DR. PELÓPODAS RESPONDE
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Quadro diário de perguntas e respostas na TV
* obs: Dr. Pelópodas é médico, filósofo e consultor da revista Chamego
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Consulente_ Doutoor, aaaah dooutor!! [O homem está visivelmente mal-humorado.] Tenho andado numa irritação filha-da-puta! Tô aqui sentado na sua frente, direitinho, bonitinho, mas por dentro eu tô é soltando faísca, pronto pra explodir a qualquer momento! Eta, puta-que-pariu!! Merda! Porra! Cu! Buceta! Caralho!
Doutor_ Calma, tetéia! olha a safena... Que bicho te mordeu? Tá com a roda seca?
Cons._ Vou contar por senhor. Na verdade é uma porrada de coisas!.. uma nuvem negra, uma verdadeira revoada de urubus no céu do meu viverrr! De todo lado, de todo jeito, só me vem pentelhação, mais nada! É o cachorro do vizinho que não pára de latir... é a cadela da minha mulher que não pára de falar... é o Botafogo que não pára de fazer vergonha... é o carro que não pára de quebrar... é a débil mental da minha empregada que resolve guardar acetona num frasco de colírio e quase me deixa cego... é o ventilador de teto que me cai dentro do prato de feijoada... é multa de trânsito... é IPTU... é imposto de renda... E o pior é que quanto mais nervoso eu fico, mais as coisas se voltam contra mim!
Dr._ Ah, mas isso é de lei, meu nego! Há sempre uma abelha pra picar uma face chorosa... sempre... sempre...
Cons._ Até os objetos inanimados parecem ganhar vida, só pra me sacanear! A televisão começa a dar um monte de piripaque esquisito quando sente qu’eu tô de lua virada _ só de fudeção! O liquidificador ejeta a vitamina na minha cara. Acendo uma lâmpada, ela estoura; acendo outra, ela se finge de queimada... como num pesadelo! A gaveta, se não emperra pra abrir, emperra pra fechar. Eu não agüento!!! Até os mosquitos parecem teleguiados pra ficar zunindo na minha cara! Parece até uma coisa, sô!!
Dr._ Filomeno, meu amigo, o seu caso é grave. [Doutor faz uma pausa pesarosa.] Você é vítima da Síndrome da Perseguição Invisível, um fenômeno paranormal de obscessão e subjugação psíquica, também chamado de IPVA _ Irritação Psíquica Vinda do Além. De uma coisa você pode estar certo: toda a estupidez e toda a cretinice do mundo, juntas, são menos exasperantes que uma só gota da irritação paranormal! O depauperamento odioso e sistemático dos nervos de um ser humano por forças que escapam aos seus sentidos... não conheço espetáculo mais triste!.. À primeira vista o seu caso parece ser um mero descontrole emocional, igual ao que ocorre em certas pessoas que se julgam muito sérias e que só sabem reclamar de tudo. Esta birra infantil, que no adulto passa a ter o nome de caturrice neurótica, não é o que tá rolando contigo. O seu problema é certamente de origem transpsíquica, ou seja, espacial! O quadro de sintomas que você nos narrou aqui de maneira tão transparente e emocionante, nos leva a uma só conclusão: toda esta maldição que te azucrina é provocada por gnomos e nada mais!
Cons._ Gnomos?! Mas que porra!! Bem que eu nunca gostei daqueles monstrinhos com cara de bêbado que a Judith espalhou pela casa toda! Vou empilhar aquelas merda no meio da rua e sentar a marreta!.. Se ela tivesse comprado uns anjinhos, ao invés desses ET’zinhos deformados, eu hoje não tava aqui, desesperado, obrigado a pagar esse mico pro Brasil inteiro ver! Piranha! Filha-da-puta!
Dr._ É isso aí... É nisso que dá ficar acompanhando modismo idiota... Aquelas figurinhas horrendas, carregadas de energia maligna, funcionam como verdadeiros imãs astrais pra esta horda de salteadores espirituais, que se instalam como larvas no cérebro do caboco. Da parasitose espiritual pra loucura é um passo só!
Cons._ E o que podemos fazer então, doutor, pra espantar ou, de preferência, matar essas porra?
Dr._ Eles estão alojados dentro de você, Filomeno. [Ele faz uma pausa, lança um olhar de contemporização:] Precisaremos chicoteá-lo, queimá-lo, torturá-lo de alguma forma. Como são sacanas demais pra aceitar orações e doutrinamento bíblico, teremos que dar uma boa chacoalhada na casa deles, ou seja, no seu corpo.
Cons._ Epa! Peraí! Agora o negócio mudou de figura! Num quero ser detonado por causa de uma teoria maluca que o senhor cismou de inventar pra cima de mim... aí não! Nessa eu tô fora! [ele faz menção de se levantar pra ir embora.]
Dr._ Filomeno, meu amigo, agora o seu mau-humor já tá passando dos limites! Estamos sendo acompanhados, neste momento, por milhões de telespectadores em todo o país... Cê tava indo tão bem!.. e agora tá querendo subir nas tamancas... arrebitar a tanga!.. jogar água no meu chopp! Qualé?! Vai tomá no cu! Aqui no meu programa quem manda sou eu, e fim de papo! [Doutor aciona a sua guarda pessoal:] Meninos! Guincho! [Três rapagões bonitos e exageradamente musculosos, em roupitchas colantes, agarram o consulente.]
Cons._ Me larga! Me larga, suas bichas marombeiras!
Dr._ Fica mansinho aí, ô sô zé! _ é pro seu bem... Depois que acabar, cê vai me agradecer...
Cons._ O que ceis vão fazer comigo?! Vão me açoitar, é?! Me chamuscar com ferro em brasa?!
Dr._ Quê isso, meu chuchu! _ nada de cicatrizes ou hematomas; eu tive uma idéia melhor. Vamos prender sua respiração até onde cê agüentar. Vai ser um desespero!.. vai ser foda! mas os gnomos vão debandar do seu corpo que nem um bando de galinhas assustadas. Pode crê...
Cons._ O senhor é louco!!! Meu advogado vai cair em cima de vocês!
Dr._ [Doutor olha pra cima, complacente:] Senhor, perdoai este animal... Carlaaão!!!
[Um sujeito grandalhão, de aspecto suspeito e rosto esburacado se aproxima, ouve algumas ordens sussurradas pelo Doutor, se retira. O paciente tá seguro pelos braços e pernas... Carlão retorna, sorrindo, exibindo um grande saco plástico numa mão e um cadarço na outra. O paciente começa a dar ataques. Doutor Pelópodas lhe esbofeteia: “Pare de fricotes, rapaz! seja homem!!” Carlão mete o saco pela cabeça do coitado e veda a entrada de ar com várias voltas do cadarço em torno do pescoço. Filomeno se debate. A fisionomia plastificada contorcendo-se em agonia é puro terror! Apesar da feiúra da cena, os mocetões bombados, no trabalho de deter o supliciado, não perdem a oportunidade pra exibir suas melhores caras e bocas e as mais estilosas contrações de seus corpinhos depilados. Filomeno cai... Silêncio...] Um dos rapazes, depois de rasgar o plástico: “Santo Deus, doutor! Acho que ele morreu! Ele morreeeu! Ai, cacete!”
Dr._ Seus irresponsáveis!!! O que fizeram com ele?!! Marginais de uma figa!!!
Rapagão_ Mas doutor...
Dr._ Cala a boca! Vocês vão responder criminalmente por esta cagada!
Rapagão_ Mas doutor...
Dr._ Mas que mané-doutor o caralho!!! Num tem coré-coré!! Vocês serão...
Rapagão_ Mas doutor!!! Ô doutor! Ele tá se mexendo...
[Doutor se agacha junto ao corpo do homem, suspende sua cabeça. Ele está recuperando os sentidos. Sacode a cabeça, respira fundo, pisca e revira os olhos, melindrosamente. Dr. Pelópodas o acompanha detidamente. Quando, afinal, o sujeito resolve acordar de vez, um sorriso inebriado se abre em seu rosto; ele esbate as pálpebras feridas de luz.]
