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Artigos-->ANGOLA: uma história de sangue e petróleo (1) -- 20/09/2001 - 20:43 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Angola poderia ser o paraíso na terra. Mas, com a riqueza do país, paga-se o preço de uma guerra eterna



_________________________



De Jon Lee Anderson

Trad.: zé pedro antunes



_________________________





Da grande plataforma de extração de petróleo em Takula, a África aparece como uma trêmula linha verde-escuro no horizonte leste, nevoenta e difusa ao calor do dia. A linha verde descreve a costa de Cabinda, um enclave, quase 7770 quilômetros quadrados, que ao final do século XV era um centro do comércio de escravos, e que em 1975, quando Portugal abandonou suas colônias à própria sorte de sua independência, foi anexada à República Popular de Angola.



Junto a sua fronteira ao sul, Cabinda é separada de Angola por uma estreita faixa de terra pertencente à República Democrática do Congo, e pelo próprio rio Congo. Touceiras de lírios verdes, às vezes árvores inteiras, se movem da pantanosa foz do rio em direção ao Atlântico, e ao longo da plataforma de extração de petróleo Takula, que se ergue sobre compridas pernas de aço em forma de canos, numa amplidão surreal de águas cinzentas. Aqui e acolá, das chaminés, lançam-se ao ar chamas negro-fuliginosas, e alaranjadas.



As touceiras de mato que se movimentam contra a correnteza e ao redor do pilares das gigantescas plataformas de perfuração, vêm de um mundo que se acha imensamente distante do negócio da extração de petróleo. Sobre a Plataforma Takula, cerca de 250 operários, sobretudo americanos, cumprem 20 duros dias de trabalho. Depois disso, são transportados em helicópteros até o aeroporto de Cabinda e, dali, partem em vôo para Luanda, a capital de Angola, onde eles se espalham sentados e bebem cerveja sul-africana no bar do Hotel Continental ou do Méridien. Vinte dias depois, retornam a uma nova camada. Serpentinas subterrâneas transportam o petróleo da plataforma para as docas flutuantes, onde ele é armazenado em tanques que se fincam no mar sem jamais terem tocado a terra.



Mais de oito por cento do petróleo importado pelos Estados Unidos vem de Angola - mais do que importa do Kuwait. As ilhas de perfuração no oceano, junto à costa de Cabinda, são exploradas pela Chevron. Alguns cínicos chamam de "República Chevron" o enclave que abriga um dos mais ricos negócios de extração petrolífera do mundo.



Ali o petróleo foi descoberto ao final dos anos setenta e a produção prosseguiu mesmo durante a Revolução e ao longo do período de intranquilidade que se seguiu à Independência em 1975. Quando forem perfurados os apenas muito recentemente descobertos depósitos externos ao oceano, presume-se, Angola será o país com a maior produção de petróleo da África - à frente mesmo da Nigéria.



Angola já produz hoje um milhão de barris de petróleo cru diariamente. Na década passada, o governo angolano arrecadou entre dois e três bilhões de dólares por ano do comércio do petróleo, são cerca de 90 por cento da receita estatal (propinas e gorjetas não-incluídas).



Os proventos do comércio de petróleo permitem ao governo a condução de uma longa e dispendiosa guerra civil, que transformou Angola no inferno sobre a terra. Um inferno em que as cidades do interior estão sem comunicação umas das outras, porque as pontes foram detonadas. Um inferno em que as ruas estão apinhadas de pessoas armadas até os dentes, de saqueadores assassinos. Um inferno em que milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária internacional para não morrer de fome.



A UNITA (União Nacional para a Indepêndencia Total de Angola), o maior grupo de guerrilheiros de Angola, garante o seu financiamento sobretudo com o comércio ilegal de diamantes. Houve um sem-número de tentativas, baldadas, de impedir a venda de diamantes provenientes de regiões controladas pela guerrilha. Nos dois lados, são os diamantes que mantêm a guerra civil em andamento, e até o momento ninguém foi capaz de mudar as coisas.



Talvez possamos compreender melhor a relação entre o petróleo e a política, se lançarmos um olhar para as sedes principais das duas instituições americanas mais importantes em Luanda. A central da Chevron se encontra numa torre espelhada de escritórios na Avenida Lênin, sobre uma colina que se eleva acima da cidade. A Embaixada dos Estados Unidos consiste de uma colônia de traillers atrelados uns aos outros, escondida atrás de um muro cinza de cimento, que a Otan mantém em segurança por meio de um obstáculo feito de arame farpado.



Até aqui, oficialmente, a política dos Estados Unidos em relação a Angola consistiu em "apoiar o processo de paz e de conciliação", como o formulava o ex-embaixador da ONU Richard Holbrooke em 1999, ao visitar um campo de refugiados.



No verão passado, porém, o State Department aplicou a sua mediação nas negociações entre o governo e a guerrilha. "Os Estados Unidos se ligam mesmo, como todos sabemos, ao governo", de acordo com um funcionário europeu da ONU. "Na verdade, decidiu-se que só contaria o incremento da extração petrolífera, devendo a guerra seguir o seu curso."



O Hotel Continental, em que alguns dos operários do petróleo fazem uma parada antes de retornarem ao fundo do mar, é um massudo trambolho de cor mostarda. Fica numa rua lateral, paralela à marginal, uma estrada costeira ladeada de palmeiras, ao longo das curvas da baía de Luanda. Vista de longe, a Marginal poderia ser tomada por uma avenida à beira-mar numa cidade mediterrânea. Mas, vista mais de perto, tem-se a carcaça de um boulevard. A baía está entupida de saídas de esgoto, e muitas das casas, antes enfeitadas com colunatas, foram encobertas por tapumes de madeira. Outras estão em ruínas e cinzas.



Em 1957, ao ser erigido, o Hotel Continental ainda tinha vista para o mar. Do terraço, do telhado do hotel, onde há um bar, algumas palmeiras plantadas em vasos, mesas e cadeiras, a vista para o mar cedeu lugar à visão de um prédio 14 andares, com seus apartamentos empilhados à frente do hotel no início dos anos setenta. O edifício, que já foi novo, acha-se em decadência, com a fachada suja, cinza, e os contornos das janelas avariados. Água corrente não há, e energia, como em toda a parte na cidade, só esporadicamente. Numa praça pequena, pessoas fugidas da violência no interior do país acabaram por se estabelecer nas ruínas calcinadas de alguns armazéns.



Numa outra direção, a caminho do centro da cidade, a rua do Hotel Continental passa pelos escritórios da Sonangol, a sociedade estatal do petróleo - único edifício novo e conservado na região. Algumas centenas de metros adiante, a ruína do hotel Turismo. Em 1992, num breve período de "paz" antes das eleições, uma grande delegação da UNITA ocupou o hotel, transformando-o numa espécie de biwaque urbano. Nas lutas que se seguiram às eleições, ele foi demolido. Saqueadores se assenhorearam de tudo o que não estava preso por parafusos ou pregos. Restou um invólucro de cimento, sem janelas e portas, a fachada transformada em peneira por balas de pistola.



Quatro milhões e meio de pessoas vivem hoje em Luanda - dez vezes a população de 1975, quando Angola se tornou independente. A maior parte dos que ali fixaram residência é formada por antigos camponeses, hoje vivendo em amontoados de cimento que vieram abaixo. Desde meados dos anos setenta, praticamente não se construiu mais em Luanda, e a maior parte do que ficou depois da retirada dos portugueses não mereceu reparos. Já não correm mais os trens, que antes trafegavam da estação do porto para o interior do país ou ao longo da costa. Pretas nuvens de fumaça se elevam dos amontoados de lixo incinerado. Qual caranguejos desajeitados, as pessoas se arrastam pela região com as pernas aleijadas ou amputadas, apoiadas nos punhos envolvidos por trapos.



Por toda parte, na cidade, as pessoas fazem as suas necessidades de maneira incessante e despreocupada. Os homens se agacham, aos olhos de todos, nos amontoados de lixo à margem da cidade, e se aliviam. O esgoto escorre diretamente para a rua, formando grandes banhados de um verde muito escuro. Parecendo pus, a lama parada nos sulcos que entram e saem do labirinto de domicílios cinzentos. O aroma especial de Luanda é, sem dúvida, o cheiro de merda.

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