Em seguida, Sara apenas ouve o telefone, balança a cabeça. Olha para Silvia que está sentada em um sofá na sala.
SARA: Eu direi, pode deixar. Eu falo. (pausa) De nada.(desliga o telefone)
Sara encaminha-se até Silvia, senta-se do lado.
SARA: Era seu pai.
Silvia continua calada, balança o corpo como se embalasse um criança, mas com os braços abaixados.
SARA: Ele quer falar com você.
Silvia apenas muda sua feição. Fica mais séria.
SARA: Vocês precisam se acertarem.
Silvia dá um pulo do sofá para frente, e já sai falando.
SILVIA: Está bem, se não me quer mais aqui é só me dizer. Não precisa ficar inventando histórias, e nem insistir.
Sara vai até ela.
SARA: Não é nada disso. Você é minha amiga e quero ajudá-la. Por isso insisto que vá falar com seu pai. Ele quer...
SILVIA: (Na porta) Vou pensar nisso.
Alguém bate na porta quando Silvia Vai abrir.
Silvia volta-se rápido, depois abre e dá de cara com Lucas.
Silvia vira-se devagar com desprezo, e um pouco de medo.
LUCAS: Precisamos conversar.
SILVIA: Eu não preciso.
LUCAS: O Assunto é sério.
SILVIA: Não quero saber... (vira-se novamente)
LUCAS: Eu te amo.
Silvia volta-se para ele. Olha-o fixamente em seus olhos, ouve-se um dos versos do mendigo.
VOZ EM OFF: Tudo podia ser diferente, se o brilho dos olhos avermelhados,
Fosse apenas reflexo do fogo do amor.
Os dois se beijam.
Sara abaixa a cabeça, faz um ar de alegre e sai devagar.
LUCAS: Não precisa sair. Será que eu posso entrar?
SARA: Claro, entre.
LUCAS: O que eu tenho a dizer, é bom que você também saiba. (olhando para Sara).
SARA: Senta-se. Toma alguma coisa? Um suco, água?
LUCAS: Não, obrigado.
Os três sentam-se:
LUCAS: Silvia, não sei como dizer isso, mas... o meu amor por você é verdadeiro.
SILVIA: Não estou gostando disso.
LUCAS: Você foi vítima de uma trama.
SILVIA: O quê?
LUCAS: De uma trama diabólica. E eu fui um canalha, sou um canalha...
SARA: Vá direto ao assunto.
LUCAS: Silvia, o nosso primeiro encontro foi tudo um arranjo. Não passou de encenações. Mas olha, foi só no começo. Depois você se tornou importante para mim..
SILVIA: E para que tudo isso?
LUCAS: Aliciamento. Meu patrão, entre outras atividades ilícitas, é um cafetão para alta classe. É claro que ele experimenta o produto antes de enviar ao cliente. E para isso envolveu o seu pai também, sabíamos que ele tinha uma queda por jogos e...
SILVIA: O meu pai...?
LUCAS: Ele foi vítima de uma jogada suja. E numa aposta perdeu milhões sem saber, e como não tinha o dinheiro, o meu chefe exigiu dele, que você fosse a garantia de pagamento.
SILVIA: Meu pai fez isso? Não pode ser.
LUCAS: Fez. Mas não foi culpa dele. Só que deu tudo errado, eu me apaixonei por você, e isso não deveria acontecer. Não te entreguei ao patrão, e por isso o seu pai corre sérios riscos de vida.. Estou fazendo de tudo para desfazer esse nó. Mas se eu conheço bem o meu chefe. Será muito difícil. E por isso, ou eu ou ele vai ter que morrer.
SILVIA: Eu estou pasma. O que você quer que eu diga? Mate? Morra? Isso é demais para mim. Sei lá, não sei nem o que pensar.
SARA: Vocês dois precisam de Deus.
LUCAS: Deixa ele pra lá. Eu já rezei a minha cota por hoje.
SILVIA: Preciso falar com o meu pai. Quem sabe assim ele se acalma e me aceita de volta.
SARA: Mas é isso que ele quer menina., vá logo, antes que seja tarde.
SILVIA: Eu vou. Eu vou. (levanta-se meia abobada e saindo)
SARA: Tome cuidado. A sua bicicleta está lá no corredor. A gente se vê.
Silvia sai de vez de cabeça baixa.
LUCAS: Eu sinto muito. Mas é a pura verdade.
SARA: É isso mesmo? Não tem mais nada a dizer?
LUCAS: Não.
SARA: O que significa essa mancha de sangue em sua roupa?
LUCAS: Um acidente com uma cadela no meio do meu caminho. Nada demais.
Sara chega bem perto:
SARA: E esse perfume de mulher, não me é estranho?
LUCAS: Você está sentindo coisas demais, eu vou embora. (vai saindo)
SARA: É de Carla. Você esteve com ela hoje?
Lucas vira-se rápido e nervoso.
LUCAS: Nunca estive com Carla. Tchal. (sai)
SARA: (para si fechando a porta) Muito estranho.
Barulho de moto saindo.
CORTE:
SEQ. 22 – EXT/ INT/ EXT/ CASA/ TARDE. ( 6:00 M )
Silvia chega com a bicicleta.
Para bem longe Da casa.
Silvia está na portaria.
Olha um tempo para o lado da casa. Está séria e triste.
O mendigo vem se aproximando devagar. Dá um pulo e representa...
MENDIGO: Um versinho pelo seu pensamento.
SILVIA: O mundo pela minha paz.
MENDIGO: então, que tal Um versinho pelo seu sorriso.?
SILVIA: Está bem. (sorri de leve e pega o versinho). Obrigada.
Silvia sai empurrando a bicicleta, segurando o cartão na mão.
O mendigo fica olhando por trás.
Ela olha o cartão, e ouvimos a voz do mendigo em off.
VOZ MENDIGO: Tudo podia ser diferente, se ouvíssemos os bons conselhos e desprezássemos os maus. Se enfrentássemos os maus pensadores, com nossos bons pensamentos.
Silvia olha para trás e levanta o cartão, como se dissesse bom.
O mendigo abaixa a cabeça e sai andando.
Silvia vai até a porta e abre. Olha para trás novamente, não vê mais o mendigo.
Silvia entra dentro de casa.
CORTE:
Do lado de dentro de casa, Silvia encontra com seu pai sentado num banco de madeira.
Seo Antônio está cochilando.
SILVIA: Pai.
Antônio acorda devagar.
ANTÔNIO:: Oi filha é você?
SILVIA: O Senhor está bem?
ANTÔNIO: Eu estou, claro, estou sim.
Os dois param de falar por uns instantes e se olham profundamente.
Silvia da um abraço no pai bem apertado.
SILVIA: Ô pai...
Antônio não diz nada. Apenas deixa correr lágrimas pelos olhos ao abraçar a filha.
Aos poucos eles vão se separando.
OS DOIS: Tenho algo a dizer.
Os dois se disfarçam e dão a vez.
ANTÔNIO: Diga você primeiro.
SILVIA: Não. Primeiro os mais velhos.
Os dois se soltam de vez.
Antônio dá dois passos, e quando vai falar, Silvia corta.
SILVIA: Eu já soube de tudo.
ANTÔNIO: Tudo?
SILVIA: Tudo. De tudo mesmo.
ANTÔNIO: Eu não sei como isso foi acontecer...
SILVIA: Foi uma trama, uma aposta, uma promissória, uma garantia.
ANTÔNIO: Da garantia, isso que eu precisava falar.
SILVIA: Pai, escute. (ele senta-se desolado num daqueles bancos da casa) Eu sei que andei me desviando por aí. Andando por caminhos obscuros. Por rotas proibidas... apesar de tudo, adoro muito o senhor e preciso muito do seu apoio e carinho. Só que Preciso desse apoio e desse carinho com o senhor perto de mim.
ANTÔNIO: Eu não queria, fui forçado. Claro que se eu tivesse bancado o homem de verdade não teria feito aquilo. A covardia me dominou, a ganância me perturbou e... e a vontade de tirar você dessa vida imunda, infecta e desumana...
SILVIA: Jogando pai? O jogo foi nossa desgraça, e sempre continuará sendo?
ANTÔNIO: É assim que um viciado age. Ele sabe que tá errado, que aquilo só prejudica, mas continua fazendo. A força do vício é maior. E isso é em todas as formas de vícios. A gana é muito forte. É como um verme destruidor. Depois que começa, só pára, para morrer.
SILVIA: (pausa, senta-se ao lado do pai) Pai, o senhor se acha novo para ser avô?
ANTÔNIO: Avô eu, quem me dera. Como?
Aos poucos o rosto de Antônio se transfigura.
ANTÔNIO: Quer dizer que eu vou ser avô?
Antônio se levanta, vai até um canto, pega um garrafão, abre o garrafão, enche um copo
ANTÔNIO: (levanta o copo, está descontrolado) Então brindemos a isso. Espera lá, um pouco pro santo é claro. (joga um pouco no chão).
Antônio toma tudo numa golada.
ANTÔNIO: Mais um brinde. (enche o copo) Dessa vez para o pai. Quem você disse que é mesmo? Há o traficantezinho assassino. Capacho do Gordo. O idiota do Lucas. (vai tomar, para e diz) Dessa vez não vou dar nada pro santo. Sabe porque? Porque ele nunca me deu nada. Nem o santo e nem ninguém. (toma numa só golada, ele já está meio atordoado) Nem esse bostazinho do Lucas aí, o que ele pensa que é? Não é nada...
SILVIA: Ele está tentando nos ajudar...
ANTÔNIO: Quem? O traficantezinho? (ri forte) Esse não ajudaria nem a mãe se tivesse. Quanto mais a nós.
SILVIA: Mas ele me garantiu. Disse que até morreria pelo nosso amor.
ANTÔNIO: Há que lindo! Morreria. Que sujeito macho!
Antônio enche um copo, toma uma golada, e depois vira-se apontando o dedo para o rosto de Silvia e andando para o lado dela.
ANTÔNIO: (irado) E você? Você mesma sua prostituta sem vergonha na cara. Acredita nele. É claro que acredita. Comem no mesmo prato, cheiram no mesmo espelho. Beberam do mesmo do veneno, e está viciada por ele. Viciada por ele e pelas suas atitudes. Ou ainda pior. Enfeitiçada por aquele doente mental.
SILVIA: Pai, é diferente.
Antônio toma o resto que está no copo.
ANTÔNIO: O que é diferente? A droga ou ele? Não são não. É tudo a mesma porcaria. (enche o copo e não toma, já está bêbado)
Silvia chega perto do pai.
SILVIA: Pai, para com isso.
Antônio empurra Silvia com o braço.
Silvia cai no chão.
ANTÔNIO: Sai para lá sua imunda, não encosta em mim.
Silvia levanta-se devagarinho, vai até a velha foto pendurada na parede.
Tira a foto da parede, olha profundamente.
Sai com a foto nas mãos e vai até o quarto.
Antônio fica apenas observando e bebendo mais.
Silvia sai do quarto com uma sacola velha, e a foto nas mãos.
Coloca a foto no mesmo lugar.
ANTÔNIO: Essa daí fez a mesma coisa. Saiu pelo mundo... e deu no que deu.
SILVIA: Ela tinha razão. Nunca compreendi isso. Só agora...
ANTÔNIO: Você não sabe o que está dizendo...
SILVIA: Vou sair por aí. Se um dia tiver em sã consciência, me procure, se por um acaso eu ainda viver. E se me der na telha, quem sabe eu pagarei a sua dívida junto ao tal Gordo.
Silvia pega suas coisas e sai pela porta.
Antônio pega um dos bancos e o destrui no chão.
ANTÔNIO: Não, isso não.
Silvia passa pelo mendigo pedalando apressada.
Ouve-se apenas o barulho do pai quebrando as coisas.
O mendigo está nervoso.
MENDIGO: Precisa de ajuda?
Silvia para a bicicleta.
SILVIA: O quê? O que foi que você disse?
MENDIGO: (se disfarça): Uma moeda por um versinho. Umazinha só. Uma moeda por um versinho. (sai falando a esmo.)
Silvia fica parada ali olhando para fora, ouvindo as falas do mendigo e o barulho do pai quebrando tudo.
Silvia monta na bicicleta, respira fundo e sai pedalando.