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Artigos-->Não para qualquer um (sobre Edward Bunker) -- 20/02/2005 - 00:15 (Rodrigo Contrera) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Não para qualquer um (sobre Edward Bunker)



Rodrigo Contrera *



Poucos de nós podemos nos dar ao luxo de criticar (ou mesmo resenhar), em seus próprios termos, os vários livros escritos por Edward Bunker (nascido em 1933, em Hollywood) desde a década de 70, dois dos quais (Cão Come Cão e Nem Os Mais Ferozes) já estão entre nós, pelas mãos da Editora Barracuda (www.ebarracuda.com.br).

Por que isso? Uma coisa é avaliar um livro de ficção pelas suas características intrínsecas (enredo, personagens, linguagem etc.); outra é avaliar ficções derivadas de vidas pregressas inexpugnáveis, como do próprio autor, criminoso condenado a passar 30 de seus 40 primeiros anos em presídios de segurança máxima. Como avaliar um personagem criado por Bunker se não temos a menor idéia de como são esses caras na vida real? Como rotularmos de "exagerado" ou implausível certo personagem que existiu de fato ou de incoerente certa trama retirada de fatos reais vivenciados, como criminoso, pelo próprio Bunker? Torna-se difícil criticar obras cuja verossimilhança escapa à nossa mais remota vivência.

Claro, podemos criticar o escritor Bunker, que - ao menos confiando no relato de William Styron, que prefacia ambos os livros - não teve o menor resquício de educação formal. Vamos lá, então. Antes de mais nada: Bunker sabe escrever, o que aprendeu a duras penas lendo o que podia em San Quentin. Mais: Bunker narra muito bem, não se limitando, enquanto escritor, a cenas de ação ou descrição de eventos em linguagem de baixo calão, como qualquer um poderia imaginar. Como argumento, basta um exemplo. Cão Come Cão praticamente começa com Mad Dog McCain, um dos principais personagens, aspirando e depois injetando cocaína na veia. A descrição, realizada com diversos recursos complexos de estilo, como mudanças radicais de referência, introspecções delirantes em meio a tosca brutalidade, termina com o assassinato, por ele mesmo, da própria mulher e filha. É de se duvidar que alguém venha a querer usar cocaína a partir do relato de Bunker. Cenas como essa, contudo, não são exceção: multiplicam-se tanto em Cão Come Cão quanto em Nem Os Mais Ferozes. Sejamos sinceros: certos trechos haveriam de dar inveja a sujeitos do porte de Jim Thompson, um dos maiorais do gênero (até nisto há um quê de inédito em Bunker, pois como rotular "policial" um romance cujo "herói" é um criminoso?) ou mesmo roteiristas de altíssimo nível (como a dupla Charles Brackett e Billy Wilder, em Farrapo Humano, por exemplo). Em tempo: Bunker é também roteirista premiado.

Os enredos de Cão Come Cão e Nem Os Mais Ferozes são bem simples, simplórios até. O primeiro livro (quarto de Bunker) narra os preparativos e fuga após um assalto a mão armada contra... assaltantes. Pois, para não serem pegos, Troy, Diesen e Mad Dog, os "heróis" do livro, preferem roubar traficantes que não podem, claro, chamar a polícia e não têm como achar seus inimigos. A trama de Nem Os Mais Ferozes (o primeiro de Bunker, lançado originalmente em 1973) é ainda mais prosaica. Em liberdade condicional, Max Dembo, ex-condenado, tenta desesperadamente não voltar à vida de crimes. É claro que não consegue.

Certos livros a gente engole de uma vez só e logo em seguida esquecemos. Pois não é o que acontece com os personagens e algumas cenas (cinematográficas) de Cão Come Cão e Nem Os Mais Ferozes. McCain, em toda sua loucura perversa, permanece em nós; Diesel, em sua idolatrada relação com Troy, inspira-nos certa compaixão até o último momento; chegamos até a torcer por Troy, que a todo momento só se preocupa de verdade com ele mesmo. Max Dembo, de Nem Os Mais Ferozes, torna-se - pena dizer - quase um amigo, apesar de sua moralidade discutível e práticas deploráveis. Pois como não nos identificarmos com um sujeito que, desesperado, não aceita ficar mofando três semanas em uma cela só porque seu agente da condicional entrou em férias? Iria mais além: assim como não a atual tradição de filmes de ação não ousa se esquecer de certos filmes de Sam Peckinpah (Meu Ódio Será Sua Herança, Sob O Domínio do Medo, Pat Garrett e Billy The Kid, por exemplo), não haveríamos por que ousá-lo com respeito a moral amoral de Edward Bunker e companhia.

Antes que eu me esqueça: 1) Nem Os Mais Ferozes foi filmado em 1978 com Dustin Hoffman como Max Dembo. O filme chama-se Straight Time, ou Liberdade Condicional. Os aficionados devem querer saber que, ao realizar o filme, Hoffman queria independência no roteiro, algo que o estúdio não cumpriu e que, ao ser acionado na justiça, retaliou com péssima divulgação. 2) Ainda sobre Straight Time, existe um documentário de 25 minutos sobre os bastidores do filme, do qual participaram Bunker e colegas de "profissão" (ex-marginais). 3) Fogo contra Fogo, um dos melhores filmes de Michael Mann, tem um personagem baseado, como forma de homenagem, no Bunker marginal (é o agenciador de crimes interpretado por Jon Voight). 4) Bunker, o próprio, é o Mr. Blue de Cães de Aluguel, sujeito atarracado que embora mal apareça consegue dar o tom à antológica primeira seqüência do filme. 5) Em Cães de Aluguel, Bunker foi contratado à última hora por Tarantino, que o viu nas seqüências de filmagem de Straight Time. 6) Bunker participa em diversos outros filmes, com destaque para Expresso para o Inferno e Tango & Cash. Em Expresso, Bunker, além de ser co-autor do roteiro (criado por Akira Kurosawa, que não conseguiu filmá-lo), incorpora o papel de um condenado (Jonah) que aparece como mentor intelectual do personagem principal interpretado por Jon Voight. Em Tango & Cash, uma comédia, Bunker faz uma ponta como delegado, chefe de Cash (Kurt Russel), que, se não exagero, rouba a cena sempre que aparece. 7) Autor do livro Animal Farm, mais completo relato sobre sua estadia no sistema prisional, Bunker deu origem a filme do mesmo nome dirigido por Steve Buscemi (que por razões óbvias dispensa apresentações).

Sobre o livro: Ainda no terreno desta resenha crítica, o editor precisa se preocupar com as revisões dos livros: os erros são irritantes. E, falando no diabo... Alfred Bylik, proprietário da Editora Barracuda, diz em seu blog que pretende lançar mais dois livros de Bunker em 2005: sua autobiografia (Mr: Blue: Memoirs of a Renegade e Little Boy Blue). Boa sorte a ele. Estou à espera.



* Jornalista. Esta resenha está sendo aprimorada para aparecer como ensaio em revista ou internet.
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