Passam-se os dias e temo que a verdade seja
superior a mim, à minha capacidade de
resistir-lhe.
Percebo a forma como chegas: um vagar lento quase
inofensivo. Mas algo perturba o teu olhar quando
me vês e essa perturbação sobressalta-me! Depois
abres um sorriso que te ilumina o rosto. Quando
olho em frente, o horizonte começa e acaba na tua
boca nua, com o sorriso fixo, agrilhoado ao
desenho dos lábios. Ergues a mão direita e pousas
sobre a minha nuca inteira num gesto que poderia
terminar num beijo ou numa violência abrupta.
E é esse gesto inacabado, um gesto sem propósito
algum que não o toque cru na minha nuca que
transforma o sobressalto em estremecimento. Então
a proximidade torna-se insustentável. Ensaio uma
fuga com os olhos e movo ligeiramente os ombros
mas a tua mão decide que o fim do teu gesto é
afinal impedir a minha fuga. Olhas-me como se
fosse um fruto rutilante e doce. Com a tua mão
esquerda afastas um fio de cabelo do meu rosto e
beijas-me na testa - um beijo manso, quase
fraternal, um beijo diabolicamente angelical e
mentes quando sussurras sou teu amigo. Não sei
como chegamos aqui, a este lugar onde o corpo
arde e os sentimentos mudam de nome debaixo da
língua.
Amadureces na minha boca.