Eu diante d’um espelho,
minha imagem quase inexistente
se perde entre outras figurativas e
imaginárias.
O espelho bem encostado num canto,
usado como reflexos, desprezado sempre,
sozinho como eu.
Eu já há muito num canto, usado para
consolos, deixado... somente,
ninguém me vê.
Uma figura aparece, some em segundos,
imita a saudade, perdida no espaço,
espaço sem fim.
O espelho meu único tormento, minha
súplica de desengano, vê-me chorando,
guarda em silêncio espalhado
num grito.
Eu o único a chorar, cantar ao retrato,
dizer a solidão, ter apenas este quarto,
este quarto de ilusão.
Espelho surdo, mudo inquietante, não
ouve a chuva que aterroriza, não me diz boa noite.
Eu bem triste, parado nem me vejo, deito na cama
fria (arrumada há semanas), não durmo.
Espelho torna a me ver, sumido num conflito,
numa sombra de primavera, primavera sem flores.
Eu o homem complicado, cheio de sonhos, sonhos
fantasiados, fantasiados de dores.
Espelho... lembrou-me a vida,
quebrou-se.
©Balsa Melo
4-10-81
|