DR. PELÓPODAS RESPONDE
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Quadro diário de perguntas e respostas na TV
* obs: Dr. Pelópodas é médico, filósofo e consultor a revista chamego
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Consulente_ Mestre, é uma emoção indescritível estar aqui, frente a frente com o senhor! É como invadir o Olimpo e admirar o torso peludo de Zeus!.. Eeé... é como acertar na loteria... como tirar uma viagem a Cancún no vale-brinde da latinha de Nescau!.. É como...
Doutor_ Tá bom, tá bom! já gozei, já borroquei a cueca toda! valeu! Mas vamo logo ao assunto. Qualé o pó? Chora, desembucha logo, que a sua batata já tá assando!
Cons._ Intão tá intão! Obrigada!.. Bem, doutor, eu sou arquiteta, entende?.. Me formei em 84 pela PUC do Rio de Janeiro e me doutorei, logo em seguida, pela Universidade Federal de Jaguarapiroca, do Piauí... Me casei com um rapaz lindo, pertencente a uma das famílias mais importantes do país e detentor de várias medalhas de salto acrobático e ornamental tenho 3 filhos maravilhosos que só me dão orgulho meu marido me adora me ama até hoje coitado tenho uma cozinha modulada que é o sonho de toda mulher todas as férias viajo pro exterior sou convidada pras melhores festas freqüento os melhores salões de beleza não me aperto nem um tiquinho pra usufruir de tudo do bom e do melhor que a vida tem pra oferecer. O que mais? Chô vê... Ah, sim: acredito em Deus acima de tudo, paizinho! Dou esmolas, todas as noites oro a Deus pelos desvalidos, não desconto comida nem hospedagem da minha criadagem _ e como essa gente come, hem?! parece que tem um bicho dentro da barriga!.. Enfim... faço a minha parte para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária... Amo a vida, a natureza, o sexo, a boa comida... Em resumo: sou uma mulher vibrante, descolada, descomplicada, centrada, bombada, bem resolvida, antenada, linkada na realidade e plugada na maré das novas tendências. Apesar de ter triunfado na vida, e apesar de minhas profundas convicções humanistas, não consigo de maneira nenhuma me livrar de um pensamento atormentador que me acomete todos os dias, doutor!.. toda hora, todo minuto: [ela sussurra, de cabeça baixa] matar meu filhinho de nove meses!
Dr._ Bom dia, amiga! Bom dia, patota bacana da Rede PQP! Primeiramente, devo confessar a todos que estou me sentindo extremamente inspirado e saudável hoje. Esses dias de verão conseguem me deixar ainda mais jovial e luxuriante!.. De fato, é divinamente interessante este dinamismo harmônico que se estabelece entre mim e as forças da natureza, assim de forma tão pura e irresistível! Mas, sinceramente, já não me surpreendo mais com essas coisas _ afinal, o que se pode esperar de previsível em meu estratosférico ser? O que esperar de corriqueiro num homem que aos nove anos de idade já escrevia divinos poemas de amor e fantasia; que aos dez conseguiu refutar, de maneira cabal e definitiva, as festejadas esquizofrenices de Nietzsche, a picaretagem de Freud e os esquálidos fundamentos da Física Clássica newtoniana; que aos doze produziu “Imortalidade”, obra conclusiva sobre a natureza de Deus e a etiologia do ser, de 388 páginas; e que aos quinze compôs o polêmico e fenomenal “O Futuro da Humanidade”!.. Minha avó, dona Zizinha, foi a primeira a perceber a grandeza de meu destino. Vivia ela a dizer: “Vejo este menino no futuro comandando frotas, liderando cargas de artilharia, levantando povos, fundando impérios, ganhando concursos de halterofilismo!..” Obrigado vovó, você estava mesmo certa! mas o meu reino não é deste mundo... Obrigado vòzinha amada, pelo idealismo, pela elegância, pelo carisma que, de forma indelével, cinzelaste no caráter daquele rude e indomável menino... [Doutor contém-se pra não se deixar levar pela emoção.]
[Ele se vira pra convidada:] Pois muito bem Maria _ vamos chamá-la assim, a fim de preservar sua verdadeira identidade... simplesmente Maria, tudo bem?.. Mater tenebrarum!.. Pó ficá tranqüila que hoje nóis tira esse cuei da moita de qualquer jeito! Mas previna-se, doce Maria: quando falo coelho, pode ser que o tal coelho seja um jacaré, uma onça ou mesmo um monstro ensandecido _ feio como um pesadelo numa noite de tempestade! Tais me ouvindo?.. Porém, uma coisa é certa: hoje tu não sai daqui de mãos abanando.
O diagnóstico do seu caso aponta pra quatro alternativas possíveis. Nosso trabalho será fechar o cerco, examinando-as uma a uma. Assim não haverá nenhuma chance de erro. OK? _ Então vamo lá... Você costuma ouvir vozes?
Cons._ Como assim? Vozes...
Dr._ Sim, vozes... vozes do Além...
Cons._ Ora essa! Lógico que não!
Dr._ Você costuma ver vultos?
Cons._ Vultos?
Dr._ Coisas negras, sombras de animais rondando a sua casa, observando-a por detrás da geladeira ou da cortina da sala; presenças arrepiantes que se aproximam silenciosamente por detrás e que desaparecem logo que você as entrevê...
Cons._ Que isso, doutor, tá me chamando de maluca?!
Dr._ Guarde suas conclusões pra depois, minha filha. Não fuja das minhas perguntas...
Cons._ Desculpe...
Dr._ Você, por acaso, tem pesadelos constantes?
Cons._ Não.
Dr._ Zumbido nos ouvidos?
Cons._ Não.
Dr._ Ouve gargalhadas alucinadas no meio da noite?
Cons._ Não, doutor, nada disso!
Cons._ Você gosta da Xuxa?
Dr._ Hum, eu hem! mulherzinha fingida, antipática...
Dr._ Você sente vontade de se jogar quando está em lugares altos?
Cons._ Não...
Dr._ Você jura? Olhe bem pros meus olhos! Se eu perceber que você mentiu, serei obrigado a adotar procedimentos mais diretos e incisivos... pro seu próprio bem, tá me ouvindo?! E então: você sofre de algum dos sintomas mencionados? Heim?! Heim?! Sim ou não?!
Cons._ Não, mestre! Não! Eu juro!
Dr._ Muito bem. Você passou no primeiro teste. Acalme-se. Nós estamos aqui é só pra ajudar. Confie em mim... Podemos continuar?.. Pois bem, já eliminamos a hipótese da demência renitente do pós-parto. Examinaremos agora uma outra hipótese: a pura e simples sem-vergonhice... Lembre-se de responder sempre olhando bem dentro dos meus olhos e lembre-se de que qualquer esperteza de sua parte será automaticamente detectada por mim, e a retaliação será imediata. Não banque a sabidinha comigo, que pr’eu virá a mesa pouco custa, falado?!
Cons._ Puxa, doutor, o senhor é tão magnético! A gente se sente segura perto do senhor...
Dr._ Eu sei. Depois a gente conversa. Onde estávamos mesmo? Ah, sim: você gosta de apanhar do maridão?
Cons._ Credo, professor! Ainda num cheguei nesse ponto não, graças a Deus!
Dr._ E você, por acaso acredita Nele? [apontando pra cima]
Cons._ No meu marido?
Dr._ Não, em Deus...
Cons._ Nossa! Demais, doutor! Tenho tanta adoração por Deus que meu marido às vezes chega a ficar com ciúmes...
Dr._ Tens adoração por algum artista? Um ator, cantor, jogador de futebol...
Cons._ Eu gostaria de conhecer o Daniel...
Dr._ Quem é esse?
Cons._ Ele canta sertanejo... O senhor já ouviu aquela música? _ “... como a porca e a caçamba / este amor não jeito / vai dar sambaaaaa!”
Dr._ Ah, sei, sei... aquele rapaz clarinho, de sorriso vidrado; muito bem, gosto é gosto... Agora vejamos... Você tem aí na sua bolsa um batom vermelho?
Cons._ Claro...
Dr._ Me dá! ... ... Agora olhe fixamente pra ele. [Dr. Pelópodas começa a girar a base do batom pra cá e pra lá, produzindo um sugestivo movimento de vai-e-vem na balinha vermelha, na frente do rosto da mulher] ... ... ... Você está suando ou será impressão minha? [ele a olha de soslaio, com um sorrisinho maníaco.]
Cons._ Ué, tá calor, né...
Dr._ Só você que tá sentindo! Esse ar condicionado tá até meio desregulado... Mas esquece! Vamo lá... responde rapidinho: dia ou noite?
Cons._ Dia...
Dr._ Praia ou montanha?
Cons._ Praia...
Dr._ Jazz ou pagode?
Cons._ Eu gosto é do Daniel e do Richard Claydermann... Ah! e tem o Ray Coniff que também é um grande artista...
Dr._ Lilás ou vermelho?
Cons._ Lilás...
Dr._ Amor ou dinheiro?
Cons._ O amor! Porque o amor é...
Dr._ Dispensamos comentários. Você daria sua vida pra salvar a Humanidade?
Cons._ Claro, ué!..
Dr._ Você tem cachorro?
Cons._ Tenho uma poodle, a Salomé, que é filha de dois campeões da raça...
Dr._ Você a ama?
Cons._ Amo de paixão, doutor. Sou capaz de tudo por ela!
Dr._ Se amanhã você descobrisse que ela tem uma doença incurável, você se disporia a gastar todo o seu dinheiro, até o último centavo, pra salvá-la? você seria capaz de abrir mão de tudo?
Cons._ Aí também já é demais, né!
Dr._ E se te oferecessem um milhão de dólares pra transar com um cachorro, você toparia?
Cons._ Sigilo completo?
Dr._ Sim, completíssimo...
Cons._ Pode ser franca doutor?.. Eu sei lá, hem...
Dr._ Muito bem, tá encerrado o teste da sem-vergonhice. Vamos analisar todas as hipóteses antes de dar a palavra final. Vamos checar agora a terceira hipótese pro seu caso: possessão demoníaca...
Cons._ Credo, doutor! [Fazendo sinal da cruz]
Dr._ É isto mesmo: o Maligno tem muitos artifícios, comadre!.. Você pode estar possuída por ele sem se dar conta, a não ser por certos impulsos estranhos, como este de matar o seu filho, ou talvez de atear fogo na própria casa, envenenar a caixa d’água do vizinho, essas coisas... Por favor tragam-me um copo d’água! [grita o Dr. à produção. O copo é colocado à sua frente.] Agora eu vou santificar esta água com uma oração muito poderosa usada pelos cristãos primitivos da Babilônia; depois você vai bebê-la. Se o Demônio estiver aí dentro, nós vamos saber. Produção! eu quero cinco ou seis homens pra segurá-la aqui, caso seja preciso... Agora silêncio absoluto no estúdio, por favor! Quem estiver sentado, levante-se. Firmem o pensamento no poder de minhas palavras: “Quantus tremor stipendiis / Hostes maledictis acribus simulacra gentium / Solutos terrae inter sidera / Mors, error, calamitas / Daemon laepra fugiunt despiciat / Membra, resque perditas / Exurients implevit deposuit Luciferum / Hunc astra, tellus, aequora / Sicut sagitae loquetur inimicis dat nebulam / Eorum est clamabunt misericordia / Gloria Patri, et Filio, et Spiritus Sanctus.” Pronto! pode beber, minha filha! [Ela pega o copo e titubeia por um segundo] Vamo lá, tá com medo?.. Eu te desafio, Espírito do Mal! sai dessa vida, Encardido! aparreia, bicho carangolô!!! ... [Ela bebe e espera pra ver... Nada... Mais um pouquinho... nada!] ... É! Pelo jeito eu gastei o meu latim à toa... Menos mal... esta água vai servir ao menos pra matar as lombrigas da madame!.. Agora eu já posso lhe dar o diagnóstico final, pois só restou uma possibilidade _ as outras três já foram descartadas.
É o seguinte... O treco é meio chocante, mas você vai entender... Eu gostaria de lhe contar uma história que aconteceu em minha casa... Eu tinha uma cadelinha mestiça chamada Luz do Sol... Puta-merda!.. a saudade ainda me dilacera quando me lembro!.. Sim... posso vê-la perfeitamente, logo ali, como se viva estivesse, a dar pulinhos e a abanar seu rabinho de pom-pom. Criaturinha doce e angelical! _ uma verdadeira dama. E fofa que só vendo, gente!.. Luz do Sol teve três ninhadas no decorrer de sua vida. Era uma mãezona, a danada! um anjo de bondade e abnegação. Poucas mamães no mundo podem se gabar de possuir o mesmo espírito de sacrifício e honradez daquela viralatinha! No entanto, amiga, aconteceu que em sua última ninhada ela demonstrou uma verdadeira aversão por dois dos seis filhotinhos. De noite ela os carregava pra bem longe e os abandonava de modo que ninguém os encontrasse. Passávamos horas procurando-os por toda parte, sempre que isso acontecia. Eu me admirava daquilo; me entristecia ver Luz do Sol se mostrando tão fria e premeditada, querendo preservar seus seios! Tudo bem. Os filhotes enfim desmamaram e nós ficamos com um _ justamente um daqueles a quem Luz do Sol renegava. Ficou se chamando Caveira. Daí pra frente é que fomos nos dando conta do quanto a natureza é sábia e de como somos presunçosos ao querer corrigi-la. Caveira cresceu e se revelou um cachorro imprestável, um tremendo pilantra mesmo. Se entrasse num lugar com dois mil objetos sem valor e apenas um de altíssima raridade, infalivelmente ele destruiria este último e nada mais. Se escapasse pra dentro de casa, urinava em cima da cama, cagava sobre a mesa, comia meus documentos, meu dinheiro, rasgava as cortinas. Depenava meus carros de tudo que não fosse de metal, por dentro e por fora; roía, arrancava, estragava tudo. Eu tinha um bonsai preciosíssimo, cultivado ritualisticamente há oito gerações pelos maiores mestres da arte _ um primor! UMA VISÃO! Mas, eis que um belo dia eu chego em casa e flagro o filho-da-puta estraçalhando a minha arvrinha. Quando me viu, deu uma risadinha e saiu correndo pra se esconder. Peguei meu tresoitão e passei fogo nele!.. foi um orgasmo! Ficamos sabendo que o outro cachorro _ uma cachorrinha, pra ser mais exato _ a quem Luz do Sol rejeitava quando filhote, também estava sendo motivo de grandes decepções pra família que a recebera.
Você veja então, Maria, que o instinto maternal tem um alcance que ultrapassa todas as nossas limitadas perspectivas e preconceitos. O caso da Luz do Sol é o mesmo que tá acontecendo com você. Não se pode dirigir reto numa estrada curva! Fala-se muito que ser mãe é padecer num paraíso; que ser mãe é isso; ser mãe é aquilo _ mas, cá pra nós, tem muito filó aí nessa manguinha! Eu te digo por experiência própria: ser mãe é, antes de tudo, ser veiaca!.. malandra! morô a jogada? [dando uma piscadela de olho]. Você não deve se recriminar só porque quer dar um sumiço no seu nhenhê: é a sabedoria profunda da natureza que age em teu coração. Trata-se de eliminar um fruto bichado que no futuro só vai lhe trazer desgosto _ pode escrever! Este pilantrinha de fraldas é muito bonitinho hoje, mas amanhã ou depois vai escoicear como o demo! Você sabe disso, você é mãe, você sente... Hitler, um dia, também fazia gugu dadá e chupava dedim do pé...
Faça o mesmo que Luz do Sol tentou fazer. Dê-lhe um banhozinho, passe talquinho, perfuminho, vista-o com todo capricho, retoque o vermelhinho das bochechas... depois coloque-o numa cesta bem enfeitadinha e deixe-o na porta da casa da sua pior inimiga, com um bilhete meloso. Mais tarde você terá o prazer de assistir de camarote todo o estrago que ele haverá de causar. De acordo?!
Cons._ O senhor é mesmo um gênio, doutor Pelópodas. Quem mais nesse mundo teria coragem de ir tão fundo na verdade?! Tô me sentindo tão leve que tenho vontade de sair correndo pelas ruas, gritando, cantando, abraçando e beijando todo mundo!.. Vou já já dar um sumiço naquela merda! Tem só um probleminha: como faço com o meu marido e nossos amigos? Devo dizer a verdade?
Dr._ Não conheço nem o seu marido, nem seus amigos, Maria, mas, estatisticamente, são grandes as chances de serem, todos, uma só cambada de bundões. Não lhes conte a verdade. Diga que uma vendedora de produtos da Natura, que lhe fazia uma demonstração a domicílio, carregou o seu moleque enquanto você foi ao banheiro dar uma mijada. E pronto. Simples, simples!
Cons._ Puxa-vida, doutor! o que lhe posso dizer?!! ... Obrigada por tu existires!!!
Dr._ Vá com Deus, minha filha...
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