo, isso contando os doze das mãos e os vinte dos pés.

Marvin sentia-se ADMIRADAMENTE perdido entre todos aqueles livros flutuantes. Para onde ele olhasse, era o que mais se via até a vista se perder no infinito.

Para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, para todos os lados. LESTE, OESTE, NORTE, SUL: livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros...

UM MAR.

UM OCEANO DE LIVROS FLUTUANTES.

-- Não sei não, mas acho que nunca vamos encontrar um livro de carne neste infinito bagunçado.

-- Nunca diga nunca, Marvin! Dificilmente seria a palavra mais apropriada. Dificilmente se...

-- Já sei! Você tem um plano infalível ou uma pílula para resolver isso tudo!

-- Eu não diria plano, mas sim estratégia... Conheço um pouco a personalidade dos livros de carne. E sei que alguns deles gostam muito de... Só espero que estejam aqui na biblioteca. Se foram emprestado, aí não vai ter jeito, pelo menos por enquanto.

-- Eles gostam muito do que mesmo? Você acabou não dizendo...

ANTES QUE ELVIS DISSESSE...

STREEESH, UM CÍCLOPE PRATEADO MÍOPE E FLUTUANTE acabou embolando-se com os dois... E mesmo sendo o causador do acidente, ele ainda teve o descaramento de reclamar com sua voz de trombone mal cheiroso:

-- Não olham por onde voam??? Seus abomináveis!!!

Mesmo com a embolação aérea, Elvis e Marvin conseguiram manter o vôo necessário, enquanto o cíclope continuava sua missão de causar esbarrões-confusões a outras criaturas...

-- Certos seres repugnantes não valem uma escama de nossos corpos. O melhor é não dar bola alguma a esses tipos... Mas o que eu estava querendo dizer é que os livros de carne gostam muito, mas muito mesmo de tingue-lingues.

-- Elvis, que eu saiba tingue-lingue é uma fruta. Uma fruta viva e saltitante. Eu já comi uma. Parece borracha. Não vai me dizer que os livros de carne...

-- É bem isso que você está pensando. Alguns livros de carne adoram comer tingue-lingues.

-- Comer? Como?

-- Ora bolas!! Pela boca é claro! Livros de carne têm boca, nariz, orelha... Ah! E asas.

IMEDIATAMENTE veio a mente de Marvin um ataque de livros de carne. Mais ferozes que “Os Pássaros” de Alfred Hitchock. Centenas de milhares. Escurecendo o céu e os corações. Todos eles famintos... Invadindo praças, ruas, prédios, casas, quartos... Todos eles tirando pedaços das pessoas que em sua grande maioria nunca haviam “devorado” um livro por inteiro.

“DEVORA-ME OU EU TE DEVORO.”

-- Se esses livros têm até boca, então pelo jeito, eles falam também! – observou Marvin.

-- Claro! Afinal bocas não foram feitas somente para comer, não é mesmo?!

-- Elvis, nisso tudo uma coisa me intriga. Me parece que você não tem nenhum tingue-lingue aqui, ou tem?

-- Não, não tenho não. Mas acho que posso negociar com o Torresmo. Ele já conhece o meu assobio e se estiver por perto...

“Torresmo???” – Marvin indagou só para si, enquanto Elvis começava a assobiar:

ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMM...

ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMM...

ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMM...

ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMM...

ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMM...



Ao todo, cinco insistentes-irritantes assobios... até Elvis desistir (já que em todas as vezes o tal do Torresmo aparecia rapidinho).

Então o ex-enorme-dragão-verde se lembrou que agora ele não era mais o DRAGAOZÃO de sempre e, portanto, o seu assobio também não tinha mais a mesma potência de antes:

“Sim, só pode ser isso, só pode ser isso mesmo. A não ser que o Torresmo tenha sido emprestado...” – pensou ele.

-- E agora, Elvis?

Elvis coçou o queixo e Marvin fez o mesmo.

Antes que alguém ache a frase anterior ambígua, talvez seja melhor completar dizendo cada um deles coçou o seu.

-- Eureka Pankeka!!! – gritou Elvis

-- “Eureka Panqueca??? Esse Elvis! É incrível como ele gosta de ficar inventando e até reinventando o que já foi inventado há muito tempo” – Marvin filosofou só para os seus neurônios.

E então Elvis engoliu uma pílula verde e instantaneamente foi CRESCENDO, CRESCENDO, CRESCENDO...

Em vinte segundos, ele voltou a ser o dragão verde de quase sempre.

-- Já estava com saudade da minha barriga-pança. – observou Elvis, enquanto acariciava sua enorme protuberância escamosa que além das banhas abundantes apresentava um umbigo maior que pizza.

Agora ia ser fácil chamar o Torresmo. E foi isso mesmo que Elvis fez duas vezes apenas:

ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMM!

ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMM!

O ASSOBIO MUITO MAIS POTENTE TROUXE TORRESMO RAPIDINHO.

Torresmo era um livro de carne fora do tamanho padrão editorial de 14cm x 21cm fechado. Na verdade, editora alguma o havia publicado. Assim como os outros livros de carne, Torresmo nasceu das mãos e da mente de um mago: milenar e poderoso, conhecedor de muitos segredos do UNIVERSO.

Mais ou menos parecidos no conteúdo, mas diferentes na personalidade, todos os raros livros de carne tinham 18 por 27 centímetros.

Torresmo trazia a capa de couro chamuscada em alguns pedaços. Daí o apelido. Suas duas asas ficavam ruflando o tempo todo. Tão rápidas quanto as de um beija-flor. SESSENTA VEZES POR SEGUNDO.

-- Cuidado ao me folhar! Eu tenho cócegas! – observou Torresmo, antes que Elvis e Marvin, um dos dois, muito mais o segundo, resolvesse abri-lo.



ENQUANTO ISSO NA CAVERNA DA MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA PRETA:

-- Nossa, Tchau! O quê... o que aconteceu com você?

-- Nem te digo, nem de digo, Caixa!

Tchau sangrava muito. Sangue amarelo de duende amarelo. Seu rosto estava quase desfigurado por uma patada-garra violenta.

Não era de urso. Não era de leão. Não era de pantera. Nem de nenhum animal do mundo humano. Um estrago daqueles só podia ser mesmo coisa de...

-- Não sei como... consegui... fugir... daquela... coisa. Eu até... tentei... negociar... uma trégua... mas...

-- Tchau, você está pingando sangue no meu tapete persa!

-- Desculpe a distração, Caixa!... Pronto, agora já... estou fora dele.

-- É, mas agora você está pingando sangue no meu piso encerado.

-- Nada que... um desconto... no seu pedido... não possa resolver... não é mesmo, Caixa?

-- Se é você quem está dizendo isso. Um desconto é sempre bem vindo!

-- Um desconto... digamos de.... dez por cento.

-- Vinte me deixaria muito mais feliz.

-- Quinze... e não se fala... mais nisso.

-- Tá combinado, Tchau.

-- Então tá! Quinze por cento... de desconto... nos oitenta por cento de acréscimo-multa... devido a este acidente violento... horroroso e dolorido.... pelo qual passei... e você pôde e pode ainda... muito bem comprovar visualmente.

-- Oitenta por cento??? Oitenta por cento??? Você deve ter ficado louco, só pode ser isso!!!

-- Oitenta por cento menos quinze de desconto. E tudo fica em apenas sessenta e cinco por cento!!!

-- Eu não pago, não pago, não pago!!!

-- Olha o Sindicato!!!

-- Que Sindicato???

-- Ora bolas, o nosso sindicato!!! O Sindicato dos Duentes Amarelos!!! Se eu sozinho já sou poderoso e perigoso... imagine só nove mil duendes amarelinhos feito eu... Você não ia gostar de ver... Muito menos de...

Dito isso, a Misteriosa Criatura da Caixa Preta se calou e já foi se dirigindo até o cofre (à prova de feitiços e bruxarias) que ficava incrustado na parede de pedra.

TCHAU LIMPAVA O ROSTO SANGRENTO COM UMA TOALHA ENCARDIDA.

-- Aqui estão os diamantes! Eram dez. Mais sessenta e cinco por cento. Dezessete. Arredondando para cima do jeito que você tanto gosta...

-- Muito bem, Caixa, você já está aprendendo... a negociar comigo... Isso é muito bom! Isso é muito bom, mesmo! Tenho certeza que ainda... faremos ótimos negócios. Ótimos negócios para ambas as partes...

-- Você não quer um chazinho de tingue-lingue?

-- O papo tá muito bom, mas tenho outros negócios urgentes.... Então já estou indo, Caixa!!!

-- Assim tão apressado?

-- É! Pra você ver! Sou cada vez mais requisitado! Mas não se preocupe, você será sempre um dos meus clientes preferenciais.

-- Tchau então, Caixa!

-- Tchau, Tchau!

































CAPÍTULO 7

O REMORSO DE ELVIS

“Não conheço as cores do arco-íris,

nem o cheiro das ondas batendo nas pedras,

muito menos o gosto dos beijos dos amantes.”

(Urutum Bretoboscus, a mais horrenda

criatura do Vale das Urtigas)



-- Não é fácil tirar alguns diamantes a mais daquele sovina do Caixa. Mas é claro que eu não faço só pelos diamantes. Eles contam apenas cinqüenta e cinco por cento. Os outros quarenta e cinco fazem parte de um prazer quase inenarrável. Um prazer que vem quando você tapeia-engana alguém que se acha todo poderoso. Nossa, como é bom!!! Dez mil vezes melhor que comer bolo de “tingue-lingue” com recheio de amores gigantes e cobertura de doce de leite de Mamute.

-- Pirralho, você é mesmo muito esperto!

-- Pirralho!? Nunca mais, seu idiota! Meu nome agora é Tchau. Eu já te disse isso umas cinco mil vezes.

-- Desculpe! É que eu te conheci como Pirralho e agora fica difícil te chamar diferente...

-- Pelo jeito vão ser necessários alguns bons meses, quem sabe até anos, para você gravar o meu novo nome: Tchau, Tchau, Tchau, Tchau, Tchau, Tchau... REPITA!!!

-- Tchau, Tchau... Tauch, Tauch, Tauch, Tauch!!!

-- Deixa pra lá! Um outro dia a gente tenta de novo.

ENTRE UMA FALA E OUTRA, O LOBODÁTILO (CABEÇA DE LOBO E CORPO DE PTERODÁTILO) LAMBIA AS MARCAS PROFUNDAS DEIXADAS POR ELE MESMO NO ROSTO E EM PARTES DO CORPO DO DUENDE TCHAU.

-- Acho que te machuquei demais desta vez!!!

-- Que nada!!! Tudo funcionou melhor do que o esperado... Para enganar certas criaturas, nada como o realismo sanguinolento que convence até os olhos mais incrédulos.

A BABA VISCOSA DO LOBODÁTILO POSSUÍA UM PODER IMEDIATO DE CICATRIZAÇÃO. E ASSIM COMO ELE PODIA RASGAR A CARNE DAS CRIATURAS COM PROFUNDOS SULCOS... A ELE TAMBÉM FORA DADO O RARO DOM DE CURAR FERIMENTOS...

.......................................................................................................................................

Enquanto Marvin folheava Torresmo que vez por outra reclamava: “uii, uii, uii! Pare, pare, pare um pouco! Essa sua pata tá me enlouquecendo de cócegas!”, Elvis passou a observar o ambiente com mais cuidado.

O sexto sentido que Marvin não demonstrava há um bom tempo, em Elvis estava mais presente do que nunca. Afinal recentemente ele inventara também uma pílula para tal.

PÍLULAS DO SEXTO SENTIDO SÃO COMO VITAMINAS. DEVEM SER TOMADAS TODOS OS DIAS.

Em linha reta, na direção norte, atrás de milhares e milhares de livros flutuantes, algo terrível se escondia... preparando-se para o bote no momento mais oportuno. A vítima era Marvin.

Elvis sentiu um frio no peito, na espinha e na barrigona de dragão, como se aquele medo de uma medonha tragédia tivesse também ele próprio como alvo.

“Não sei não sentir pelos outros, principalmente pelos meus amigos mais chegados. Acho que se todos se colocassem no lugar dos outros, os mundos seriam muito mais interessantes para se viver ou se fantasmagorar.”



LETRAS. PALAVRAS. FRASES. PARÁGRAFOS. DESENHOS. Minúsculas veias de sangue vermelho, azul, amarelo, verde, marrom, preto... escrevendo receitas, poções, segredos, mapas perdidos, maldições, bondades e maldades infinitas, segredos, coisas de desejo e ambição, palavras mágicas para se esganar e até matar, segredos, segredos e mais segredos... Minúsculas veias de sangue contando de reinos encantados, de mundos perdidos, de tesouros e de criaturas jamais imaginadas pela mente humana.

As folhas de Torresmo, na verdade, não eram feitas de carne, mas sim de couro. Livro de Carne era apenas força de expressão que o tempo havia consolidado na mente e boca das criaturas.

Marvin ia folheando Torresmo com todo o cuidado necessário para não fazer as cócegas que irritavam o livro...

“Agora tá bom! Isso mesmo! Você aprendeu rápido a manusear alguém sensível feito eu!”

-- Marvin! Precisamos sair daqui imediatamente!

-- Mas, mas e o Torresmo??

-- O certo seria irmos até a seção de empréstimos... Mas não temos tempo pra isso. Então a solução será roubar o Torresmo por algum tempo.

-- SOCORRO! SOCORRO! SOCORRO!!! ESTÃO QUERENDO ME ROUBAR!!! ESTÃO QUERENDO ME ROUBAR!!!

-- Marvin, tape a boca desse livro e vamos dar no pé, ou melhor, nas asas!!!

-- SOCORRO! SOCORRO!— Torresmo continuou gritando, afinal para ele e todos os livros o certo era ser emprestado de acordo com a burocracia exigida pela Biblioteca Infinita. Se deixar roubar ia contra tudo o que ele havia aprendido e contra tudo o que ele acreditava ser correto.

-- AI!!! Este livro morde!!! – exclamou Marvin, soltando Torresmo que saiu voando em carreira desembestada.

-- Deixe que eu pego esse danado!!! – E assim Elvis foi no encalço do livro de carne... atropelando algumas criaturas pelo caminho... em ziguezagues desviando alguns livros, indo de encontro a outros.

A BIBLIOTECA INFINITA NUNCA MAIS SERÁ A MESMA DEPOIS DESTE E DO EPISÓDIO QUE SE SEGUIRÁ...

Após mais ou menos um minuto de perseguição estilo “Guerra nas Estrelas”:

-- Te peguei! Agora você não vai fugir mais de mim e nem de meu amigo Marvin.

Elvis encarou Torresmo com seus olhos de dragão verde. Não foi necessário dizer mais nada. Torresmo entendeu muito bem a mensagem e não abriu mais a boca, nem para falar nem para morder...

Quando Elvis retornou até Marvin, Marvin não estava mais ali.

EPISÓDIO SEGUINTE:

A medonha tragédia voava-corria atrás de Marvin. O sexto sentido de Elvis não se enganara. Dava até pena ver milhares e milhares de livros sendo destruídos pela maior perseguição já vista em uma Biblioteca Infinita. Folhas e pedaços de capas de livros flutuavam agora entre as publicações sobreviventes da tragédia.

MUITA BAGUNÇA, MUITA DESTRUIÇÃO, MUITA SUJEIRA.

Fugindo novamente de seu próprio túmulo, Marvin adquirira uma habilidade de voar jamais imaginada por ele, mesmo sendo agora um dragão anão.

A NECESSIDADE E O DESESPERO FAZEM DESSAS COISAS. DÃO FÔLEGO NOVO ÀS CRIATURAS QUE DESEJAM SOBREVIVER ÀS SUAS PRÓPRIAS TRAGÉDIAS...

Marvin tanto voou-fugiu que acabou indo parar em uma “parte da biblioteca” onde os livros eram feitos de marimbondos. Marvin só percebeu isso quando esbarrou em um deles e sentiu de perto a maldição que pega aqueles que ousam mexer nos livros proibidos, sem uma proteção ou magia adequadas.

Realmente este estava sendo um dia DAQUELES para Marvin. Dia de cão alguns diriam. Dia de marimbondos, isso sim.

Ainda bem que não eram os terríveis Marimbondos de Fogo de uma outra seção da Biblioteca Infinita.



SER DRAGÃO TEM ALGUMAS BOAS VANTAGENS SOBRE OUTRAS CRIATURAS. ENTRE ELAS PODEMOS CITAR:

a) Conseguir amedrontar quase todo mundo;

b) Voar em diversas velocidades e até flutuar;

c) Lançar jatos de fogo, ácido e de outras coisas, dependendo da espécie de

dragão;

c) Em alguns casos ficar invisível;

d) Possuir um corpo-couraça resistente;

e) Usar o rabo para espantar moscas e abater inimigos.

f) Em alguns reinos ser tratado como rei;

g) Em muitos outros reinos ser tratado com respeito;

h) Ter poderes mágicos;

i) Poder viver séculos e até milênios;

j) ETC, ETC, ETC, ETC, ETC.



ENTRETANTO toda criatura, por mais poderosa que possa ser, tem também o seu calcanhar de Aquiles. Marvin, o dragão-anão, tinha três. E como os marimbondos da Biblioteca Invisível não eram bobos nem nada, atacaram justamente nesses seus pontos fracos: buracos do nariz, pálpebras e focinhão.

Elvis só apareceu depois que Marvin já havia levado pelo menos umas cem picadas de marimbondos:

-- Puxa vida, Marvin, você não me parece nada bem!

E NÃO ERA PARA MENOS:

O nariz virou um narigãozão vermelho.

As pálpebras inchadas pareciam almofadas.

O focinhão dobrou de tamanho.

E COMO TUDO DOÍA!...

Doía e latejava, latejava e doía, doía e latejava, latejava e doía...

Marvin até chorou algumas lágrimas de dragão-anão. Cinco ao todo, já que não era tão fácil para um dragão chorar com a abundância que choram os humanos.

-- Tome, Marvin! Esta pílula vai resolver o problema quase instantaneamente.

Marvin tomou a pílula no formato cor e tamanho de pimenta vermelha.

A queimação na boca e na garganta comprovou que aquela pílula não era pílula coisíssima nenhuma. Era pimenta mesmo. E das brabíssimas.

“Por que Elvis está fazendo isso comigo? Brincadeira e piada numa hora destas?!” -- pensou Marvin.

Em alguns segundos veio a resposta: as dores das picadas de marimbondos haviam desaparecido. Os inchaços vermelhos também.

-- Agora tome está pílula para tirar a queimação da pimenta.

Marvin tomou. E o seu corpo foi murchando, murchando, murchando...

Depois que murchou, boa parte do líquido-baba-de-dragão acabou caindo-lambuzando alguns livros na imensidão dos “abismos” da Biblioteca Infinita.

Então foi a vez de Marvin sair daquela carcaça de dragão que ainda ruflava as duas asas. MARVIN NASCEU DE NOVO... Nasceu de novo o menino que até pouco tempo ele sempre havia sido.

MENINO NU E SEM ASAS.

Marvin caiu no “abismo” da Biblioteca Infinita. Caiu sobre livros e mais livros... E continuou caindo... Nenhum deles conseguia segurar sua queda que pelo jeito seria também infinita assim como a biblioteca.

CAIR INFINITAMENTE PELO RESTO DA VIDA??? NÃO, ISSO ERA IMPOSSÍVEL. MARVIN MORRERIA MUITO ANTES.

Alguns livros foram amortizando sua queda, mas isso era o máximo que eles conseguiam fazer.

E ONDE AFINAL ESTAVA O ELVIS QUE NÃO VINHA RÁPIDO SOCORRÊ-LO?

Em seu caminho vertical, Marvin trombou também com várias criaturas e ainda ouviu palavrões e maldições:

-- Seu Frostruco Mazolento!!!

-- &
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61661;

-- Carabundão Mulotunco!!!

-- Brosniatro Bracantrovkc!!!

-- &
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61661;&
61473;&
61473;&
61474;

-- Camaroto horenenre!!!

-- Hroendowodks skwierucjcdj!!!

-- &
61473;&
61474;&
61483;&
61658;&
61661;

-- Bdbsdnou oeor!!!

-- Cridiedty speorsd!!!

Marvin, que até então entendia todas as línguas e dialetos de todas as criaturas, MISTERIOSAMENTE, não estava entendendo mais nada. Mas agora tal fato era de mínima importância.

TODO FATO É DE MÍNIMA IMPORTÂNCIA, QUANDO SE ESTÁ CAINDO, CAINDO, CAINDO...

Marvin acabou caindo sobre um IMENSO livro de chumbo. Devia medir uns vinte metros de largura por quarenta de altura. Fechado. O livro era frio e gelava o corpo já tremendo de frio de Marvin.

A princípio Marvin pensou que tinha chegado no fim do fundo da Biblioteca Infinita. Afinal, pelos seus cálculos instintivos, ele havia caído durante mais de dez minutos.

LEDO ENGANO.

Quando Marvin se levantou, um pequeno riacho circundava seu corpo. Olhando melhor não era um riacho não. Parecia uma enorme letra molhada. Sim, uma letra. A letra A. Um sulco na capa do livro de chumbo onde corriam águas límpidas.

Outros sulcos. Outras letras. Marvin pôde identificá-las pulando por elas, unindo umas as outras até o gigantesco título do livro gigante se formar em sua mente:

“O LIVRO DAS DESINVENÇÕES”

Não havia nenhuma menção a autor ou editora.

Aproximando-se de uma das bordas da capa de chumbo, Marvin pôde constatar que o “abismo” de livros continuava até o infinito mesmo.

E agora o que fazer???

Elvis chegou em seguida:

-- Desculpe a demora!!! Mas o Torresmo tentou fugir de mim novamente e aí eu tive que tomar algumas providências.

Elvis havia arrancado as asas do livro de carne e Torresmo inconformado só chorava e chorava sem parar.

-- Feche essa matraca choradeira! Ou, ou, ou...

E Torresmo não fechava. Ele tinha medo de Elvis. Medo, mas não tanto.

-- Cale-se eu já disse!! Cale-se ou eu vou te pulverizar com o terrível gás sputinick!!

Torresmo nunca havia ouvido falar desse tal gás. Mas em todo caso achou melhor não irritar mais ainda o dragão verde.

E ASSIM CALADO-QUIETO TORRESMO SE MANTERIA PELOS PRÓXIMOS MINUTOS... TAL SILÊNCIO SERIA ENTÃO RECOMPENSADO PELA DEVOLUÇÃO DE SUAS PRECIOSAS ASAS.

-- Acho que agora as coisas vão se normalizar, Marvin!!

“Normalizar??? Será que Elvis acredita mesmo nisso... Normalizar, mas afinal o que é algo normal??? Depois de tudo o que eu já passei...”

-- Marvin, você está precisando de umas roupas!!!

Com certeza. O corpo de Marvin já se tremia todo de frio. Nem o queixo tremente ele conseguia controlar.

-- Tome está pílula de se vestir!

E Marvin tomou, com a ajuda de alguns goles de água límpida e possivelmente potável da letra

E.

Em poucos segundos, Marvin já estava todo vestido: de tênis, calça jeans, camiseta branca e ESPANTOSAMENTE de mochila com asas.

-- Puxa vida!!! Como você fez isso, Elvis???

-- Isso, o quê?

-- A mochila com asas?

-- AH! Isso!!! Foi fácil. Só aprimorei um pouco a pílula de se vestir... Eu sabia que você ia gostar.

Então veio em Marvin uma nova saudade. Uma nova saudade do passado. Tudo bem que isso é redundância, já que saudade só pode ser do passado. Mas mesmo assim eu precisava dizer. Saudade do passado. Saudade do passado. Saudade do passado.

Saudade de Lenora. Saudade dos colegas do colégio. Saudade dos amigos de tantas e tantas brincadeiras.

Saudade da casa que não existia mais na Rua Lewis Carrol nº. 13. Saudade dos pais e até dos vizinhos chatos que agora eram conservas e compotas.

E nessa saudade toda, Marvin pensou-delirou: “Uma pílula dessas faria o maior sucesso lá no meu mundo. Imaginem só. As pessoas ganhando mochilas com asas... E voando, voando, voando para todos os lados e lugares. O céu cheio de pessoas-pássaros. Talvez até o mundo ficasse melhor. Não sei, talvez por alguns momentos ou para sempre. Quem sabe?”

E O PENSAMENTO-DELÍRIO ASSIM CONTINUOU:

“... Pessoas jogando futebol. Futebol voador com uma bola flutuante, é claro. Futebol voador a 50 metros de altura. O gol entre dois prédios de 40 andares. Ia ser pra lá de emocionante! ”

E O PENSAMENTO-DELÍRIO ASSIM CONTINUOU:

“... Pessoas brigando nas alturas. Asas sendo arrancadas. Pessoas caindo e se espatifando no asfalto, nas calçadas, sobre os carros. Pessoas caindo sobre outras pessoas...”

E O PENSAMENTO ASSIM CONTINUOU:

“ Muitas vezes me perguntei, por que nós humanos não fomos feitos para voar como os pássaros? A resposta talvez seja simplesmente porque não merecemos. Infelizmente o ser humano não consegue...”

Bem na palavra “consegue”, o pensamento de Marvin foi interrompido por gemidos ora agudos, ora graves:

-- Elvis! Elvis! O que está acontecendo? Você está ficando cor-de-rosa!!!

Primeiro cor-de-rosa, depois amarelo, azul, marrom e, finalmente, preto.

Elvis agora era um dragão preto voando-vomitando sobre os livros da Biblioteca Infinita e voando-vomitando até no Marvin também.

-- Urght!!! Que nojo!! Que fedor de azedo!!

Ainda bem que Marvin ainda estava sobre o imenso “Livro das Desinvenções” com suas letras-rios para se lavar de tanta sujeira.

Quando cessou o vômito que ia para todos os lados em grossos jatos coloridamente crocantes, uma a uma, cinco bolas de basquete passaram a sair da boca de Elvis.

Alguém deve estar se perguntando neste momento: “Como bolas de basquete poderiam sair da boca de um dragão com a cabeça de Elvis Presley?”

O problema certamente não era a boca diminuta que já havia se expandido o suficiente para tal procedimento técnico. Nem as bolas de basquete que, na verdade, não eram bolas de basquete (tinham apenas o mesmo tamanho). E portanto se esses não eram os problemas, podemos dizer que o único problema ainda não mencionado se refere ao pesadelo em que Elvis estaria entrando a partir de então... Mas antes de comentá-lo, voltemos às bolas de basquete que não eram bolas de basquete.

As bolas de basquete eram feitas de carne. E pelo cheiro: bolas de carniça.

Bolas de carniça flutuantes. Bolas de carniça carregando cada uma centenas de centenas de vermes famintos. Bolas mini-planetas. Mini-planetas de vermes.

MARVIN BOQUIABERTO ACABOU ENGOLINDO UM DESSES VERMES.

Bolas flutuantes voando ao redor do corpo cansado-flutuante de Elvis. Um corpo preto, marrom, azul, amarelo, cor-de-rosa e, finalmente, verde outra vez.

-- Marvin, você está bem?

-- Sim, você é que me deu um susto danado!!

-- Desculpe, mas não pude controlar! Meus remorsos é que fizeram isso comigo.

-- Remorsos??

-- Você nunca sentiu um?

-- Claro que sim!!

-- Então, os meus vêm no formato de bolas de carne recheadas de vermes.



ENQUANTO ISSO NA CAVERNA DA MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA PRETA:

-- Tchau! Eu quero as bolas de carne!

-- Caixa, isso não vai sair nada barato!

-- Eu pago! Eu pago! Eu pago!

Tchau duvidou e Caixa permaneceu bisbilhotando Elvis e Marvin em sua estranha máquina-leitora-de-mundos-e-de-coisas-e-de-criaturas-e-de-tudo-o-que-se-pode-imaginar-e-de-tudo-o-que-não-se-pode-imaginar-também.



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