"Ao fechar o cerco à capital do país, a hantavirose faz mais do que matar suas vítimas: revela a existência de um campo minado, o desastroso efeito-rato." (Pedro Pedreira)
Concordem ou não as autoridades, ainda faltam conhecimento e explicação em torno da hantavirose, a doença que há algum tempo passou a assustar o Distrito Federal, tão agressiva a ponto de dizimar quase a metade das pessoas que se contaminam.
As ocorrências deixaram de ser episódios isolados, supostamente vinculados a algum foco de contaminação na periferia, desde quando começaram a surgir novos casos por todos os lados, vitimando moradores de áreas urbanas e bairros nobres.
Com a palavra, as autoridades, especialmente as da área de Saúde.
Mas enquanto não se anunciam versões mais completas e consistentes, abre-se a oportunidade para análises mais amplas.
Quando se associa o surto da doença com o fato de Brasília ser o cenário de gigantesco processo de avanço desordenado da população sobre áreas praticamente virgens – inclusive reservas ambientais -- torna-se inevitável uma reflexão por essa ótica.
Talvez ninguém saiba dizer com precisão qual é, hoje, a extensão das áreas invadidas por legiões iludidas com a promessa ou expectativa de um lote. Nem o tamanho exato dessas populações, desordenadas na ocupação mas orquestradas no ataque.
O Governo do DF chama para si o controle da ocupação do solo, exibindo fiscais fardados e vistosos programas para atuar nessa área. Mas o perfil político de certos homens públicos instalados no poder sugere o contrário, passando a incrível impressão de que piscam veladamente um olho para os invasores, mas em público mostram oficialmente o outro olho, com o qual fingem fiscalizar a bagunça.
Talvez fosse mais eficaz perguntar se não são os festivais de invasões que controlam a carreira de alguns homens públicos do DF, rendendo-lhes votos, sempre muitos votos... Tudo bem arrematado por leis ecologicamente duvidosas e economicamente escandalosas, produzidas por estranhos políticos que gostam de legislar a toque de caixa na calada da noite.
Então, enquanto os pesquisadores se debruçam sobre os enigmas da doença ainda recente nos anais da saúde pública, os ambientalistas ficam convidados a se pronunciar. Afinal, grandes contingentes humanos estão indo para perto do rato silvestre, o propagador da doença. Como essas populações levam para o cerrado mais detritos do que saneamento, perfeitamente natural supor que a população de roedores esteja expandindo-se nas mesmas proporções dos invasores, mas um esbarrando no território do outro.
Essas pessoas avançam porque descobrem que, transpondo os limites do direito de propriedade e as fronteiras da higiene, podem realizar o sonho do lote próprio, ainda que poluindo o ambiente e espalhando sujeira pelas matas. Os ratos silvestres descobrem na aproximação dos moradores inesgotáveis reservas de alimentos bem ali nas fronteiras do seu habitat natural.
A partir desse quadro, o resto é fácil imaginar. Basta relacionar variáveis biológicas, como a combinação de alimento farto, superpopulação de roedores silvestres e seus possíveis deslocamentos migratórios.
Então, se já era sabido que sempre houve muitos ratos em Brasília, agora se suspeita que eles estão cercando a capital. Com isso, fecha-se um perverso elo estabelecendo ligação entre impacto ambiental, fenômeno eleitoral e desolação no hospital.
Enquanto eleitores iludidos e roedores insaciáveis seguem ávidos um em direção ao outro, as urnas agradecem e populistas notórios se perpetuam, solenemente alheios ao campo minado que vão deixando para trás...