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Artigos-->NOVA IORQUE: depois do choque, a beleza -- 28/09/2001 - 22:21 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O escritor Paul Auster, em entrevista concedida a Fiona Ehlers, fala sobre sua cidade natal, Nova Iorque, uma cidade que se supera – e que, felizmente, permanece a mesma.

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Interview: Fiona Ehlers

Tradução: zé pedro antunes



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kulturSPIEGEL: Senhor Auster, já havia pensado haver pessoas que odeiam Nova Iorque com tal intensidade?



Auster: Não, em todo caso não nessa proporção. Com certeza, nós, novaiorquinos, estávamos habituados a defender nossa cidade contra o resto do mundo. Porque esta cidade sempre foi diferente das outras – grande, cosmopolita e contraditória demais para se realmente compreendida. Nova Iorque. É uma cidade que dá medo e que desperta a inveja de muitas pessoas.



kulturSPIEGEL: Sua reação depois dos ataques soava como um insight retardado: “Nós todos sabíamos que poderia acontecer. Por anos a fio, falávamos sobre isso."



Auster: Está correto, nós estamos alertados. Teríamos de ser cegos e surdos para não ter pressentido nada – o atentado a bombas há oito anos, ataques ao metrô. Estava simplesmente no ar. Mas agora, que a tragédia se deu, tudo é ainda muito pior. Ninguém está surpreso. Mas todo mundo está chocado com o modo como se deu. Aviões sequestrados que caem do céu, como se fosse o roteiro de um filme B.



kulturSPIEGEL: O que foi mais doloroso nesses dias?



Auster: Que ninguém de nós permanece intocado. Pela primeira vez, desde que me conheço por gente, um assunto aqui diz respeito a cada um dos indivíduos. Cada um de nós conhece alguém que jaz sob os escombros. Uma grande ferida permanece aberta agora no coração da cidade. Por que temos uma relação muito rara com a nossa cidade. Uma espécie de instinto de preservação, como o de uma mãe que teme por seu filho



kulturSPIEGEL: Onde se encontrava no momento dos ataques?



Auster: Acabava de levar minha filha de 14 anos até a estação de metrô no Brooklyn. Sophie estava muito nervosa com o seu primeiro dia de aula na High School em Manhattan. Estando de novo em casa, por volta das 9 horas, uma colega me telefonou e balbuciou algo sobre imagens horríveis na televisão. Subi correndo ao nosso telhado, de onde se tem o mais belo skyline de Manhattan. Eu via subirem nuvens de fumaça preta do centro da cidade. Desci então correndo até o televisor. O segundo boeing se chocava contra a torre. Compreendi que não podia ter sido um erro do radar. Minha mulher, Siri, estava escrevendo uma carta a um amigo da família que estava à beira da morte. Juntos corríamos entre o telhado e a televisão. Não sabíamos em quais imagens acreditar.



kulturSPIEGEL: Onde estava sua filha nesse momento?



Auster: Estava mais ou menos em segurança. Telefonamos a amigos em Uptown, em casa dos quais ela podia ficar no dia seguinte. Então, finalmente, tomamos coragem para sair de casa. Minha mulher e eu queríamos ir votar, afinal era para haver prévias eleitorais para prefeito em 11 de setembro. Simplesmente inacreditável – mesmo nesse dia pensávamos ainda em nosso dever democrático.



kulturSPIEGEL: A cidade já havia se transformado?

Auster: Fora havia um silêncio de morte. No ar, uma incapacidade de conceber os fatos, e esse cheiro horrível de plástico, borracha e aço, que continua colado no meu nariz. Eu vi algumas pessoas vagando pelas ruas com velas nas mãos. Atraídos pelas luzes, cada vez mais pessoas saíam de suas casas. De repente éramos milhares. Fomos nos dando as mãos uns aos outros, e abraçando os bombeiros desolados. Era muito difícil não prorromper em lágrimas.



kulturSPIEGEL: Como tem passado os dias desde então?



Auster: Estou bastante deprimido. Tento me ocupar, fazer algo de útil, ainda que não haja muito o que fazer. Às vezes, vou a uma pequena livraria que temos aqui na 7th. Street.



kulturSPIEGEL: Os novaiorquinos buscavam consolo nos livros?



Auster: Não, ninguém lê livros nestes dias. Somente esses horríveis relatos de jornal sobre o acontecido. Nossa livraria foi transfomada em centro de ajuda às vítimas. Meus vizinhos e eu doamos sangue, recolhemos roupas, cigarros, material para curativos. E ninguém consegue achar palavras para o desastre.



kulturSPIEGEL: Em seus livros sobre New York o senhor descreve a cidade como lugar da solidão, no qual o acabrunhamento é onipresente. "A cidade inteira é um amontoado de ruínas", lamenta um de seus personagens na “Trilogia de Nova Iorque”.



Auster: Essas linhas se deixam ler agora com horror, eu sei. Mas não sou eu a dizer estas frases. São os meus personagens. Apesar de tudo, é verdade: Nova Iorque nunca foi um lugar confortável, mas um lugar no qual um indivíduo podia se perder. Por muito tempo eu tive saudade da Nova Iorque da minha juventude, desse sentimento de se estar em casa, como em nenhuma outra parte do mundo. Gosto de voltar no tempo, em pensamento, até o apartamento de meus avós junto ao Columbus Circle ou ao edifício de escritórios do meu avô na 57th. Street; ali eu comecei a escrever. É verdade também que eu sofri durante muito tempo com a menira como a cidade foi sendo higienizada como uma Disneylândia.



kulturSPIEGEL: Porque Nova Iorque de repente mais se parecia com San Diego do que consigo própria?



Auster: Mais ou menos isso. Mas, por outro lado, Nova Iorque é uma cidade na qual o mundo inteiro se sente em casa. Ou, melhor dizendo: se sentia em casa. Mas, no final de tudo, também o personagem da “Trilogia de Nova Iorque” acaba sendo salva. É mesmo uma cidade cheia de contradições. Eis o que a torna assim tão mágica.



kulturSPIEGEL: A Nova Iorque de amanhã preservará alguma coisa dessa magia?



Auster: Se os novaiorquinos aprenderam alguma coisa sobre sua cidade, terá sido o fato de que depois de cada choque a beleza torna a surgir. Você dobra uma esquina e vê pessoas que mendicam ou que trocam porradas. E, um bloco adiante, você vê um casal apaixonado num parque, pessoas bonitas, casas do século XIX. Assim é Nova Iorque – e o mais belo em tudo isso é que tudo seja imprevisível, cada instante pode se transformar em seu contrário. Por mais duro que isso possa soar nos dias que correm.



kulturSPIEGEL: Os novaiorquinhos adoram dar nomes a seus bairros. A quadra que fica além da parte sul desaparecida, eles já a denominam “Noa” – ao norte do apocalipse.



Auster: O, meu amigo. É assim que nós somos. Para mim, essa região sempre se chamou “centro da cidade” (downtown). Agora é um lugar sem nome.



kulturSPIEGEL: O World Trade Center representava o dinheiro e o poder, ficando além da cidade sobre a qual escreve. Esteve lá muitas vezes?



Auster: Sim. Eu gostava de ficar vendo, pela hora do rush, as milhares de pessoas, a borbotar em direção às Fahrstühle, sempre rodeadas e protegidas por esse escudo poderoso de aço e vidro. Embora nunca tenha gostado do edifício, achando-o até mesmo muito feio, ele era para mim um símbolo de liberdade, leveza e esperança. Isso por ter visto uma vez, nos anos setenta, um homem que dançava sobre uma corda esticada entre as torres.



kulturSPIEGEL: Gosta da idéia de que o World Trade Center seja reconstruído o mais rápido possível?



Auster: Melhor idéia seria erigir ali um monumento com os nomes das vítimas, um parque talvez. Por outro lado: Precisamos dessas áreas comerciais, de escritórios. E eu sei também quão rapidamente uma geração pode se esquecer das coisas que a anterior teve de sofrer.



kulturSPIEGEL: Está pensando nos memoriais espalhados pela cidade, para lembrar a guerra civil?



Auster: Exatamente, eles se tornaram arquitetura, ninguém pensa mais na tragédia de há 135 anos. Ou o senhor pensa na Potsdamer Platz em Berlim. Vocês continuam a ver nas próprias cabeças a lacuna gigantesca que ali se abria até depois da mudança. As crianças, no entanto, só vão ver construções recentes, lisas e reluzentes.



kulturSPIEGEL: E tudo será como sempre?



Auster: Depois de um tempo, com certeza. Minha filha me contou ter observado, poucos dias depois da catástrofe, duas mulheres no metrô, brigando – como se tudo continuasse como sempre foi. Uma agarrava a outra pelos cabelos, urravam ambas – é provável que fosse por causa de um homem. Mas isso, na verdade, é tranqüilizador. Ainda não estamos no fim. A vida prossegue.



kulturSPIEGEL: Já pensou em abandonar a cidade?



Auster: Antigamente eu pensava em me mudar para o campo. É o que todo mundo, de tempos em tempos, pensa por aqui. Mas agora as coisas são diferentes. Vamos ficar – isso nunca tinha estado tão claro como agora.



kulturSPIEGEL: Disse uma vez que a cidade seria grande demais para que a concebesse em palavras. Existe agora uma imagem para Nova Iorque?



Auster: Acredito que começa a amadurecer uma imagem na minha cabeça. Mesmo uma semana depois da tragédia, eu ainda torno a ver pessoas se ajudando mutuamente, esquecidas de si mesmas e compassivas. Eu vejo um prefeito, cuja política eu sempre recusei, e que agora se supera. Ele mostra uma simpatia pelas pessoas desta cidade. Minha imagem: eu começo a me apaixonar de novo por esta cidade. Nova Iorque tem dias difíceis pela frente, mas haverá de sobreviver a eles.



kulturSPIEGEL: Falling in love again – uma bela idéia.



Auster: E uma imagem, que é como a vida. Amor, com todos os seus ingredientes – medo e cuidados, ternura e, sobretudo, esperança.

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O último romance de Paul Auster, "Book of Illusions", deve surgir em tradução alemã no próximo ano, pela Rowohlt Verlag.



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Paul Auster, 54, conhece Nova Iorque desde a infância. Com os avós, no apartamento deles, próximo ao Columbus Circle, festeja todo ano o desfile do dia de Ação de Graças (Macy s Thanksgiving Day Parade). Aos dezoito anos, mudou-se para a cidade das cidades, que também ficou sendo o tema de seus romances de maior sucesso ("A trilogia de Nova Iorque", "Lua sobre Manhattan"). Auster vive com a mulher, a escritora Siri Hustvedt e com a filha Sophie no bairro do Brooklyn.



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