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Artigos-->MARVIN E O CARACOL DO TEMPO(CAPÍTULO 1 AO 4) -- 04/03/2005 - 17:28 (Almir Correia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


MARVIN

E O CARACOL DO TEMPO



A

VEN

TURA







ALMIR CORREIA





MARVIN

E O CARACOL

DO TEMPO













A

VEN

TURA







BRASIL -- 2003

















Título: MARVIN E O CARACOL DO TEMPO





Primeira edição: Brasil - 2003



COPYRIGHT DO LIVRO © ALMIR CORREIA - 2003



DESENHO DA CAPA:

LAYOUT DA CAPA:









IMPRESSO NA GRÁFICA







DIREITOS DESTA EDIÇÃO

RESERVADOS AO AUTOR







CONTATOS:

livromarvin@bol.com.br













&
61473;















“ A vida se faz teia, cheia de alquimias em seus fios-caminhos.”

(Merlin Nostradamus)









AGRADECIMENTOS











































Aos meus familiares e amigos,

À professora Rosélis (minha leitora-crítica),

A vocês, leitores,

Que já leram “Marvin, o aprendiz de alquimista”

E estavam aguardando pela continuação,

E a todos os outros novos leitores

Que espero estar conquistando...















SUMÁRIO





1-MARVIN, O DÉSPOTA

2- O DUPLO

3- A MISTERIOSA CRIATURA

DA CAIXA PRETA

4- COMPOTAS E CONSERVAS

5- A CONFRARIA DOS DRAGÕES ANÕES

6- O LIVRO DE CARNE

7- O REMORSO DO DRAGÃO ELVIS

8- O MERLIN NOSTRADAMUS

9- A ESPADA EXCALIBUR

10 - O CARACOL DO TEMPO

11- A DIMENSÃO DAS TREVAS SÓLIDAS

12- A TÃO ESPERADA VIAGEM

13- O FIM DE ALGUNS MISTÉRIOS

E O COMEÇO DE OUTROS





Onde ficam os Mundos Mágicos e os Mundos do Além?

Ora bolas! Alguns estão aqui mesmo e em todo e qualquer lugar. CUIDADO ao abrir uma porta inocente! Ela pode ser momentaneamente a passagem para um deles. O problema maior não consiste em encontrá-los, mas sim em retornar desses mundos. Por que afinal existem tantas pessoas desaparecidas por aí? A grande maioria ou ainda está lá ou então já não existe mais... E não existir mais pode ser muito-muito-muito terrível mesmo.

UNIVERSOS PARALELOS. Até os homens das ciências conjeturam sobre tal hipótese. Mas antes deles, se é que algum dia conseguirão decifrar tal enigma, Marvin, um menino de 12 anos, teve toda a sua vida transformada por esses mundos e suas criaturas estranhas, mágicas, meigas, horripilantes, nojentas e monstruosas.

A partir de um “Castelo Invisível, a magia passou intensamente a fazer parte de seu corpo e de sua alma. E o seu mundo nunca mais foi o mesmo...

Cidade Flutuante, Saskatchuó, Avalon são apenas alguns desses infinitos universos...

Depois de viver as mais incríveis e extraordinárias aventuras mágicas e enfrentar grandes e incalculáveis perigos, Marvin continua o seu caminho em direção à sabedoria, em direção à verdadeira alquimia... E com certeza, Lenora, uma menina de longos cabelos loiros, ainda fará parte de sua história...

AH! Uma informação adicional: Todos os universos paralelos são mágicos, e na maioria das vezes, eles não seguem muitas das leis físicas conhecidas...



CAPÍTULO 1

MARVIN, O DÉSPOTA

“Nem todo sonho sonhado é sempre

apenas um sonho sonhado.”

(Growbert, o dragão-anão guru)



LUA CHEIA. A NOITE É LUZ PELOS CAMINHOS...

Sempre durante a LUA CHEIA, a magia acontece com mais intensidade. “Fenômenos” restritos aos Mundos Mágicos invadem o Mundo Humano sem que a imensa maioria das pessoas consiga perceber. A correria do dia-a-dia tirou-lhes a sensibilidade necessária... Felizmente ainda restam alguns pequeninos, cheios de sonhos e esperanças infinitas... Felizmente ainda restam alguns pequeninos, cheios de “vaga-lumes” na alma...

“A novidade que tem no Brejo da Cruz é a criançada se alimentar de luz” -- disse certa vez um poeta-cantor. Ou seria um cantor-poeta? Não importa. Assim como em seu brejo, em muitos outros, os meninos e as meninas já aprenderam a façanha de comer e beber luz.



No barraco azul de quinze metros quadrados, o pequeno Camilo caiu da cama outra vez. Milo sempre cai da cama, pelo menos uma vez por semana. Desta vez com a ajuda do irmão, um ano mais velho que ele. Ano que vem Milo já vai à escola. Primeira Série. E ele já sabe desenhar todas as letras do alfabeto.

Mas voltando à queda de Milo... Milo caiu da cama. Sim, isso já foi dito, mas é necessário frisar, reforçar, redundancear, pois é aqui que mora o estranhamento...

UM ESTRANHAMENTO QUE VEIO COM A LUA CHEIA...

Milo caiu da cama e de imediato não acordou com a queda. Milo caiu da cama e não se machucou feito a última vez. Milo caiu da cama e não bateu com a cabeça no chão de terra dura. Milo caiu da cama e a mágica aconteceu... Milo caiu da cama e atravessou o chão feito o personagem cigano do filme “Snatch, Porcos e Diamantes”. Milo caiu da cama e mergulhou em um chão-rio de águas amarelas e turvas...

MILO NÃO SABE NADAR. Milo está se afogando e se debatendo nas águas assassinas. Milo tem apenas seis anos. Milo está engolindo muito líquido. Milo está respirando “água suja”...

Felizmente rios mágicos não afogam pessoas e outras criaturas durante a LUA CHEIA. Respira-se água como se respira ar...

OXIGÊNIO LÍQUIDO.

(Um ratinho branco de laboratório, colocado dentro do oxigênio líquido, debate-se e debate-se, desesperadamente, por algum tempo, até perceber que pode respirá-lo como se fosse o ar de todo dia.)



...E assim o pequeno Milo foi sendo levado pela correnteza feroz. Cada vez mais para o fundo, para o fundo, para o fundo terrível...

O fundo até parecia não querer ter fim. Mas como quase tudo tem, o fim do fundo também chegou. E Milo pôde então colocar sua cabeça toda pretinha para fora daquela “água” monstruosa e assustadora, agora já calma e límpida.

O FIM DO FUNDO É O INÍCIO DE UM OUTRO MUNDO.

E o outro mundo começava para Milo na forma líquida de uma enorme lagoa, onde qualquer um podia nadar sem se afogar. Ele era prova real disso. E por isso mesmo, seu pavor diluiu-se em medo e o medo ficou apertado-escondido em seu coraçãozinho pulsante.

MILO TEM SOPRO NO CORAÇÃO.

“Nada grave!” -- disse o médico do Postinho de Saúde.

“Isso é que é uma lagoa super enorme!” – pensou Milo.

Milo nadou, nadou, nadou... mas não conseguiu sair do mesmo lugar. E assim o seu medo voltou a ser pavor de ficar ali para sempre até morrer.

MENINOS DIFICILMENTE MORREM EM LAGOAS MÁGICAS.

Há sempre uma saída, uma ajuda que vem quando menos se espera por ela ou, até mesmo, quando mais se espera por ela também.

APARENTANDO TERROR INDESCRITÍVEL, a “salvação” de Milo veio na forma de uma gigantesca cobra luminosa, trinnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnta metros de comprimento, deslizando ligeira pela água, em sua direção.

Milo se desesperou, mas não deu tempo para se desesperar mais... a Grande Cobra de Luz já estava junto dele e num bote engoliu todo o seu corpinho.

Milo manteve-se conscientremendo dentro da bocarra do imenso réptil. Rezou para um santo seu e de sua mãe... e ficou ali bem quieto, o mais que pôde. Com muito medo também daqueles enormes dentes pontiagudos...

UMA CUSPIDA DA COBRA LANÇOU MILO EM TERRA FIRME.

Milo não se machucou. A grande quantidade de gosma que veio junto com ele amorteceu a queda.

O problema agora era se livrar daquela coisa viscosa e colante.

Milo pensou em se limpar com a própria camiseta, mas ela estava toda melecada também. Uma alternativa foi se esfregar na grama e depois usar uma grande pedra para se libertar daquele nojo...

Milo sentiu-se então forçado a retornar até a lagoa (a Grande Cobra de Luz já havia sumido) e lá, bem na beirada, tomou um bom banho demorado de mais ou menos dois minutos (isso segundo a idéia de Milo em se tratando de banho demorado).

No céu acima de uma colina, rojões e fogos de artifícios passaram a indicar o caminho que Milo devia seguir (já que ele não tinha a mínima idéia de onde estava e nem, é claro, a mínima idéia para onde ia).

DE ACORDO COM ALGUNS MAGOS, BRUXOS E ATÉ PSICÓLOGOS, FOGOS DE ARTIFÍCIO NÃO SÓ ACALMAM COMO “ENFEITIÇAM” OS OLHARES E O CORAÇÃO DAS CRIANÇAS.

Subindo a colina, Milo ia pisando um suave tapete de mini-girassóis que instantaneamente nasciam-cresciam sob seus pés descalços.

Infelizmente o que havia além do topo da colina não era nada agradável, principalmente para os olhos de um menino de seis anos.

Mas Milo não era um menino qualquer de seis anos. A vida no Morro Paraíso deu-lhe alguns anos a mais. Cinco no mínimo. Milo de seis tinha pelo menos onze.

Não faz nem um ano que a polícia entrou no barraco e matou seu pai com vinte tiros. O sangue sujou até as panelas no fogão...

-- Mas esse cara é inocente? -- comentou um dos policiais envolvidos na operação.

-- Enganos acontecem! Vamos ter que sujar a barra desse pobre desgraçado pra limpar a nossa! – analisou um segundo, enquanto um terceiro já colocava o pacote de cocaína junto ao corpo ensangüentado...

TODO FAVELADO JÁ NASCE CULPADO MESMO SENDO INOCENTE.

Milo já nasceu culpado também. A Injustiça Oficial o condenou à morte por fome, frio, fogo no barraco, balas perdidas... e por tantas outras drogas de coisas. Mas Milo insiste em viver, assim como seus outros dois irmãos.

A MÃE MARIA LAVA ROUPA PARA FORA.

Milo já viu até um homem pendurado-enforcado perto de sua “casa”.

A VIDA NA FAVELA TEM CHEIRO E GOSTO DE MORTE, MAS TEM VIDA TAMBÉM. MUITA VIDA. VIDA SOFRIDA E TEIMOSA. CHEIA DE PEQUENOS MILAGRES.

Mesmo já tendo experimentado tantas tragédias e coisas ruins, Milo e seus olhinhos de jabuticaba ficaram “boquiabertos” diante da visão aterradora que se seguiu.

Além da colina e abaixo dos rojões e fogos de artifício, uma imensa PLANTAÇÃO MACABRA (nunca imaginada, nem mesmo pelos maiores escritores de histórias de terror) perdia-se de vista... Eram quilômetros de extensão para todos os lados...

As árvores estavam todas secas, curvas e tenebrosas. Cada uma delas trazia como fruto pelo menos um cadáver enforcado...

Milo se aproximou e ficou parado diante da primeira árvore... Pensou na mãe, nos irmãos. E, por um instante, viu o rosto deles nos crânios dos esqueletos pendurados. DOEU... Mas foi só um instante. E Milo continuou andando...

A árvore seguinte apresentava dez grandes cachorros brancos enforcados. Cachorros-ursos. Ou melhor dizendo, cachorrursos.

“Por aqui deve ter gente muito ruim também!” -- pensou ele.

UMA MISTURA DE MEDO TEMPERADO COM ALGUMAS PITADAS PICANTES DE CURIOSIDADE O FIZERAM CONTINUAR ANDANDO...

A terceira árvore, até agora a maior de todas, trazia inexplicavelmente um dragão vermelho (tamanho médio de 20 metros) enforcado e cheio de correntes por todo o corpo. E isso era algo por demais estranho, já que dragões (por serem criaturas mágicas poderosíssimas) não se deixam pegar assim para serem enforcados igual a pessoas, animais e outras criaturas... Ainda mais um terrível dragão vermelho. O mais selvagem de todos, temido pela sua incrível rajada de fogo...

Entretanto, pensando melhor, sua grande fraqueza é ser confiante demais em si mesmo, menosprezando qualquer adversário. E aí o seu ego é capaz de fragilizá-lo enormemente...

Bem, mas isso não interessa aqui. Afinal, Milo nem sabia muito bem o que era um dragão. Tal palavra ainda não aparecia muito clara em seu minúsculo dicionário-pessoal-falante.

“Que bichão! Será que não é o capeta? Mas se for... Não, não pode ser. Ninguém consegue enforcar o tinhoso assim!” -- pensou ele.

A quarta árvore seca mostrava alguns super-homens pendurados. As roupas características não deixavam dúvidas na sombra. Muito menos os cabelos preto-gel.

“Um... dOis... trÊs... quaTro... cincO... Seis... sEte!

SETE SUPER-HOMENS!!!”

Os olhinhos de Milo não queriam acreditar. Justamente o seu super-herói preferido.

“E eu que pensava que o super-homem era um só... Nem podia mesmo. Para estar em tantos lugares ao mesmo tempo! Talvez tenha muito mais ainda! Será que enforcaram eles todos? ”

Milo continuou andando pelo grande cemitério de árvores e enforcados. Seus olhinhos-jabuticaba procuravam agora entre tantos e tantos e tantos cadáveres outros super-homens.

“No gibi e na televisão nunca enforcaram o super-homem!”

Milo passou por muitas e muitas outras árvores e por centenas e centenas de outros corpos pendurados... Até artistas e estrelas de cinema haviam sido enforcados. Um baixinho musculoso, quase anão, se parecia um pouco com o ator Van Damme, mas Milo não tinha certeza.

A maioria dos corpos já estava em estado de decomposição adiantado. Alguns pedaços haviam até caído no chão. Entretanto nenhum cheiro de podridão insuportável contaminava o ar e os narizes que passassem por ali.

A PIOR MORTE É AQUELA QUE NÃO DEIXA (MAU)CHEIRO.

Passada de boca em boca através de séculos de escuridão, uma lenda medieval conta que uma raiz especial nasce da terra bem onde escorrem os líquidos de um enforcado. Duas pessoas apaixonadas que comerem de tal raiz ficarão juntas e felizes para sempre. E para sempre aqui quer dizer para a ETERNIDADE, muito além da vida. Muito além da vida e de todas as mortes...

Mas retornando ao pequeno Milo, antes que ele continuasse sua “visita” pelo “cemitério”, uma inusitada bola de ovelha, ou melhor dizendo, uma bola de lã veio rolando em sua direção... E só parou de rolar quando já estava bem próxima dele, mais precisamente trinta centímetros.

NO MÍNIMO A BOLA DAVA “TRÊS MILOS” DE ALTURA.

Milo tocou curioso naquela lã macia. Nunca havia visto algo parecido. Uma bola tão grande e tão fofa!

“Isto sim é que é um bolão!” -- pensou ele.

E Milo já imaginou aquela bola fofa sendo chutada pelos jogadores em uma partida de futebol.

“Ia ser muito engraçado!”

E Milo riu imaginando os jogadores chutando a bola e a bola não saindo do lugar. E então saindo e rolando por cima de alguns outros jogadores e...

MILO RIU ENQUANTO TODOS OS ENFORCADOS MANTINHAM-SE “ABSURDAMENTE SÉRIOS”.

As mãozinhas de Milo continuaram acariciando a bola fofa de lã e os seus pés foram contornando o “brinquedo gigante”.

“Talvez até more alguém dentro!” -- pensou sua fértil imaginação de menino.

MILO ENCOSTOU A ORELHA NA BOLA MACIA.

A bola por dentro era uma barriga roncadora. Roncadora de fome ou roncadora porque comeu demais ou ainda roncadora porque simplesmente gostava de roncar.

Talvez roncar fosse a sua língua, a sua fala do dia-a-dia.

Milo pensou apenas em uma das possibilidades, já que para ele roncar significava simplesmente: FOME.

-- Jogue as tranças, Rapunzel! Jogue as tranças, Rapunzel! – gritou uma voz feminina lá dentro da bola de lã. Gritou e depois se calou definitivamente.

SERÁ QUE A BOLA RESOLVERA SE TRADUZIR OU...?

Milo não entendeu nada. Talvez seus ouvidos tivessem ouvido demais. Talvez seus ouvidos estivessem pregando uma peça nele.

LOUCOS OUVIDOS EM UM MUNDO ONDE OS OLHOS TAMBÉM PARECIAM TER ENLOUQUECIDO.

A bola de lã continuou sua tarefa de roncar...

“Pelo jeito, ela está mesmo é com dor de barriga!”

Mal Milo terminou a frase-pensamento e a bola de lã já foi se abrindo toda em carne viva, feito uma rosa gigante...

As roncações pararam e dois longos e fortes braços-mangueiras-de-bombeiro (acompanhados de duas respectivas mãozonas) saltaram ZUMMMMP daquele vermelho sangrento, agarrando o pequeno Milo e puxando-o rápido para dentro.

Em seguida, a rosa de carne foi se fechando, se fechando, até desaparecer por completo, ou melhor, até ser toda “chupada” pela bola de lã que passou novamente a rolar e rolar e rolar por entre as árvores secas cheias de enforcados...

E rolou quilômetros... até muito além do Cemitério Maldito.

Milo ficou feito feto no útero da mãe. Tudo bem que aquele monte de carne quente apertando seu corpinho subnutrido não tinha o mesmo conforto. Ainda mais rolando daquele jeito...

Milo respirava agora através de um tipo de cano-de-tripa que havia se grudado feito máscara em seu nariz.

UMA MÁSCARA DE CARNE PARA SE RESPIRAR O AR MORNO DA VIDA.

Milo estava na mais completa escuridão molhada... cheio de vários medos imaginários... Em parte, sentia-se comido feito um pedaço de carne, dentro da barriga do MONSTRO-BOLA-DE-LÃ... Mas o fato de estar respirando dava-lhe quase a certeza de que não seria simplesmente digerido por aquele bichão macio...

O QUE SERÁ QUE A BOLA DE LÃ IRIA FAZER COM MILO?

A possível resposta foi interrompida por uma flechada... e duas... e três... e quatro... e cinco...

Milo ouviu gritos horríveis de dor. Era a bola de lã...

-- Calma! Calma! Calma! Quem estiver aí dentro!... Não se preocupe! Eu já vou salvá-lo.

E uma espada foi cortando-abrindo a grande bola fofa.

-- Um menininho pretinho?! Venha aqui, meu menino! Eu prometo que nunca mais vão fazer isso outra vez com você... Maldito Marvin e toda a sua imensa corja!

Milo abriu os olhos... Estava sendo seguro no ar pelas mãos de um grandalhão truculento.

Aos poucos foi lendo seu rosto barbudo, seu bigodão, seu narigão, seus cabelos loiros penteados para traz, sua camiseta-armadura-dourada, sua mochila de arcos e flechas, sua calça de couro peludo, sua espada já novamente na cintura, suas botas de aço escovado... e suas duas tranças que se arrastavam loooonnnngamente pelo chão...

CADA UMA DEVIA TER NOVE METROS DE COMPRIMENTO...

Muitas vezes o grandalhão já fugira das terríveis cadeias para bruxos usando tal “dispositivo técnico”.

-- Pobre menino assustado! Não tenha medo! Eu não vou te fazer mal nenhum! Estou aqui para te ajudar... Pode me chamar de Rapunzel. Bruxo Rapunzel, ao seu dispor!

Milo ficou com medo da palavra bruxo e começou a se espernear... E toda vez que Milo ficava com medo, as palavras simplesmente deixavam de sair de sua boca...

-- Calma! Calma, garoto! Eu já te coloco no chão!

Milo sentiu-se melhor em terra firme...

E O MEDO FOI EMBORA LEVADO POR UMA BRISA SUAVE.

-- Você está precisando de um bom banho, garoto!

Rapunzel então estalou os dedos das duas mãos e uma cachoeira de água morna começou a cair sobre Milo.

-- Acho que só água não vai resolver o seu problema.

Mais um estalo de dedos e cinco pequenas fadas de vinte centímetros cada apareceram com grandes esponjas, sabão e pétalas de flores cheirosas...

-- Vamos lá, garotas! Esse menino está precisando é de um bom banho! E pelo jeito não é de hoje!

E que banho! Com certeza o mais divertido de todos. O mais mágico de todos... E o pequeno Milo peladinho nem ficou com vergonha das “garotas”.

As fadas ainda fizeram o papel de secador-de-cabelo. Aqui no caso, secador-de-menino-inteiro... Milo gostou muito de ser assoprado daquele jeito. Até riu.

-- Agora você está precisando de roupas novas! – observou o bruxo Rapunzel, que de bruxo cara não tinha nada. Parecia muito mais o João Grandão, amigo inseparável do histórico e lendário Hobin Hood (tirando as longuíssimas tranças, é claro).

Mais um estalo de dedos e Milo se viu magicamente vestido com roupas de um dourado supremo...

“Tudo isso pra mim?!” – pensou ele admirado, passando as mãozinhas no tecido macio e brilhante.

-- Há de causar inveja aos reis! Com certeza! – comentou alegremente o bruxo Rapunzel.

Os olhinhos de jabuticaba agradeceram com um brilho de estrelas, procurando ainda pelas fadas que, nesse espaço de tempo, já haviam sumido aos olhares humanos...

Ou melhor dizendo, as pequenas fadas haviam simplesmente retornado ao seu quase microscópico tamanho corriqueiro.

FADAS-PULGAS NAS TRANÇAS DE RAPUNZEL....

Dando prosseguimento aos fatos, Rapunzel ASSOBIOU para que o seu cavalo alado invisível “aparecesse”...

E ele apareceu. Apareceu invisível. Explicando melhor, apareceu sem aparecer. Ou seja, surgiu ali, sem poder ser visto pelos olhos comuns. Mas o seu relinchar e os seus cascos pisando e repisando o chão não deixavam dúvidas.

-- Puxa, Silver, desta vez você demorou cinco segundos para se fazer presente. Você está ficando muito lento. Eu diria que lerdo é a palavra mais adequada... Que isso não se repita. Você já pensou se fosse algo urgentíssimo. Um segundo pode valer ouro. Em um segundo muitas coisas acontecem para o bem e para o mal. Em cinco então nem se fala...

Possivelmente Silver deve ter baixado a cabeça diante do PITO de Rapunzel. POSSIVELMENTE, já que Silver nunca se deixou ver por ninguém, nem mesmo por sua mãe ao nascer. Não se sabe como Rapunzel conseguiu domesticá-lo. Não se sabe como Rapunzel conseguiu fazer isso, sem nunca enxergar Silver.

HÁ COISAS QUE NÃO PRECISAMOS VER PARA SABER QUE EXISTEM. AFINAL, SENTIR É MUITO MAIS DO QUE VER...

-- Venha, Milo! Você agora vai conhecer o mundo lá das alturas!

Rapunzel pegou o menino e, num salto, montou em Silver que, imediatamente, saiu voando...

Para maior e total segurança, as duas tranças (que também eram mágicas) se enrolaram no “garoto”.

É estranho ver duas pessoas galopando em um cavalo invisível. Talvez a palavra mais apropriada para descrever tal cena seja: engraçado, muito engraçado... Rapunzel e o pequeno Milo cavalgando no “nada”... indo até quase junto às nuvens.

Rapunzel levou o garoto rumo norte...

ATÉ UMA “PLANTAÇÃO” DE CASTELOS.

-- Garoto, Estamos na Marvinlândia... Eta nome ridículo e sem criatividade alguma! Mas não se podia esperar outra coisa mesmo. Os reis, em noventa e nove por cento dos casos, são ridículos. Assim como o poder que emana deles.

AOS POUCOS OS IMPONENTES CASTELOS FORAM SE FAZENDO NÍTIDOS E CADA VEZ MAIORES AOS OLHINHOS DE JABUTICABA.

E havia castelo de vários tipos e materiais:

Castelo de Pedra

Castelo de Aço

Castelo de bambu

Castelo de Vidro

E OLHA A DISNEYWORLD ATRÁS DE UM DELES!

Castelo de Bronze

Castelo de Prata

Castelo de Ouro

Castelo de Conchas

Castelo de Rubis

Castelo de Diamantes

Castelo de gesso

Castelo de areia

Castelo de enigmas.

E pasmem! Até um castelo de água. Sim, isso mesmo. Um grandioso castelo de água. Com paredes de água, torres de água...

A água descendo e subindo e ao mesmo tempo toda concentrada como se fosse de concreto-vidro-mexente. Água que não molha. Água impenetrável. COISAS DA MAGIA.

CASTELOS PARA TODOS OS GOSTOS, principalmente para os gostos mais extravagantes. Muitos com formas inusitadas:

Castelo-chapéu

Castelo-guarda-chuva

Castelo-tênis

Castelo-relógio

Castelo-moto

Castelo-avião

Castelo-garrafas

Castelo-telefone

Castelo-revólver

Castelo-pé

Castelo-mão

Castelo-crânio

Castelo-caixão-de-defunto

Castelo-cemitério.

ULTIMAMENTE, o rei Marvin tem estado muito mórbido e mais cruel do que nunca. Agora além de praticar suas MALDADES costumeiras:

“Cortem as cabeças!”

“Enforquem duzentos!”

“Jogue ele no poço de piche!”

“Matem todos os...!”

... O rei Marvin fica inventando castelos. Um mais tenebroso que o outro. Coitados dos seus oitocentos magos-de-plantão. Não param um segundo sequer...

TUDO PARA SATISFAZER AS VONTADES DO REI.

E pensar que até pouco tempo, Marvin era um menino muito gente boa.

É incrível como o poder muda as pessoas e as criaturas em geral! E infelizmente não para melhor...

Rapunzel não poderia ficar com Milo por muito tempo. Escondê-lo naquele mundo ali não seria nada fácil. Afinal o TODO PODEROSO REI MENINO DOS CABELOS VERDES tinha muitíssimos espiões, além de pedras delatoras, árvores fofoqueiras e até nuvens “língua solta”...

ASSIM O REI MARVIN TORNARA-SE QUASE ONIPOTENTE EM SEU REINO.

Enquanto Milo olhava admirado para tudo lá embaixo, Rapunzel Preocupado tentava encontrar uma saída...

“Onde foi parar aquele maldito portal-túnel-redemoinho que ficava mais ou menos por aqui?” -- pensou ele.

Nem mesmo um mago (Merlin poderoso) conseguiria sair do Reino de Marvin sem utilizar um dos seus três portais.

“Maldito Marvin e toda a sua imensa corja! O que será que esse rei ordinário e metido à besta quer com um garotinho?” -- continuou pensando Rapunzel.

À NOITE JÁ COMEÇAVA A CAIR NA MARVINLÂNDIA (e quando caía, caía sempre de acordo com a vontade-disposição do Rei. Por isso mesmo era difícil de prever. Às vezes começava às 18 horas, outras vezes às 20.

Depois do almoço, isso quando Marvin almoçava, a noite sempre era obrigada a cair para que ELE pudesse dormir na paz da mais completa escuridão.

NENHUM BARULHO ENQUANTO O REI ESTIVER DORMINDO!!!

Rapunzel Preocupadíssimo não sabia mais o que fazer para tirar o “garoto” daquele lugar perigoso para garotos de seis anos.

Á NOITE, BOLINHAS FLUTUANTES DE LUZ ESPIONAVAM OS LUGARES.

Nenhum súdito conseguia viver tranqüilo. Os atos estavam sempre sendo vigiados. Ninguém podia ser verdadeiro, se a verdade contrariasse os desejos do Rei...

FINGIR ERA A ÚNICA FORMA DE SOBREVIVÊNCIA.

Quem ousasse entrar em desacordo com as milhares e milhares de normas e leis acabava no Cemitério dos Enforcados ou...

Os “finos” ouvidos de Rapunzel já sabiam que em muito breve o REI estaria em seu encalço... Bem, não ELE em pessoa e maldade, mas parte de seu medonho exército maquiavélico, composto por porcos-azuis-voadores-de-uma-tonelada-cada-um, alguns super-homens zumbinados e muitos cavaleiros alados com pesadas armaduras de aço.

CENTENAS DE ASAS DE AÇO NO CÉU...

DUAS DISTANTES VOZES FOFOQUEIRAS NO CHÃO :

--Vamos até o Rei!

--Mas fui eu que vi antes!

--Não importa! Nós dividimos a recompensa!

--Mas fui eu que vi antes!

--Tudo bem! Você fica então com cinquenta-e-um-por-cento e eu com quarenta-e-nove...

--Mas fui eu que vi antes!

--Tá bom, seu fominha!

--Você fica com cinquenta-e-cinco-por-cento e eu com o resto! É pegar ou largar!

--Então eu largo!

--Larga é? E eu largo a minha super mão poderosa na tua cara chata!

--Mas fui eu que vi antes!

PLAFT!!!

--E agora??? Quem viu antes mesmo???

--&
61516;Nós vimos juntos!!! – observou a segunda voz, meio distorcida pelo tabefe.

--Então, como eu estava dizendo... Eu fico com oitenta-por-cento-da recompensa e você fica com vinte. Tá bom?

--&
61516;Mas, mas... você não estava dizendo bem isso!...

PLAFT!!!



PELO JEITO A GANÂNCIA É TAMBÉM UM DOS TEMPEROS PICANTES DE MUITOS MUNDOS MÁGICOS ...



As duas vozes distantes se multiplicaram por dois, por três, por quatro... .

QUARENTA E OITO VOZES CORRERAM ATÉ OS OUVIDOS DO REI. No Salão Oval de um dos castelos, lonnnnnga espera... Mais de duas horas E até que enfim Marvin ainda sonolento apareceu, entrando montado em um imponente trono voador: UMA CADEIRA DE OURO RUFLANDO DUAS SUNTUOSAS ASAS TAMBÉM DE OURO.

-- Ajoelhem-se súditos! Será que vocês nunca aprendem!

Esbravejou a voz metálica de um cavaleiro-armadura-dourada (para combinar com o trono do Rei).

-- Agora lambam o chão! -- gritou ele.

E todas as criaturas assim fizeram... Melhor isso do que virar sapo, grilo, besouro, ou ser decapitado, ou nadar no óleo fervente, ou morrer comido por terríveis “chuques-chuques” gigantes (também conhecidos por morceganhas).

Ah! E como Marvin gostava daquilo tudo! Gostava de confirmar sempre que tinha o poder absoluto sobre tudo e sobre todos. Talvez a psicologia explique isso. Afinal o rei era ainda um menino de doze anos, orelhas de abano, cabelos verdes e uma inseparável mochila alada nas costas. Nada na aparência lembrava a maldade que habitava seu coração...

-- Agora já chega! Podem levantar, seus decrépitos imundos! – sentenciou a voz, já aguardando a fala do Rei.

--Mas o que vocês têm a me dizer, afinal? -- perguntou o Todo Poderoso Marvin em alto e bom som.

E todas as criaturas começaram a falar ao mesmo tempo. Todas queriam ser a primeira a contar o fato. Todas queriam a recompensa... Cada uma delas carregava a certeza de que havia visto o bruxo Rapunzel voando-acompanhado de um menino pretinho. Cada uma delas dizendo que havia visto os dois em um lugar diferente...

-- Calem a boca, seus imbecis-idiotas-incompetentes! Calem a boca, antes que eu, antes que eu...

Sempre que o rei Marvin ameaçava com a expressão “antes que eu, antes que eu”, duendes, vampiros, super-homens, magos, estrelas e astros do cinema-e-televisão, bobos da corte, assim como outras criaturas começavam a tremer alucinadamente de medo. Alguns chegavam ao exagero de trincar os dentes ou as dentaduras. Deslocamentos de queixos eram mais do que comuns.. Unhas quebradas, cabelos ouriçados, chifres entortados... E outras coisas estranhas que acontecem quando se tem muito-muito medo.

QUARENTA E OITO VOZES SILENCIARAM-SE.

-- AH! Eu ainda pego esse Rapunzel e aí não vai sobrar nem mesmo um pedacinho dele pra contar histórias...

RAPUNZEL INVENTAVA BOMBAS MÁGICAS, GRANADAS MÍSTICAS, MÍSSEIS EXOTÉRICOS... Com tais artefatos já destruiu muitos castelos e outras construções aparentemente “indestrutíveis” do raivoso Rei Marvin, O TODO PODEROSO (segundo cartazes e “outdoors” espalhados por todos os cantos e não-cantos do reino).

No Reino de Marvin, Rapunzel é mais conhecido como “BRUXO TERRORISTA”.

“Eu sou o bem e ele é o mal! Ele é a doença e eu sou a cura!” – Marvin não se cansa de ficar repetindo frases deste tipo. Muito original ele, não???

QUEM REPETE MUITO UMA MENTIRA ACABA AINDA ACREDITANDO NELA.



Ah! Ninguém recebeu a recompensa, já que nenhuma das informações levou a captura do INIMIGO-NÚMERO-UM DO REI E DO REINO.

E Marvin para manter sua fama de mau (conquistada com muito empenho) ainda mandou esquartejar dez informantes.

-- Joguem os pedaços por todo o reino!!!

E GARGALHOU O REI.





CAPÍTULO 2

O DUPLO

“O meu descanso é a batalha.”

(Dom Quixote De La Mancha)



-- Segure-se bem, Garoto!

Esse era só o jeito-mania de falar de Rapunzel, já que Milo estava muito bem seguro-amarrado pelas suas longas tranças.

-- Aí vem uma cambada de moscas gigantes de lata com suas bazucas defeituosas!

MOSCAS GIGANTES DE LATA. Assim Rapunzel chamava os cavaleiros alados do Rei. Todos eles tinham o mesmo rosto gélido, as mesmas sobrancelhas-ninho-de-passarinho, o mesmo narigão de gavião, a mesma careca roliça cheia de manchas pretas em forma de mapas.

MAPAS DO REINO DE MARVIN.

As mesmas asas pesadas e barulhentas. O mesmo esforço para voar. A mesma armadura com o rosto do Rei em alto relevo. As mesmas botas de couro de vaca malhada. Os mesmos olhos de rubi diabólico.

-- Sfrontum trasmitrorim agrobum drunistrevis brangtum!!!

Depois da fala, Rapunzel estalou cinco vezes os dedos da mão esquerda e uma bolha azul-transparente de proteção surgiu ao redor dele, de Milo e do invisível Silver.

-- Agora eu quero ver só, essas moscas de lata... -- gritou Rapunzel, sentindo-se já todo vitorioso.

As bazucas “defeituosas” começaram a atirar bolas coloridas de fogo. Algumas explodiam nos próprios cavaleiros que já se desintegravam... Mas a grande maioria delas conseguia lançar seu projéteis em direção ao alvo.

VINTE POR CENTO ATINGINDO O ESCUDO AZUL.

-- AHAHÁ!!!! Não estou sentindo nem cócegas, suas moscas idiotas!!!

REALMENTE O ESCUDO-AZUL-TRANSPARENTE ERA EFICAZ- INTRANSPONÍVEL.

-- Agora tomem um pouquinho do próprio veneno, seus incompetentes!!!

Dito e então feito, Rapunzel estalou novamente os dedos e as bolas de fogo que atingiam o escudo começaram a retornar aos seus donos.

E assim os cavaleiros, ou melhor, as moscas de lata foram sendo desintegradas... Vinte por cento delas, é claro.

RESTAVAM AINDA OS OUTROS OITENTA POR CENTO INSISTENTES.

Fazendo melhor as contas, restavam, na verdade, setenta por cento já que o esquecimento atroz omitira os dez por cento dos cavaleiros desintegrados pelas bazucas “defeituosas”.

Setenta por cento de cavaleiros-moscas continuavam sendo um número impressionante. Há pouco tempo, eles eram ao todo mais ou menos duzentos. O que dava agora, com os descontos, uns cento e quarenta.

Cento e quarenta cavaleiros-moscas ao redor, abaixo e acima de Rapunzel...

Resumindo: a situação estava, como se diz por aí, PERICLITANTE.

APARENTEMENTE SEM SAÍDA.

Mas quem disse que Rapunzel se intimidava com 140 “moscas”. Pelo seu olhar vivo e guerreiro, ele ainda “tinha muitas cartas escondidas na manga”. Talvez até um “coringa”. Quem sabe “alguns coelhos mágicos.”

-- Promptum, redomistro, alredorum, zumpt!!!

E a bolha-azul-transparente começou a girar e girar e girar...

“Nada como um bom jogo de boliche aéreo!” – pensou Rapunzel.

E a bolha-azul transparente voou feito um raio (“UAUU!! – gritou Milo) sobre sete cavaleiros-moscas estacionados no ar a uns trinta metros de Rapunzel.

Strike!!!

A bolha-azul derrubou três deles que derrubaram os outros quatro...

Sete cavaleiros-moscas caindo no chão de pedras assassinas.

Acima, abaixo, à direita, à esquerda.... Novas investidas da bolha foram derrubando os outros cavaleiros-moscas..

Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!! Strike!!!

...Até restarem apenas DEZ.

DEZ “MOSCAS” FUJONAS NO HORIZONTE.

CENTO E TRINTA “MOSCAS” MORTAS NO CHÃO.

“Ah! Agora eu gostaria de ser um mosquito, só pra ver a cara do todo poderoso rei Marvin!” – pensou o sorridente Rapunzel, que ficou ainda mais sorridente (alegre- retumbante talvez seja a expressão mais apropriada) assim que avistou um dos três portais-túneis-redemoinhos do Reino de Marvin.

-- IIIUUUUPI! IIIUUUUUPI! VAMOS LÁ SILVER! AGORA NADA NOS DETÉM! IIUUUUPI! IIUUUUPI!

Assim que entraram no túnel-portal, a bolha-azul-transparente se desfez e após um instantâneo clarão barulhento, os três já sobrevoavam o bairro onde Milo morava.

Ainda era noite-madrugada na dimensão da Favela Paraíso. Milo cansado já dormia (amarrado-protegido pelas tranças).

Com três estalos de dedos, Rapunzel “colocou” o “garoto” na cama. Mais três estalos e um saquinho com moedas de ouro mágico apareceram embaixo do travesseiro de Milo.

E pensar que Rapunzel em momento algum perguntou pelo nome do ‘garoto”. Estranho, alguns podem achar. Para Rapunzel, nada mais normal. Afinal o que são nomes??? O seu próprio ele detestava. Já havia até se esquecido dele...

O apelido Rapunzel só surgiu na fase adulta e este sim havia se tornado sua “marca registrada”.

OS NOMES FORAM FEITOS PARA SEREM ESQUECIDOS.

E QUE IMPORTAM OS NOMES, SE UM OLHAR SINCERO É O QUE BASTA?!

O caminho de volta ao “detestável” Reino de Marvin não foi nada fácil de encontrar, já que o portal-túnel-redemoinho havia desaparecido.

Portais são assim mesmo. Temperamentais e aventureiros. Gostam de ficar se escondendo e até fugindo... Ora estão aqui. Ora ali. Ora acolá... Nunca permanecem quietos por muito tempo em um mesmo lugar... Muitas vezes mudam de forma e tamanho... E fazem isso para confundir as pessoas e as outras criaturas que precisam urgentemente de um deles.

No Reino de Marvin, os portais estavam proibidos de fugirem ou se disfarçarem de outras coisas. Assim decretou o Rei... Mas nenhum portal obedeceu... Afinal portais não foram feitos para serem domados feito um cavalo invisível ou coisa parecida...



Se pudesse, Rapunzel ficaria morando ali mesmo na Favela Paraíso. Pelo menos um bom tempo. Certamente era um lugar muito mais agradável e verdadeiro. Mas Rapunzel tinha uma missão. A maior missão de sua segunda vida: acabar com o facínora Rei Marvin.

“Onde afinal foi parar esse portal fujão?” – perguntou o bruxo a si mesmo.

Rapunzel vasculhou a Favela e nada...

ALGUNS TIROS FURARAM SEU PENSAMENTO... Ainda bem que foi só o pensamento...

-- Pare aí, seu moleque desgraçado, ou eu atiro!!!

A voz seca de um policial, mal pago e mal amado, não conseguiu fazer o moleque obedecer.

MAIS TRÊS TIROS... Ainda bem que o também favelado policial era mau de mira...

Alguma coisa dizia a Rapunzel que o portal estava por ali mesmo. Mas ali onde? Eram tantos barracos espremidos uns contra os outros, uns sobre os outros.. Onde um portal iria se esconder naquela bagunça toda?

Certamente Rapunzel não havia vasculhado aquele local o suficiente. Observara tudo por cima, montado no cavalo Silver... Afinal não queria ser visto e levantar alvoroços... Entretanto um olhar vasculhador mais cuidadoso se fazia necessário...

O DIA JÁ ESTAVA ACORDANDO DE UMA NOITE MAL DORMIDA.

Restava a Rapunzel uma única alternativa. Ficar invisível...

Existem muitas maneiras de se ficar invisível. Usar uma capa mágica é a mais conhecida por todos, afinal são tantas as histórias que mencionam tal possibilidade... Mas além dessa, quem achar mais conveniente pode se ensaboar com o sabonete da invisibilidade ou tomar uma pílula especial inventada pelo médico dragão verde Elvis Presley ou ainda...

Rapunzel só tinha uma alternativa. E ele se viu forçado a usá-la, deixando de lado todo o nojo que tal procedimento lhe dava...

“Já que é para a salvação de um mundo monstruosamente perdido pela arrogância e prepotência e maldade propriamente dita, eu digo a mim mesmo que faço!” – pensou ele e fez... “URGT!!!”, passando a mão direita na boca invisível de Silver e catando de lá um pouco de sua baba mal cheirosa ...

QUEM COME BABA DE CAVALO INVISÍVEL TAMBÉM FICA INVISÍVEL POR UM TEMPO...

“Sorte que esta coisa nojenta não tem gosto de nada. URGT!!! Ou melhor pensando, tem gosto é de nojo URGT!!! Muito nojo!”

Rapunzel teve então que se desfazer de sua camiseta-armadura-dourada, de sua mochila de arcos e flechas, de sua calça de couro peludo, de sua espada na cintura, de suas botas de aço escovado...

Deu uma “tremenda dor no coração” jogar tudo aquilo fora... Sorte de quem achar as coisas do bruxo. Cada uma delas tem um pouco de mágica. Mas não é qualquer um que está preparado para usá-las...

COMPLETAMENTE INVISÍVEL, RAPUNZEL PÔDE VASCULHAR MAIS TRANQÜILO TODO AQUELE LOCAL.

Entrar nos barracos, só se ele descavalgasse do Silver... Mas Rapunzel estava com uma moleza tão grande naquele manhã que até parecia ter sido contaminado pelo espírito do índio Macunaíma (que quando vivo sempre dizia a todo e qualquer momento “Ai que preguiça! Ai que preguiça!”). Ou talvez tivesse sido mordido pelo minúsculo dragão beija-flor Tsé-Tsé-Tsu.

De repente, meio escondido entre tantos e tantos barracos amontoados, um galpão com telhas metralhadas de furos lhe chamou atenção.

-- Isso sim, eu quero ver de perto! Vamos lá Silver, desça, vamos!

E Silver aterrissou... E Rapunzel finalmente desceu de Silver...

-- Fique aqui quietinho! Por favor, não relinche e nem fique coçando seus carrapatos invisíveis!

Silver a princípio obedeceu... Depois se cansou...

Rapunzel entrou no galpão e ficou impressionado com o que viu... Havia ali dentro pelo menos uns quarenta vasos sanitários. Cada qual com sua cordinha de descarga vinda do teto... Nenhuma parede ou biombo os separava...

Dez pessoas faziam suas “sólidas necessidades fisiológicas”. Quatro delas lendo velhos jornais de domingo...

Cinco outras escovavam os dentes em cinco das 30 pias disponíveis. Outras sete tomavam o banho matinal em sete dos 20 chuveiros...

“Já vi portal se esconder dentro de armário, em espelho, em caixão de defunto, em túmulos abandonados, em televisores... Até em geladeira... Mas será que???”

RAPUNZEL VASCULHOU OS VÁRIOS VASOS SANITÁRIOS VAGOS...

“É incrível como tem criaturas porca por esses mundões! Esse aqui não teve a displicência de puxar a descarga!... E o que esteve aqui também não!!!”

Somente no último vaso, o bruxo encontrou o fujão portal-túnel-redemoinho, rodopiando agora minúsculo na água do sanitário.

Igual no filme “Trainspotting – Sem Limites”, Rapunzel mergulhou também na privada apertada...

E já em uma outra dimensão líquida, trancou a respiração e nadou um pouco em águas semi turvas iluminadas pelos raios de um pseudo-sol amarelo que se apagaria um pouco mais tarde...

Assim que colocou a cabeça fora d’água, Rapunzel já estava visível e nu no esgoto fedorento do Reino de Marvin, onde cabeças de lobisomens e de outras criaturas flutuavam próximas de seu corpo.

NÃO HÁ MÁGICA CAPAZ DE SE LIVRAR DOS ESGOTOS...

“Xiii!!! Esqueci do Silver!!! E agora???”

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Mais de quinhentos moradores deixaram a favela desde que Silver ficou morando por lá.

-- Este lugar está cheio de fantasmas! -- comentou um dos moradores.

-- Não fico aqui nem mais um dia! -- completou outro.

-- Eu não acredito em fantasmas, mas que eles existem, existem! – observou um velho cego de bengala e óculos vermelhos de acrílico trincado.

AS RECENTES PERIPÉCIAS DO CAVALO INVISÍVEL SILVER NA FAVELA PARAÍSO DARIAM COM CERTEZA UM LIVRO DAQUELES E, TALVEZ, ATÉ UM BOM FILME CHEIO DE EFEITOS ESPECIAIS...

Voltando a Rapunzel, ele agora precisava de roupas, de armas mágicas, de um disfarce... Nada que alguns estalos de dedos não resolvessem.

Mas ele também precisava de um PLANO. UM NOVO PLANO. Já que os vários anteriores não conseguiram destronar o Rei Marvin (apenas o incomodaram um pouco).

Alguns estalos de dedos e Rapunzel já estava todo vestido e armado. Pulando-andando sobre as cabeças de lobisomens e de outras criaturas que flutuavam naquela água podre sob um céu de concreto.

O esgoto do reino de Marvin passava embaixo de alguns de seus muitos castelos. Um esgoto-rio cheio dos detritos de seus caprichos, cheio da poluição de sua alma maldita.

Mas voltando novamente a Rapunzel, este agora precisava de um plano...

Enquanto pensava e pensava... uma enigmática máquina-de-cortar-cabelos, animada por telepatia a distância, ia cortando-raspando sem dó todo o cabelo verde do Rei Marvin (que dormia seu sono profundo)...

ASSIM QUE O REI FICOU CARECA, O SEU REINO DESAPARECEU...

Todos os castelos. Um por um. A Disneyworld. Todos os milhões de súditos. Os guardas-reais. Os porcos-azuis. Os magos. As montanhas. As planícies. O deserto. O Cemitério de Enforcados...

Marvin estava agora sozinho, deitado sobre a grama-coceira em um lugar qualquer...

SEM MOCHILA COM ASAS

SEM FÓSFOROS MÁGICOS

SEM ROUPA ALGUMA...

E ainda meio tonto não ganhara idéia do que lhe acontecera.

Rapunzel não tinha nada a ver com isso. Ah, mas bem que ele gostaria...

Mesmo nu e completamente só em um deserto, Marvin pensava ser ainda o REI. Aquela situação ali certamente era passageira... Alguma bruxaria feita por engano e que havia caído sobre ele. Em muito breve, a sua guarda-real iria aparecer para protegê-lo e continuar realizando os seus mimos. Em muito breve, os magos do REI iriam descobrir quem fez aquilo tudo e o culpado ou culpados pagariam com a própria vida.

De repente, um som forte e abafado chamou atenção de seus ouvidos...

DIRETO DE UMA DAS DIMENSÕES MACABRAS, um exército de cem mil esqueletos (montados em cem mil cavalos-esqueletos) vinha violentamente veloz, cavalgando na direção do rei que não era mais rei coisa alguma.

MARVIN JÁ OUVIA OS GALOPES DE OSSOS, mas ainda não sabia do que se tratava... Só sabia que boa coisa não era...

Queria correr, mas se sentia muito fraco para isso...

Em pouco tempo, mais precisamente trinta segundos, Marvin começou a visualizar a ossuda morte ambulante...

SE FICAR OS OSSUDOS PEGAM, SE CORRER OS OSSUDOS...

Com a aproximação do EXÉRCITO DO MAL, o medo de Marvin ficou amarelo de pavor para, já em seguida, avermelhar-se de terror...

O TERROR TEM A COR DE VERMELHO-SANGUE MESMO QUANDO NENHUMA GOTA DE SANGUE ESCORRE DE SUA VÍTIMA.

E então Marvin gritou... Gritou o mais alto que pôde. Gritou clamando por um fósforo mágico que funcionasse de verdade, livrando-o assim da morte certa.

A princípio ninguém ouviu...

NENHUM DOS SEUS FÓSFOROS MÁGICOS APARECEU...

MAS QUANDO TUDO JÁ PARECIA IRREMEDIAVELMENTE PERDIDO (ALGUNS CAVALOS-ESQUELETOS JÁ ESTAVAM A MENOS DE CEM METROS DE MARVIN), EIS QUE A MOCHILA COM ASAS APONTOU NO CÉU AZUL, VOANDO DESESPERADAMENTE LIGEIRA EM SUA DIREÇÃO...

No que chegou até Marvin, a mochila toda nervosa-atrapalhada tentou se colocar em seu corpo. Das outras vezes tinha sido tão fácil. Mas agora, ela não conseguia... E isso só fazia o desespero aumentar... Marvin tentou ajudar... e nada...

Os esqueletos em seus cavalos esqueletos aceleraram ainda mais o galope e Marvin foi ENGOLIDO PELO INFERNO OSSUDO. Atropelado por um e por outro e outro e outro e outro e outro...

O gramado virou terra comida...

De Marvin e da mochila com asas não restou nada para contar história...

E A IMENSA LEGIÃO DE ESQUELETOS CONTINUOU O GALOPE OSSUDO RUMO NORTE... DESAPARECENDO ALGUNS QUILÔMETROS À FRENTE.



DIFERENTE dos milhões de súditos, Rapunzel não sumiu junto com o Reino de Marvin. Afinal ele não pertencia mesmo àquele mundo. Estava apenas de passagem, cumprindo sua missão encomendada por uma MISTERIOSA CRIATURA DENTRO DE UMA CAIXA PRETA AMBULANTE:

“Pagamento metade no trato e metade nos finalmentes!” – disse a voz abafada de dentro da caixa que tinha mais ou menos dois metros de altura por sessenta centímetros de largura e setenta de profundidade.



Quando o Reino de Marvin desintegrou-se no nada, automaticamente Rapunzel retornou ao seu antigo LAR, sem ficar sabendo ao certo o que acontecera...

“BEM agora que eu estava quase conseguindo derrotar o cretino do Marvin! (pensou Rapunzel, tentando enganar a si mesmo) Mas eu não vou desistir! E nem posso. Ainda pego esse reizinho metido a besta! Sinto isso em minhas veias.



METEOROLOGIA:

“Em toda a região de Chaventus teremos chuva de sapos... Em Reviravoltei ventos fortes trarão tempestade de escorpiões e depois uma ligeira neblina de teia de aranha.”



Rapunzel morava em Chaventus e detestava as chuvas de sapos (já que geralmente ele era obrigado a engolir alguns).



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Poucos ficaram sabendo e depois já foram eliminados por saberem... mas A GRANDE TRAGÉDIA DO MENINO REI MARVIN começou no dia em que, cansado de tantas atribulações reais, ele resolveu encomendar um pedido especial a um de seus magos mais atuantes:

-- Alian Thor! – disse Marvin Olheiras – Eu quero que você faça um outro de mim. Um sujeito idêntico a mim para dividir comigo este reino e assim eu poder descansar pelo menos cinqüenta por cento do meu tempo.

-- Seu desejo é uma ordem que não se discute, meu Rei! Em sete dias Vossa Majestade terá um duplo seu para ajudá-lo nas atribuições reais mais desgastantes.

-- Mas demora tanto assim?

-- Coisa bem feita leva tempo. Ainda mais para se fazer um Rei tão perfeito como Vossa Majestade!

PUXA-SACO-BABA-OVO TEM MESMO EM QUALQUER LUGAR.

E então o encorpado-baixinho-bigodudo Alian Thor pegou sua BOLHACICLETA 5.000 CILINDRADAS e partiu num “zapt”, em direção à Dimensão do Pântano Vermelho...

De lá ele trouxe quarenta e oito quilos de barro-moreno-para-se-moldar-menino-rei.

Nesse até então curto período de reinado, Marvin havia engordado três quilos, apesar de raramente fazer uma refeição substanciosa.

PREOCUPAÇÕES (REAIS)TAMBÉM ENGORDAM...

Em um dia de trabalho, o mago Alian Thor moldou um Marvin idêntico ao original.

E com mais alguns ingredientes do próprio rei:

- Mecha do cabelo verde;

- Trinta gotas de sangue;

- Cueca suja de uma semana;

- Meleca de nariz;

- Cera de ouvido;

- Lascas de unhas;

- Uma boa escarrada real...

ALIAN THOR DEU PROSSEGUIMENTO A SUA CRIAÇÃO MAIS ESPECIAL.

Deixando de reserva a cueca de sete dias e as gotas de sangue, o mago colocou todos os outros ingredientes em um abertura bem na testa do futuro duplo do Rei. Tampou então tudo meticulosamente com barro...

O sangue, ele pingou gota-a-gota no local onde deveria ficar o coração do Marvin de barro... E a cueca, por enquanto, parecia não ter destino certo...

-- Sim, agora vamos para a próxima etapa! Por favor, Vossa Majestade, coloque sua real mão direta bem onde eu pinguei o sangue. É aí que o coração do seu duplo irá logo, logo pulsar...

E O REI MARVIN ASSIM FEZ...

Imediatamente, uma grossa luz verde começou a escorrer de sua mão real, como se fosse líquido espesso, deslizando por toda a superfície do corpo de barro.

O Rei Marvin levou um susto assim que o seu duplo começou a se mexer.

-- Por favor, Vossa Majestade, mantenha sua mão real aí!

A luz verde foi sendo absorvida pelo corpo de barro que deixou de ser de barro para se tornar carne, ossos, sangue, artérias, músculos, cartilagens, ácidos, aminoácidos...

-- Isso é tudo??? – perguntou o rei eufórico e ao mesmo tempo abismado com a experiência mágica.

-- Bem, agora vem a parte mais importante, Vossa Majestade! Para que o seu duplo realmente seja seu duplo, ele precisa receber toda a sua memória. E isso vai levar alguns dias...

-- Mas e eu? Como fico eu sem a minha?

-- Não, Vossa Majestade, a sua memória vai permanecer intacta. Apenas uma cópia dela irá para o cérebro de seu duplo. A coisa funciona mais ou menos como um arquivo de computador. Você transfere as informações para outro, mas o original continua mantendo todas as informações também.

-- Claro, Claro! Burrice a minha! Ou melhor, receio...

-- Por favor, Vossa Majestade, beba esta poção à base de tingue-lingue com mandrágora.

-- Primeiro eu quero saber pra que isso?

-- Vossa Majestade dormirá alguns dias. Apenas os dias necessários. E nesse tempo o seu duplo irá receber todo o imenso arquivo de sua memória. Desde o seu nascimento até agora...

O Rei Marvin fez uma cara de que não queria ficar assim tanto tempo “distante” de seu Reino. Alian Thor percebeu...

-- Não se preocupe, Vossa majestade! A Marvinlândia será muito bem cuidada durante os próximos dias.

“É disso que eu tenho medo!!” – pensou o Rei.

-- Infelizmente até o momento não existe outra maneira de se fazer um duplo. Pelo menos, eu não conheço... Talvez daqui algum tempo, um mago alienista descubra “eureka!” um outro jeito mais simples e acabe passando sua receita... Mas por enquanto...

-- Tudo bem! Já que não tem outro jeito! Vamos lá!

O Rei Marvin bebeu então toda a poção da taça de ouro real e em poucos segundos já estava sonolento.

EM UM MINUTO RONCAVA PROFUNDAMENTE EM SEU TRONO...

E assim ele deveria ficar pelas cento e quarenta e quatro horas seguintes... Com um caminho de luz saindo pelos seus ouvidos reais em direção aos ouvidos ainda não reais de seu duplo.

A MEMÓRIA DE MARVIN ERA AZUL.

Alian Thor supervisionava atentamente o loooooooooooonnngo processo... Mas como ninguém é de ferro, nem mesmo um mago, às vezes, ele cochilava... dormia... e até roncava de babar...

Justamente em uma dessas “distrações involuntárias”, Marvin teve o seu destino tragicamente alterado por um insignificante “diablo loco”.

Segundo o Grande Dicionário de Pequenos Insetos Mágicos, escrito por Merlin Nostradamus, “diablo loco é um minúsculo besouro azul-metálico que tem por costume viajar pelos Mundos grudado nas roupas, pêlos e cabelos das criaturas... Diablo loco recebeu tal nome devido aos dois chifrinhos próximos dos olhos e, também, pelo fato de voar de forma nada sincronizada para os padrões daqueles que voam. Em alguns lugares ele é também conhecido como besouro pinguço.”

O problema é que o tal do pequeno besouro, aparentemente inofensivo, havia sido enfeitiçado pela bruxa Cibalena para ser usado em uma TERRÍVEL POÇÃO DE ÓDIO INFINITO. Mas o bichinho conseguiu fugir antes de se tornar um dos ingredientes...

É INCRÍVEL COMO ESSA BRUXA SÓ SERVE MESMO É PARA DAR DOR DE CABEÇA NOS OUTROS.

Depois de passear por diversos Mundos, em diversos cabelos e roupas, “O diabo loco” foi justamente terminar sua viagem na Marvinlândia e justamente no castelo do Rei...

Atraído pelo feixe-caminho de luz azul, esse “diabinho” acabou indo parar dentro do ouvido do duplo de Marvin. E DE LÁ PARA O CÉREBRO...

TREMENDO AZAR DE MARVIN. TREMENDO AZAR DE MARVIN.

No filme “A Mosca” aconteceu algo ligeiramente parecido... Um cientista inventou um teletransportador e, quando entrou dentro da máquina, não viu que uma mosca fizera o mesmo. Depois de realizada a experiência “com sucesso”, o seu corpo começou a adquirir características do inseto.

No caso do duplo de Marvin, este não ficou parecido com o “diablo loco”. A sua aparência manteve toda a semelhança do menino de cabelo verde e de orelhas de abano.

ENTRETANTO...

Assim que as cento e quarenta e quatro horas se gastaram feito o pavio de uma muito longa vela de penitências e promessas, o duplo de Marvin foi o primeiro a acordar.

Arrancou as roupas do rei sonolento e já sentou em seu trono.

-- Guardas! Guardas! Guardas! – gritou ele.

E, em seguida, alguns guardas-reais apareceram marchando com suas barulhentas armaduras.

-- Prendam esse farsante no calabouço mais frio, sujo, fedorento e escuro que existir! Antes, porém, cortem sua língua! AH! E já aproveitem e enforquem esse mago incompetente! Vejam só, ele teve a audácia de dormir diante de mim, o Rei. Isto é algo intolerável, vocês não acham?

Todos os guardas fizeram um SIM com a cabeça, apesar de não estarem entendendo nada. Afinal o Rei Marvin sempre fora tão bom... E agora, de um momento para outro, se apresentava assim, feito o diabólico Imperador Calígula...



O VERDADEIRO MARVIN E ALIAN THOR FORAM ENCAMINHADOS INCONSCIENTES AOS SEUS CRUÉIS DESTINOS... E os guardas-reais que participaram da “missão”, eliminados por outros guarda-reais...

“Agora sim! Ninguém mais sabe o meu segredo... Só eu alimentarei esse idiota, todos os dias. Só eu tenho a chave da masmorra. Só eu...”

Se pudesse, o novo dono e senhor absoluto da Marvinlândia eliminaria o verdadeiro Marvin de uma vez por todas. Mas pressentia ele que se fizesse isso, também poderia ser igualmente destruído...

“Melhor mantê-lo vivo, escondido a sete chaves!”



E ASSIM O TERROR PASSOU A SER A MARCA REGISTRADA DO REI IMPOSTOR...



AH! INFELIZMENTE ATÉ AGORA NÃO FICAMOS SABENDO QUAL SERIA AFINAL O PAPEL DA CUECA SUJA DE UMA SEMANA NESSA TRÁGICA EXPERIÊNCIA TODA.





















CAPÍTULO 3

A MISTERIOSA CRIATURA

DA CAIXA PRETA

“Muitas coisas que parecem concretas hoje

desfazem-se em pó com o passar do tempo.”

(Do Livro “Conversando com os

humanos” – autora Fada Iô-Iô)



O MEDO É UM FRIO QUE TOMA CONTA DO CORPO TODO E FAZ TREMER A ALMA. UM SIMPLES RATO PASSA A SER UM MONSTRO NA ESCURIDÃO.

Na masmorra gélida, úmida, escura, suja e fedorenta, as horas se tornaram dias; os dias, meses e os meses, anos...

A única luz entrava pelas frestas da porta de ferro e madeira...

A comida podre era passada por uma pequena portinhola. E sempre vinha acompanhada da fala do agora DUPLO (inimigo) do Marvin original:

“Come, desgraçado! O meu reino vai ser longo e o seu inferno de mesmo tamanho!”

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“Hoje eu estou bonzinho! Trouxe até meia dúzia de olhos fritos de vaca!”

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“Não sei se você sabe, mas já faz dois meses que você está aí preso nesse lugar imundo.”

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“Meus parabéns, hoje é o seu aniversário de treze anos... Pena que você não pode sair daí para comemorar... Não tem importância. Eu comemoro por você. Afinal de certo modo, hoje é o meu aniversário também, apesar de eu ter apenas alguns meses de vida... Mas o que importa realmente é que eu tenho quase toda a sua memória. Tirando é claro esse tempo todo aí dentro. Mas essa parte eu não quero mesmo. Acho que ninguém gostaria também... Ah! Já mandei fazer um bolo digno de um rei feito eu. Dez metros de altura. Muito chantily, cerejas ao marasquino, pêssegos em calda, fios de ovos, suspiros...”

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“Tá vendo como eu não sou tão ruim assim. Aqui está um pedaço delicioso do bolo do meu aniversário. Pena que você não pôde participar da festa. Mas certamente ouviu os fogos de artifício, não?”

Durante seu longo martírio de prisioneiro culpado por ser inocente, os cabelos verdes do Marvin cresceram espantosos oitenta centímetros... E cresceram verdes como se verde fosse a cor original deles desde o seu nascimento.

CABELOS CRESCEM... LÍNGUAS NÃO.

Felizmente a magia é capaz de romper com muitas lógicas. E assim, mesmo enfraquecidos pelas MALDADES de seu Duplo, os cabelos verdes e mágicos de Marvin fizeram aos poucos sua língua ir surgindo-crescendo novamente.

CABELOS VERDES TÊM PODER. Um poder ainda tímido e escondido. Por enquanto, não o suficiente para tirá-lo da masmorra. Por enquanto, não o suficiente para conseguir avisar um de seus amigos.

“Etecétera! O dragão Elvis! Bem que um deles podia aparecer pra me tirar deste inferno! E Lenora? Pobre Lenora! Eu que queria tanto salvá-la acabei aqui tão prisioneiro quanto ela!”

A MALDADE TORNARA “O REINO DE MARVIN” PRATICAMENTE IMPENETRÁVEL AOS POSSÍVEIS RAROS VISITANTES... SÓ ELA MESMO É ASSIM, CAPAZ DE CRIAR UM ESCUDO TÃO DURO E CORTANTE QUANTO O DIAMANTE.

Nesse tempo todo de prisão, Marvin pensou até em se matar... Porém toda vez que a sua esperança queria mergulhar em um abismo fatal, vinha algo lá do fundo de sua alma lhe dando asas e dizendo: “Não! Calma! Agüente firme! Você ainda tem toda uma longa e maravilhosa vida pela frente! Muito em breve você vai sair daí! Acredite!”

E MARVIN IA MAIS OU MENOS ACREDITANDO... Vestido com os farrapos de um esqueleto (companheiro e amigo de masmorra)...

-- Desculpe-me, mas eu agora preciso mais dessas roupas do que você!

...Marvin ia gastando o quase “inesgastável” tempo, contando histórias e inventando outras...

O esqueleto parecia ouvir tudo com atenção. Pena que era apenas um esqueleto sem vida e sem nome.

No filme “O náufrago”, o personagem do ator Tom Hanks, totalmente solitário em uma ilha, conversava com uma bola branca carimbada de sangue. Era ela que amenizava sua solidão. Era ela o amigo necessário.

UM ROSTO DESENHADO NA “TINTA VERMELHA” .

Já Marvin tinha um esqueleto.

Um amigo esqueleto que acabou ganhando o nome de:

“Magricela! Não, melhor não, ele pode se sentir ofendido... Rizadinha! Não, também não! Vamos ver! Vamos ver! Hummm! Tá difícil! Quem sabe um nome mais comum: João, Pedro, José... Não, não! Esse esqueleto não tem cara de João, Pedro ou José... Ele tem cara de... Infelizmente de esqueleto mesmo e mais nada...”

Depois de distrair a solidão no “Mundo dos Nomes”, Marvin acabou finalmente escolhendo um: Eddie Murphy.

Eddie Murphy, com seu branco esquelético, trouxe ao menino do cabelo verde a tímida esperança de ver o sol novamente acima dos castelos alterosos e das montanhas embebecidas de verde.

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Assim que a máquina-de-cortar-e-raspar-cabelo terminou seu trabalho na cabeça do Duplo de Marvin, as paredes de pedra do calabouço começaram a derreter... O teto pingou feito azeito sujo grosso e até o esqueleto Eddie Murphy dissolveu-se feito marshmallow na fogueira.

“Pobre Eddie Murphy!” – pensou o impotente Marvin que já esperava derreter também... Mas ele não derreteu coisa alguma e sim o chão sob seus pés.

Marvin foi afundando como se estivesse pisando em areia movediça espumante.

Não havia como escapar. Ele até tentou, debateu-se, mas isso só fez apressar o “AFUNDAMENTO”.

Quando já não conseguia respirar (completamente submerso pelo chão movediço), tudo caiu em um escuridão longa e profunda...

E tudo continuou caindo, caindo, caindo...

AO POUCOS, UMA LUZ FOI TRAZENDO CORES E CHEIROS...

Os olhos de Marvin doeram. Não estavam mais acostumados ao brilho ensolarado de uma manhã de verão.

ONZE HORAS PELA POSIÇÃO DO SOL...

E Marvin caindo, caindo, caindo...

Já conseguia ver lá embaixo o mapa real da cidade.

Cada vez maior e poderoso.

Marvin se desesperou.

Agora já dava para identificar prédios. Cada vez mais próximos e concretos...

Marvin caiu entre quatro arranha-céus. Seu corpo intranqüilo “riscou” janelas, passou por andares e andares e andares e...

“BRUMPT!!!”

Marvin se arrebentou no asfalto. Era feriado. Na avenida quase deserta, bem sobre as faixas amarelas de segurança, Marvin estava morto...

De vez em quando, carros “modernéticos” passavam ao seu lado... Ninguém parava, afinal na cabeça das pessoas, tudo aquilo podia muito bem ser encenação: um assaltante-aranha com uma nova tática-teia para pegar motoristas-moscas.

Marvin ficou ali morto até o final da tarde.

Então, espantosamente, o seu braço direito se mexeu. Depois foi a vez da perna esquerda e a cabeça...

Marvin estava vivo outra vez. Possivelmente os seus longos e mágicos cabelos verdes tivessem alguma coisa a ver com isso.

Agora, sem o seu duplo, ele se sentia mais forte outra vez...

AVENIDA LEWIS CARROL, NÚMERO 13.

Marvin estava bem em frente de sua ex-casa. No lugar, um enorme prédio de cinqüenta andares. E no lugar das casas dos vizinhos outros e outros prédios...

Nada lembrava mais o seu antigo bairro. Dava a impressão que, no mínimo, uns vinte anos haviam se passado sem a permissão de Marvin.

COMO PODIA SER?????????????????????????

Marvin ficara confuso.

Além das muitas interrogações cutucando seu cérebro, uma lembrança doída (que as tantas aventuras tentaram sepultar) retornou para incomodá-lo: todos os vizinhos, em um raio de dois quilômetros, haviam desaparecido devido a fatídica poção mágica de sua avó bruxa. Isso quando o bairro ainda era feito de casas e de ruas de paralelepípedos.

Tanta coisa a fazer. E tudo agora parecia mais difícil e confuso.

Marvin sentia muita saudade do amigo papagaio Etecétera e do médico dragão Elvis Presley. E de Lenora. E de Tonhão E até de Vovó Pangaré.

“Coitada de minha avó! Como vou salvar ela agora? Não tenho mais a mochila com asas e minha avó-areia estava dentro dela. E Lenora? Será que ainda está presa naquela jaula pra gorilas?”

Marvin perambulou pelos pensamentos da rua-avenida...

Do número 13 foi até o 5589. Quase uma hora de caminhada.

ALÉM DE FAZER BEM A SAÚDE, CAMINHAR AJUDA A DESEMBARALHAR AS IDÉIAS.

No caso de Marvin, seu pensamento continuou embaralhado... Não conseguia entender o que tinha acontecido. Para ele, alguns meses nos Mundos Mágicos não poderiam ter se transformado em possíveis décadas no Mundo Humano.

Mas seu bairro estava mesmo muito diferente... Se não fosse uma e outra construção preservada, nem daria para reconhecê-lo... A escola permanecia lá ainda. Quase igual. Já a praça das peladas com os colegas não existia mais...

Algumas coçadas nos longos cabelos verdes não lhe trouxeram nenhuma explicação lógica para aquele NOVO ENIGMA. Apenas um dor de cabeça que seria interrompida por um cutucão nas costas. Era o duende amarelo Pirralho que aproveitou uma das paradas pensativas de Marvin para interceptá-lo.

-- Oi! Lembra que eu te fiz um favor daquela vez?!

-- Sim! Pirralho???

-- Não me chamo mais Pirralho, por favor! Agora o meu nome é Safadinho.

Marvin já sabia da mania do duende amarelo cintilante em ficar mudando de nome como quem muda de roupa. O problema era o seu gosto estragado que geralmente escolhia adjetivos para nomes próprios.

-- Então? Eu vim cobrar!

-- Cobrar???

-- Sim?! As moedinhas de ouro, lembra? Aquelas que eu te emprestei!!

-- Mas eu não tenho moedinhas pra te pagar.

-- Não! Você não entendeu! Eu não quero as moedinhas de ouro de volta.

-- E como é que eu vou te pagar então?

-- AH! Esses seus longos cabelos verdes são tão bonitos!!!

Marvin distraiu-se com a passagem de um carro COYOTE 2035 e acabou não percebendo a “indireta” de Pirralho, ou melhor, de Safadinho.

-- Então???

-- Então o quê?

-- Você me dá o teu cabelo verde e nós ficamos quites.

-- Só isso?!

-- Só!!

-- Mas afinal por que você quer o meu cabelo?

-- Se eu dissesse que vou fazer uma peruca pra mim, você acreditaria?

Pirralho, ou melhor Safadinho, retirou então o gorro cinza encardido e uma careca gorda, ensebada, cheia de calombos e fios ralos e raros se revelou pela primeira vez aos olhos de Marvin...

MONSTRUOSA.

-- Sim, acredito!!!

-- Então?

-- Tá bom!!! Esse meu cabelo já está ridículo demais mesmo. E se eu não cortei ele ainda é porque não encontrei nenhuma barbearia aberta.

-- Então, eu vou acabar te fazendo outro favor!!!

-- Acho que sim!

-- Humm!!! Mas um favor tem seu preço!

-- Não me diga que você vai me cobrar!

-- Humm!! Humm!!

PIRRALHO, OU MELHOR SAFADINHO, COÇOU O QUEIXO LIGEIRAMENTE PELUDO:

-- Bem, não sei se você sabe, mas não estou acostumado a fazer favores que não serão pagos... Entretanto neste nosso caso, posso abrir uma exceção, afinal o pagamento do favor que eu te fiz acabou virando um outro favor... e ao mesmo tempo, servirá também para eu pagar outros favores que devo a alguns gnomos insuportáveis...

Dito isto, Pirralho, ou melhor Safadinho, retirou uma enferrujada tesoura-de-podar-certas-coisas de seu sobretudo carcomido por traças... Ela devia ter uns cinqüenta centímetros, enquanto que o duende já estava com um metro e vinte de altura (da primeira vez que falou com Marvin, ele tinha mais ou menos noventa centímetros. Uma poção à base de certas ervas misteriosas do Vale dos Mistérios Mortais havia lhe dado os trinta centímetros sobressalentes). Marvin distraído nem notou a diferença que realmente não era tão grande assim.

PIRRALHO, OU MELHOR SAFADINHO, PRETENDE AINDA CHEGAR A PELO MENOS DOIS METROS DE ALTURA E ASSIM DEIXAR DE SER CHAMADO DE TAMPINHA POR ALGUNS DE SEUS AMIGOS GIGANTES.

Assim que veio ABRUPTAMENTE desajeitado para cima de Marvin com a tesoura em mãos, este instintivamente caiu assustado para trás.

-- Calma!! Eu não vou te machucar! Não tenha receios... Apenas me diga, como você quer que eu corte o seu cabelo?

-- Curto!!! -- disse Marvin ainda meio desconfiado.

-- Tipo militar?

-- Não! Curto simplesmente! Você consegue fazer isso com essa tesoura enferrujada????

-- BLINDLISPMIM OKTUBUS RARARATUM!!!

As palavras de Pirralho, ou melhor Safadinho, cuspiram milhões de perdigotos no AR...

NENHUMA MÁGICA ACONTECEU. E ele já foi se justificando:

-- Às vezes é assim mesmo. Certas falas mágicas demoram pra pegar. Algumas são como carro velho, outras como mulas voadoras... Vou tentar novamente:

-- BLINDLISPMIM OKTUBUS RARARATUM!!!

-- BLINDLISPMIM OKTUBUS RARARATUM!!!

-- BLINDLISPMIM OKTUBUS RARARATUM!!!

A fala cada vez mais possante de Pirralho, ou melhor de Safadinho, acabou não surtindo efeito aparente algum.

-- Calma! Calma! Agora vai dar certo! -- BLINDLISPMIM OKTUBUS RARARATUM “ATCHIN”!!!

O “ATCHIN” não fazia parte da fala mágica, mas veio junto inevitavelmente e acabou fazendo as palavras “pegarem no tranco”.

-- Veja, Marvin!! Está funcionando! Está funcionando!

Nem era preciso dizer, Marvin estava vendo...

Vendo a tesoura enferrujada flutuar bem na altura de seus olhos...

Vendo-a dançar-amolecer feito borracha quente até ficar duríssima outra vez...

E vendo-a agora brilhante como nova.

-- Xii! Esqueci um coisa!

-- O quê??

-- O pente! Só a tesoura sozinha não faz um bom corte de cabelo...

-- “Com certeza!” – pensou Marvin.

-- TROVIN ESPRERUNFTUM NAGDASPRI RETROV!!!

Desta vez não foi preciso “pegar no tranco” e sem entremeios um pente prateado apareceu também flutuando, ao lado de sua “partner”.

-- Já que você consegue fazer mágicas, não seria melhor diminuir um pouco o tamanho da tesoura?!

-- AH! Me desculpe... Cabeça essa a minha!!! É que estou acostumado a cortar cabelo de gigante e nem me dei conta de que você é bem menos cabeçudo... DIMINUTU RANTUM PRATICIS ANELIDIUS CRAVENTUS!!!

Bem ditas as palavras, pente e tesoura animaram-se como se estivessem sendo manipulados por hábeis mãos invisíveis...

Pirralho, ou melhor Safadinho, foi catando animado todo o cabelo verde que caía no chão. Boa parte dele nem conseguia chegar até a calçada daquela barbearia improvisada ali mesmo em frente à marquise de uma das duzentas e vinte lojas “Centauro de Jade”.

JADE: PEDRA SEMIPRECIOSA, GERALMENTE DA COR ESVERDEADA UTILIZADA EM ALGUMAS MALDIÇÕES POR VÁRIOS MUNDÕES AFORA.

A habilidade do “barbeiro invisível” não levou nem cinco minutos para fazer o corte. Bem do jeito que Marvin queria e pôde constatar no vidro-espelho da loja.

Pirralho, ou melhor Safadinho, havia ganho o dia e também muitos outros dias pela frente...

“A criatura da caixa preta vai ficar muito feliz comigo!” -- Pensou o duende, segurando-apalpando o saco de filó cheio de cabelo verde.

-- Bem, Marvin, É melhor você agora ir ver se eu estou na esquina!!!

-- O que? Como? Não entendi!!!

-- Vá!! Faça isso que eu te disse! Vá ver se eu estou na esquina!!!

-- Por que essa brincadeira sem graça, agora???

-- Não é brincadeira sem graça, não. É que no meu mundo é falta de educação as criaturas se despedirem depois de uma conversa amigável.

-- Então foi por isso que você desapareceu da última vez sem dizer nada?!

-- Sim! Nós temos esse costume... Cada mundo com os seus. Bons ou maus. Inteligentes ou idiotas.

-- Tudo bem então, apesar de você não estar agora em seu mundo.

-- É mesmo! Não tinha pensado nisso.

-- Aqui se você não se despedir de mim estará sim mostrando falta de educação.

-- É incrível como um mundo é tão diferente de outro. Costumes, roupas, idéias, tantas coisas... Mas como eu faço então pra me despedir de você? Esta vai ser a minha primeira vez. Espero que ninguém fique sabendo disso lá onde eu moro.

-- Nós geralmente usamos a palavra tchau ou até logo ou então adeus.

-- Tchau!!! Gostei! Lembra até uma palavra mágica que eu uso para... Esqueça. O importante agora é eu me despedir de você para não passar novamente a idéia de que sou um sujeito mal educado.

-- Ao invés da gente se despedir, bem que eu podia ir com você... Não quero ficar sozinho neste mundo estranho!

-- Mundo estranho??? Mas afinal esse não é o seu mundo?

-- É!!! Mas não do jeito que eu conhecia antes!

-- Bem que eu gostaria, mas aí eu estaria fazendo um outro favor a você e favores são muito caros... Além do mais, estou muito apressado!

-- Você não me parecia com pressa até agora!

-- As coisas mudam, os ventos mudam, a pressa chega... Acabo de me lembrar que esqueci algo no forno lá de casa. Se eu não for correndo, não quero nem imaginar o que pode acontecer com...

Marvin sentiu que aquilo tudo era desculpa rasgada e esfarrapada, porém achou melhor não insistir. Afinal, Pirralho, ou melhor Safadinho, nem era seu amigo mesmo. Apenas um conhecido que trazia uns olhos desconfiados-esbugalhados de cobiça e um sorriso malicioso-interesseiro.

-- Então aqui vai a primeira despedida de toda a minha existência...

Primeiro Pirralho, ou melhor Safadinho, pigarreou três vezes e em seguida lançou uma seqüência de:

-- TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU, TCHAU!!!

-- CHEGA!!! – gritou Marvin – Ninguém se despede tanto assim!!!

-- Me desculpe! Acho que me entusiasmei demais com essa deliciosa palavra! AH! Como gostei dela! TCHAU! Ah! Que melodia para os ouvidos!

-- Tudo bem, agora que já nos despedimos, você pode ir embora...

E assim o duende fez, já se afastando em direção a uma rua transversal.

Marvin esperou alguns segundos e... seguiu Pirralho, ou melhor, Safadinho.

O duende entrou em um prédio antigo, de paredes carcomidas e desenhadas pelo tempo-chuva-e-pó.... A fachada apresentava duas gárgulas de bronze, lambuzadas de excrementos de pombos e pardais.

Marvin apressou-se no encalço de Pirralho, ou melhor, de Safadinho... Assim que passou pela porta de vidro trincado, pôde ver ligeiramente o único elevador se fechando com o duende dentro...

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Aparentemente o elevador era “doido varrido” mesmo. Não tinha botões e se deslocava para todos os lados de acordo com as orientações de quem entrasse nele, após é lógico, se dizer a senha do dia.

Assim que parou no andar -39 (menos trinta e nove):

-- Por que demorou tanto? – era a voz abafada da Misteriosa Criatura da Caixa Preta, já cobrando algo de Pirralho, ou melhor, de Safadinho.

Ambos estavam em uma enorme caverna, iluminada apenas pelos olhos-lanternas de dois cachorros negros tamanho-são-bernardo, mas vira-latas segundo as classificações intermundiais de cachorros.

-- Conseguiu???

-- Claro!!! Eu sempre consigo! – respondeu o já nada humilde Pirralho, ou melhor, Safadinho.

-- Bom trabalho! Bom trabalho! Aqui está o que eu lhe prometi. Continue assim e nós vamos ainda fazer ótimos negócios!

A Misteriosa Criatura da Caixa Preta mantinha-se geralmente em pé, já que seria de extremada “complicação” para ela conseguir sentar-se... Assim sua vida resumia-se em ficar sempre em duas posições: de pé ou deitada... Também quem mandou querer ser uma Misteriosa Criatura da Caixa Preta.

CAVALOS DORMEM DE PÉ. MUITOS ANIMAIS DORMEM DE PÉ. ALGUNS ATÉ DE PONTA-CABEÇA. O mais difícil deve ser se acostumar. Mas na vida ou na morte, as criaturas acabam se acostumando com coisas jamais imaginadas.

Marvin ficou um bom tempo esperando o “bonde” que não vinha...

Esperou, esperou, esperou... até desistir depois de uma hora e trinta minutos exatos.

Nesse tempo todo, ninguém entrou ou saiu do prédio.

Pelas teias de aranha acumuladas nos cantos, pelo cheiro de mofo e sujeira velha, ninguém morava ali mesmo....



De volta ao número 13 da Rua, ou melhor, Avenida Lewis Carrol, o “Castelo Invisível” (que de invisível não tinha nada) outra vez apareceu imponente diante dos olhos aliviados de Marvin.

-- Lenora! Lenora! – gritou ele, já correndo pela ponte levadiça ao encontro da amiga.

Lá embaixo no fosso, os tubarés agitavam-se esperando alguma refeição vinda do céu.

ENQUANTO ISSO NA CAVERNA DA MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA PRETA:

-- Entendeu bem o plano?

-- Claro, Caixa! Eu sou muito bom em captar as coisas no ato! Você já devia entender isso!

-- Tá bom! Então já sabe, né? Tudo no mais completo sigilo.

-- Nem precisava dizer!

CAPÍTULO 4

COMPOTAS E CONSERVAS

“A magia pode ser a congruência

de todas as congruências

ou a completa falta delas.”

(O mago Obtuso)



Esta era a terceira vez que Marvin entrava no “Castelo Invisível”... Após passar pela grande porta, agora de ouro, o que o aguardava lá dentro era também, pela terceira vez, diferente e inusitado.

Um salão imenso aparentemente vazio foi a primeira visão de Marvin. Tudo bem que nisso não havia nada de diferente e inusitado. Mas aguarde. Em muitos Mundos Mágicos as coisas nunca permanecem as mesmas por muito tempo. Ainda mais em um Castelo que vivia se modificando como se tivesse personalidade própria.

CASTELOS VIVOS. Existem muitas histórias sinistras sobre eles. No livro “Construções Ameaçadoras e Suas Vítimas” (1300 páginas, Editora Não Leia), o escritor-fantasma Gaspar de La Fontain apresenta centenas de descrições e depoimentos de quem já passou por apuros e até coisas piores em Castelos e Casas Pulsantes.

AS VÍTIMAS FATAIS INFELIZMENTE NÃO TIVERAM COMO SE MANIFESTAR.

Por falar em histórias sinistras, o que aconteceu, em seguida, com Marvin certamente ainda será registrado no livro “Construções Ameaçadoras e Suas Vítimas – Parte Dois” .

Marvin não teria ficado naquele salão mais do que o tempo necessário para atravessá-lo e sair por uma de suas portas. O problema é que não havia nenhuma de suas portas (nem janelas). Ou melhor dizendo, a única porta era a grandalhona da entrada e esta certamente não interessava.

Os olhos podiam descansar tranqüilos naquele lugar tão grande e vazio de tudo. Não havia nada para se ver-distrair além do amplo piso xadrez, das paredes aparentemente brancas e do teto com vários lustres de velas.

Já os ouvidos de Marvin deixaram de descansar assim que o silêncio começou a ser riscado por algo que vinha do chão...

ABAIXO DO CHÃO...

Pareciam unhas de aço raspando o mármore... E então já não pareciam mais...

Agora era o barulho de marretas e mais marretas ecoando pelo salão.

O som duro e seco deixava o vazio mais vazio ainda.

HOMENS TRABALHANDO EMBAIXO DO CHÃO???

O piso então começou a trincar por todo o salão... Fendas se abriram... Fendas correram como longas pinceladas tortas de tinta preta.

O MEDO ESCREVE TORTO EM SUPERFÍCIES PLANAS.

Marvin correu até a porta de saída. Não queria sair. Mas se as coisas ficassem muito perigosas de acordo com os seus pressentimentos mais íntimos, certamente aquela saída seria a única saída...

O perigo arrebentou o chão... Arrebentou uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e uma, vinte e duas, vinte e três, vinte e quatro, vinte e cinco, vinte e seis, vinte e sete, vinte e oito, vinte e nove, trinta, trinta e uma, trinta e duas, trinta e três, trinta e quatro, trinta e cinco, trinta e seis, trinta e sete, trinta e oito, trinta e nove, quarenta, quarenta e uma, quarenta e duas, quarenta e três, quarenta e quatro, quarenta e cinco, quarenta e seis, quarenta e sete, quarenta e oito, quarenta e nove, cinqüenta, cinqüenta e uma, cinqüenta e duas, cinqüenta e três, cinqüenta e quatro, cinqüenta e cinco, cinqüenta e seis, cinqüenta e sete, cinqüenta e oito, cinqüenta e nove vezes... Uma após outra.

CINQÜENTA NOVE LÁPIDES E TÚMULOS SALTARAM DO CHÃO COMO SE ESTIVESSEM NASCENDO DO INFERNO.

Marvin petrificou-se. Queria se mexer e não podia. Queria gritar e não podia. Queria... e não podia... E assim ficou: querendo... e não podendo... Até que o último túmulo nascesse...

Agora já havia outras portas no salão-cemitério. Elas também tinham nascido...

Marvin já podia escolher-fugir-correr por uma delas. Queria... mas não podia...

As pernas trêmulas ainda não deixavam. O peito apertado ainda não deixava. O tênis “grudado” no chão ainda não deixava...

Passado o pior do terror, ficou aquele outro terror: silencioso e poeirento.

O MEDO-NEVE NA BARRIGA aos poucos foi derretendo...

Então já era possível dar os primeiros passos. Passos de quem começa a andar depois de ter ficado paraplégico por um bom tempo...

PASSOS PESADOS E LENTOS.

PASSOS DESCONFIADOS E CURIOSOS...

...À medida que Marvin passava pelos túmulos, seus olhos iam insistentemente lendo os epitáfios de bruxos, magos, fadas, duendes, vampiros, lobisomens e outras criaturas...



Mortícia Visceral

Primeira morte: 1539

Segunda morte: 1954

Descanse no tormento mais tormentoso

Até voltar do inferno para atormentar novamente.



Vampirela

Primeira morte: 1734

Segunda morte: 1860

Terceira morte: 1995

Bom descanso e breve retorno

Aos braços de seus entes queridos.



Charles, o canibal

Primeira morte: 1980

Daqui a cem anos, abriremos

Juntos um restaurante.





Fada Melindrosa

Primeira morte: 1243

Segunda morte: 1549

Terceira morte: 1780

Quarta morte: 2002

Boa estada nas Trevas Sólidas!



Condessa Vladimira Orskloft

Primeira morte: 1734

Segunda morte: 1858

Terceira morte: 1996

Partiste desta para pior

Seja bastante infeliz!

Afinal é assim que sua alma suja

Se sente bem aventurada.



Duende Krok Krull Krot

Primeira morte: 1230

Segunda morte: 1670

Terceira morte: 1940

Na próxima vida,

Venha menos ranzinza!



Joe, o peludo

Primeira morte: 1830

Segunda morte: 1999

Carinho daqueles que te amam

E que sempre te amarão!

Até muito breve!



O Túmulo de Joe era o mais estranho e familiar de todos.... UM ENORME OSSO, daqueles que aparecem nos desenhos animados e que os cães gostam de ficar roendo dias, meses e até anos a fio....

Ou Joe era um cachorro, ou então um lobisomem com manias “cachorrinas”.



Doing Poing Doing

Primeira morte: 1700

Segunda morte: 1885

Terceira morte: 1995

Eu te avisei que ficar pulando

Loucamente assim

Ainda ia dar nisso de novo.

Até daqui cem anos!



Fada Barbarela

Primeira morte: 359

Segunda morte: 876

Terceira morte: 1200

Quarta morte: 1450

Quinta morte: 1590

Sexta morte: 1700

Sétima morte: 1976

Mui cheirosos são os cheiros

Que vem só de ti.

Ó flor de meus campos elísios!



Franktrevas

Primeira morte: 1786

Segunda morte: 1923

Cara, você foi mau, muito mau mesmo!

E é isso que nos faz grandes amigos.

Continue assim na sua próxima existência.



DE EPITÁFIO EM EPITÁFIO EM EPITÁFIO, Marvin acabou parando no último deles... E aí um novo terror, gelado e fervente ao mesmo tempo, cortante e corrosivo, tomou conta de seu corpo todo.

I N T E N S A M E N T E

Marvin empalideceu e a tremedeira voltou mais forte do que nunca. Gotas de suor escorreram de sua testa, nuca, costas, axilas, mãos, barriga, bunda, pernas... (e ele ficou todo molhado, chegando a perder um litro de seu líquido pessoal, em oitenta e oito segundos)

Os olhos não piscavam mais. Pareciam presos-seguros por palitos de fósforos invisíveis.

Todo o horror de Marvin era agora feito de palavras e números. Palavras e números que se uniam em um combinação macabra. Palavras e números entalhados na lápide fria do mármore branco:



Marvin Nivram

Primeira morte: 20...

Seja bem vindo ao

Mundo das Trevas Sólidas!



O MAIOR TERROR É SEMPRE AQUELE POR VIR...



Nessa confusão toda de viagens pelos Mundos Mágicos, Marvin não tinha mais a mínima idéia de como o tempo estava se comportando... No Mundo Humano os anos haviam aparentemente disparado para o futuro... Entretanto seu corpo ainda era de um menino, agora com 13 anos.

TEMPO. TEMPO. TEMPO. AS PESSOAS SE PREOCUPAM TANTO COM ELE E NÃO ADIANTA NADA. NO FINAL É ELE QUE NOS DEVORA A TODOS, SEM MISERICÓRDIA ALGUMA...

A cena que veio em seguida não podia deixar Marvin mais paralisado, trêmulo e pálido do que ele já estava... E por isso ela acabou mesmo funcionando como um terrível despertar...

Um balde de água gelada que faz qualquer um pular da cama quentinha.

Marvin pulou... pulou para trás e...

PERNAS PRA QUEM TE QUERO...

...Saiu correndo o mais que pôde... Desviando lápides e lápides até chegar a uma das portas e passar por ela...

Em seu encalço o monstro de mármore.

O MONSTRO DE MÁRMORE NÃO TINHA CARA DE MONSTRO.

Marvin correu por um longo corredor de portas e armaduras (que se encaravam de par em par, parecendo cochichar segredos). De vez em quando, a cada dez segundos, ele olhava para trás... Felizmente nada, nada, nada, nada... Nada do monstro de mármore.

TALVEZ TIVESSE DESISTIDO DE SEGUIR UM MENINO TÃO RÁPIDO NO DESESPERO.

Marvin lembrava até o personagem “maratonista” Forrest Gump, no filme de mesmo nome.

A última porta do “corredor das armaduras-casais” estava meio aberta e foi por onde Marvin entrou...

“PRUMPTRUM!!!”

E ela se fechou-trancou assim... Talvez querendo ajudar o Marvin.

PORTAS DE “CASTELOS INVISÍVEIS” ÀS VEZES GOSTAM DE “SOCORRER” CERTAS CRIATURAS...

Na frente de Marvin e dos lados também, recipientes e mais recipientes de vidro. Uns sobre os outros até a altura de dez metros. Dentro deles, em líquido transparente, corpos e mais corpos humanos.

Chegando mais perto (os vidros circulavam toda a sala oval), Marvin passou a identificar alguns tétricos rostos familiares.

Estavam ali os seus vizinhos que haviam misteriosamente desaparecido “em um raio de dois quilômetros”.

A VIZINHANÇA TODA HERMETICAMENTE FECHADA EM VIDROS DE CONSERVA.

A VIZINHANÇA TODA HERMETICAMENTE FECHADA EM VIDROS DE COMPOTA.

Estavam ali:

O insuportável do Seu Aníbal com picles;

Dona Esmeralda com pêssegos em calda;

Dona Carlota rodeada de cebolas e pimentas vermelhas;

Seu Portugal “boiando” entre azeitonas verdes e cenouras;

A histérica da Clotilde Alencar entre figos e mais figos;

O Seu Soneca com ovos de codorna;

Milton, o pidão, entre rodelas de abacaxi;

Um cão sarnento de rua com cerejas;

E tantos outros meros coadjuvantes do dia-a-dia de Marvin, já prontos para serem servidos como tira-gosto ou sobremesa.

NO BOJO: QUINHENTOS E VINTE “VIZINHOS” EM CALDA OU NO VINAGRE.

Diante das circunstâncias, ficava claro que Vovó Pangaré não tinha nada a ver com o desaparecimento de toda a vizinhança. Uma bruxa iniciante feito ela não seria capaz-competente de colocar tanta gente em vidros de compota e conserva.

“Coitada da Vovó Pangaré!!” – exclamou Marvin em um pensamento meio doído e culpado.

Vovó Pangaré. Uma vozinha tão gente fina que “assim-assim-de-repente” virou bruxa má e escafedeu-sumiu...

Ainda não se sabe realmente por que cargas-d’água-trovões-e-trovoadas ela acabou virando “assistente” tartaruga gigante de mago doido, até finalizar seu trágico destino...

Agora restavam apenas lembranças empoeiradas.

PROMTRUPROCK!!!

NÃO HÁ LEMBRANÇA FORTE O SUFICIENTE PARA VENCER O MEDO-ARREPIO-GELADO DE UMA ESTRONDOSA BATIDA NA PORTA.

Com certeza era o monstro de mármore atrás de Marvin.

PROMTRUPROCK!!!

PROMTRUPROCK!!!

Pelo jeito, se quisesse, o monstro derrubava-arrebentava a porta em segundos. Não se sabe por que não o fez. Talvez alguma lei do “Castelo Invisível”:

É PROIBIDO DERRUBAR PORTAS.

É PROIBIDO ARREBENTAR PORTAS.

Marvin precisava encontrar uma saída.

Aparentemente não havia nenhuma (além da entrada).

PROMTRUPROCK!!!

Empurrar-puxar os recipientes de vidros, nem pensar. Seria um verdadeiro desastre de grandes...

PROMTRUPROCK!!!

...proporções.

O chão parecia maciço demais.

PROMTRUPROCK!!!

O teto inalcançável para quem já não tinha mais uma mochila com asas.

PROMTRUPROCK!!!

SAÍDA. Mesmo sem ela, em ocasiões críticas, Marvin já se livrara de “poucas e boas” e também de “muitas e ruins”.

PROMTRUPROCK!!!

QUANDO TUDO ESTÁ PERDIDO É SINAL DE QUE TUDO PODE ESTAR PERDIDO MESMO.

“Talvez o melhor seja esperar o monstro se cansar, desistir e ir embora.”

Após cento e oitenta e três PROMTRUPROCKs, um longo silêncio fez Marvin adormecer ali mesmo no chão gelado.

Algumas-não-se-sabe-quantas-horas-ao-certo-depois, ele acordou sendo “encarado” pelos tantos vizinhos em calda ou no vinagre...

Mão direita na fechadura de ouro. Um suave-leve toque para... creeeeecckkkk.

“Que saco!! Por que será que não usam óleo nessas portas falantes?”

MAL SABIA MARVIN QUE RANGER ERA PARTE DA PERSONALIDADE DE TODA BOA PORTA DO “CASTELO INVISÍVEL.”

Não ranger podia significar “demissão por justa causa”.

Outra vez pelo “corredor das armaduras-casais”, Marvin foi instintivamente apressando os passos...

APARENTEMENTE, O MONSTRO DE MÁRMORE HAVIA DESISTIDO MESMO.

A porta que Marvin então escolheu para abrir dava para um jardim interno com cascata e tudo mais que tem um magnífico e deslumbrante jardim interno...

Outra porta grudada em uma pedra-toneladas acabou levando-o até o:

QUARTO DE LENORA.

No lugar da jaula de gorilas, havia agora um caixão de vidro.

Lágrimas caíram dos olhos de Marvin.

O caixão estava vazio, mas o seu coração já doía aflito.

MAL PRESSENTIMENTO.

Marvin chamou por Lenora e aí o corpo dela materializou-se dentro do ataúde...

Toda de branco, a menina loira nem parecia morta. Dormia simplesmente.

Lenora dormia a eternidade.

Lenora dormia a eternidade de cem anos...

MARVIN DERRAMOU NOVE LÁGRIMAS SOBRE O CAIXÃO TRANSPARENTE.

Queria abri-lo, mas não conseguiu. Queria abraçar Lenora, mas não podia. Queria... mas não...

E então, magicamente, pétalas vermelhas foram cobrindo a menina loira...

-- LENORA!!!

A voz conhecida do pai carrasco gritando acima dos decibéis permitidos deixou Marvin confuso e perturbado. Afinal não teria sido ele mesmo o responsável pela morte da própria filha???

PROMTRUPROCK!!!

PROMTRUPROCK!!!

PROMTRUPROCK!!!

PROMTRUPROCK!!!

E novamente o monstro de mármore... Só que desta vez disposto a derrubar a porta, esquecendo qualquer possível LEI PARA NÃO SE DERRUBAR PORTAS.

PROMTRUPROCK!!!

E finalmente a dita veio abaixo.

Marvin permaneceu junto ao caixão, enquanto o pesado monstro de mármore vinha leve-flutuando em sua direção.

Marvin tentou ao máximo vencer o medo. Lutou internamente contra ele. Deu alguns socos de direita e de esquerda, levou outros tantos... E aí no décimo round foi nocauteado.

Qualquer um seria... E muito, muito antes...

POUCOS SÃO CAPAZES DE FICAR ENCARANDO O SEU PRÓPRIO MONSTRO DE MÁRMORE.

A maioria já morre do coração no início do primeiro round.

Marvin resistiu bravamente até que não pôde mais...

A tática do monstro de mármore foi muito simples. Ele apenas abriu a tampa de seu “corpo mármore” e...

MARVIN pulou para trás... caiu... levantou... tropeçou... levantou rapidamente, CORREU!!!!!!!!!!

Qualquer um faria o mesmo diante de seu próprio túmulo aberto, principalmente ao se enxergar-ver-olhar-abismar pálido-roxo-e-verde, olhos mortos, lábios murchos, algodão no nariz, faixa na cabeça, terno de enterro impecável, mãos... naquela posição de defunto pedinte... ou implorando mesmo pela salvação da alma...(outras possíveis interpretações não foram aqui conjeturadas por falta de tempo e/ou inspiração...)



ENQUANTO ISSO NA CAVERNA DA MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA PRETA:

-- Quatro corações! Isso foi o máximo que consegui!

-- Nós havíamos combinado seis, Seu Safadinho!

-- Por favor, meu nome agora é TCHAU!

-- Desculpe, eu havia me esquecido.

-- Quatro corações! É pegar ou largar!

-- Tá bom! Tá bom!

Pirralho, ou melhor Safadinho, ou melhor Tchau, sabia muito bem como tirar o coração das pessoas. No lugar vazio, ele deixava um outro coração: verde, duro e amargo.

Muitas vezes a preguiça o impedia de trabalhar além de suas necessidades básicas e, por isso, ele inventava dificuldades extremas para conseguir a “mercadoria” que cobrava muitas vezes até os olhos da cara.



-- HUMM!!! De vez em quanto uma boa sopa com os olhos da cara vai muito bem!

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